O MAGO E A LUA
A edificação é rara e impressionante. Os tetos azulados que descem até os cunhais, atribuem linhas românticas à imponência gótica da arquitetura. Mas são os enormes paredões de pedra que denunciam a passagem do tempo e da história.
No pátio interno, alamedas de cerâmica se cruzam, separando o pomar, a horta e os jardins. De um lado, uma magnífica diversidade de temperos e plantas medicinais deixam um perfume intrigante no ar e, de outro, jasmins, primaveras e anêmonas atribuem cor e sensibilidade àquela atmosfera rústica.
Do lado de fora, a construção é envolvida por um imenso gramado e por frondosas árvores. Um caminho estreito, feito com argila e restos de pedras, conduz até ao lago que à noite, assemelha-se a um manto negro, esquecido por um ser divino sobre aquelas terras.
Com o final do dia, já não se ouve mais o trinar dos pássaros, os últimos feixes de luz descansam no horizonte e o cinza celeste aceita o derradeiro brilho. Agora ela não tardaria a aparecer.
O vento traz frescor e afasta as ultimas nuvens, revelando-a bela e cheia no firmamento. Sua luz surge como um toque suave sobre o cenário transformado, iluminando as matas e as águas.
Um vulto, no alto da torre, observa o renascer noturno que, diariamente, acompanha a chegada das trevas. Mariposas, lobos, cobras, criaturas da noite em profusão. Na beira do lago, sapos iniciam a cantoria, vez por outra interrompida pelo vôo de uma coruja. Sobre as árvores, enormes pirilampos quebram a escuridão com suas luzes amareladas.
Um feixe atravessou a janela e tocou-lhe o rosto. Sentiu o luar e entregou-lhe a outra face. Cerrou os olhos e permitiu à luz chegar-lhe à nuca, ao pescoço e ao peito. Por vezes, fitava-a no céu, profundamente.
Abandonou a janela e tomou abaixo a fantástica escada, quase à prumo, que conduzia até o pátio. Os passos do mestre do tempo eram suaves, quase sem peso, e faziam com que sua figura esguia atravessasse os jardins e chegasse à área externa sem esforço. Dali, a entrada da trilha de pedra se abria em um chamado mudo.
A Lua permitia-se cair. Abandonou o alto celeste em direção ao horizonte, enquanto na terra, ele caminhava liberto. De olhos fechados, expandia seus sentidos e guiava-se apenas pelo cheiro da água.
Deslizou os dedos longos pela seda branca fazendo os botões da camisa cederem um a um. Livrou-se do cinto e das fivelas e despiu-se do restante das roupas.
Aproximou-se à beira encharcada, soltou o cabelo negro que encaracolava até os ombros e depositou, sobre uma rocha, um anel de pedra e uma pesada corrente que trazia ao peito.
O astro, deslumbrante, deitou-se sobre as águas do lago e seu reflexo ondulou até a margem. O mago então, mergulhou e tendo estrelas testemunhas, amou a lua.