A Fábrica De Guarda-Chuvas
-Como assim...eu estudei aqui!Tenho certeza absoluta.Eu estudei aqui nessa escola por três anos!
-Meu jovem,estou lhe dizendo,esse prédio,há vinte e cinco anos,é uma fábrica de guarda-chuvas!Não há a menor possibilidade de ter sido uma escola,pois ele fora construído com este propósito de ser uma fábrica de guarda-chuvas!
Parou por um instante pensativo.
Pegou seu aparelho celular de dentro do bolso que nem lembrava tê-lo colocado ali.
-Vou provar que não estou louco.Vou ligar para uma pessoa que pode confirmar isso.
Digitou alguns números.Esperou que alguém atendesse.Uma voz de mulher atendeu.
-Olá,posso falar com o Júlio?
Houve silêncio do outro lado da linha.Uma voz masculina atendeu.
-Júlio,graças à Deus você atendeu!Cara,tá acontecendo maior loucura aqui.Você não vai acreditar.Acredita que estou aqui na frente da nossa escola,e o cara tá me dizendo que o prédio nunca foi uma escola?Vim aqui pegar meu diploma e ele cisma em me dizer que nossa escola nunca existiu.
Parou para escutar o amigo do outro lado da linha.
-Como assim,Júlio?Estou na Rua Epitáfio Pessoa,número trezentos e vinte e dois.Exatamente onde era nossa escola.Onde estudamos durante três anos.
Mais uma vez se calou para escutar o amigo.
-Você está louco?-perguntou entrando em desespero.-Nunca!Lembro-me muito bem!Nossa escola era exatamente aqui.
O porteiro do prédio se aproximou do rapaz descontrolado.
-Rapaz,se quiser lhe mostro os documentos do prédio.Sinto muito,mas deve estar havendo algum engano,pois garanto ao senhor que há vinte anos,a única coisa que funcionou debaixo desse teto,foi uma fábrica de guarda-chuvas!
De repente o celular sumiu.De repente,tudo parou.Carros,pessoas tudo como por mágica congelou.E ali parado,sentado na calçada,o rapaz para sempre ficou.
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Josué foi acordado pelo barulho do despertador de seu celular.Eram cinco e quinze da manhã e fazia um frio cortante.Odiava ter de acordar cedo.Odiava ter que ir para a escola tão cedo.Não odiava a escola.Não odiava estar nela,só odiava todo aquele processo diário de ter que se levantar ainda de noite,tomar um banho frio para despertar,e,na maioria das vezes acabar sendo consumido por uma vontade insuportável de deitar-se outra vez e aproveitar mais algumas horas de sono.
Foi até seu guarda roupas e,como sempre,encontrou seu uniforme pendurado no cabide,devidamente passado e alinhado por sua mãe,como sempre fazia antes de dormir.Segurou o cabide de sua calça e o outro de sua blusa e os carregou consigo até o banheiro.Pendurou-lhes no gancho preso à parede ao lado da porta do cômodo e imediatamente ligou o chuveiro da água fria no máximo,atirando-se debaixo da cachoeira de água que caía com toda força.Josué sempre cantarolava alguma canção rápida antes de se jogar debaixo d’água.Antigamente,inventava suas próprias canções,coisas meio sem nexo algum que se limitavam a refrões sem sentido como por exemplo,numa noite fria de inverno,que cismou em cantarolar uma música sertaneja em que o refrão,um pouco mais animado,dizia “Tô entrando no chuveiro!Tô,Tô,Tô neste banheiro!Bum,bum paragandinbum!O meu carro faz vrum!Vrum!”.Pode parecer loucura,mas na maioria das vezes,Josué pulava tanto,que até nos dias mais frios não sentia absolutamente ao entrar debaixo daquelas águas tão frias logo pela manhã.
Terminou seu banho.Penteou seus cabelos ruivos e sentou-se no sofá.Abriu sua mochila verde-musgo e de dentro dela retirou um pacote de biscoitos recheados comprado no dia anterior.Sempre antes de dormir ele comprava um pacote de biscoito recheados,sempre de chocolate com limão,e o guardava dentro de sua bolsa para devorá-los pela manhã.
Ligou a televisão e ficou trocando de canais.Largou o controle remoto de qualquer maneira sobre o sofá e pegou seu celular em um bolso menor de sua mochila.Ficou relendo as mensagens que sua namorada havia lhe mandado na noite anterior.Namorava Aline há apenas um mês mas se sentia loucamente apaixonado por ela.Sua mãe dizia que,quando se tem menos de vinte anos amamos todo mundo em uma fração de segundos um pouco mais rápida que deixamos de amar.Dizia também que o único amor verdadeiro é ao mor que sentimos por nós mesmo.O pai de Josué sempre sorria quando sua esposa dizia essa frase.Gostava de vê-la fazendo drama para ouvir pelo menos uma vez por dia o marido lhe jurando amor eterno.
Josué parou na penúltima mensagem que sua namorada lhe mandara.Nesse torpedo,ela dizia que o amor deles duraria para sempre,e mesmo que morressem,ou que acordassem em outra vida,ela continuaria loucamente apaixonada por seu namorado.Ficou pensativo.Será que aquela menina o amava tanto assim para cogitar amá-lo além da vida?Deixou um sorriso tímido de satisfação tomar conta de seu rosto.Largou seu celular do mesmo modo que largara o controle remoto minutos antes,e se concentrou em terminar o pacote de biscoitos.
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Chovia muito,porém muitas pessoas rodeavam o caixão que estava no centro do enorme círculo que se formava aumentando cada vez que mais uma pessoa se introduzia.Dentro do caixão,um senhor de barbas brancas e ralas,com uma pele tão clara que quase se igualava ao véu que cobria as bordas do caixão,repousava e parecia sorrir deitado ali,imóvel.As pessoas ali presentes,choravam timidamente e todas,sem exceções,vestiam roupas que além de elegantes eram coberta de glamour.Vestidos pretos que brilhavam mesmo com a escuridão do céu nublado.E os rapazes,todos de óculos escuros e segurando guarda-chuvas assim protegendo as moças presentes.Ao lado do caixão,segurando a mão esquerda do falecido onde podia se notar uma aliança,Dona Paola prestava suas últimas homenagens ao marido com quem fora casada durante cinqüenta anos.Chorava delicadamente enquanto sussurrava o quanto ele faria falta.Repetia que queria ir com ele,e que estaria esperando que voltasse para buscá-la.Os demais observavam tal atitude,emocionados.Eles sabiam o quanto Ivo Bitencour faria falta.Seus amigos também olhavam fixamente para seu corpo,e lembranças do passado invadiam suas mentes.Quantas histórias seriam lembradas.Quantas aventuras passaram juntos na juventude.Sentiriam saudade não só do amigo,como também sentiriam saudade de suas histórias.
-Agora serão os filhos que darão continuidade a tudo,não é?-comentou ao seu namorado uma das moças jovens enquanto separava algumas rosas para jogar sobre o caixão.
-Não sei se eles serão capazes de seguir os passos dele.O Ivo será incomparável.Ninguém fazia o que ele fazia do jeito que ele fazia e nem fará.Tinha um jeito todo especial de lidar com as situações que nos propunha.Uma linguagem atual,e válida ao entendimento de todas as faixas etárias!Vai deixar saudade.Tenho pena não só dos familiares e de nós,amigos,como também estou sensibilizado com a situação que os fãs desse homem.-respondeu o rapaz deixando que algumas lágrimas banhassem seu rosto.
Um grupo de repórteres se aproximou dos cinco integrantes da família do falecido que se encontravam mais próximos ao corpo.Todos falavam juntos e ficava completamente impossível decifrar o que perguntavam.Foi então que uma repórter conseguiu se aproximar um pouco mais da família e pôs seu rádio-gravador próximo a boca do filho mais velho de Ivo,um rapaz de quarenta e um anos chamado Diogo Damasceno Bitencour.
-Você se considera capaz de seguir os passos de seu pai?-perguntou o jornalista recebendo sobre si uma enxurrada de olhares reprovadores.
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Um ano passou como um mês naquele ano da vida de Josué.Sua formatura fora linda e a despedida dos amigos fora muito emocionante.Quando todos seus amigos subiram ao palco para receberem os diplomas,então,Josué não se conteve,abraçou seu amigo Júlio com quem passara os melhores momentos nos três anos que estudaram juntos,e ambos começaram a chorarem abraçados.Aline,sua namorada,ruiva e com cabelos vermelhos tingidos de um vermelho ainda mais vivo,aproximou-se e se juntou a eles.Naquele instante sabiam que provavelmente se afastariam.Josué e Aline não,pois eram namorados,porém provavelmente não veriam mais a maioria dos seus amigos.Todos se diziam amigos para sempre,que iriam continuar a amizade,iriam sair todos os finais de semana,mas no fundo só queriam enganar a si próprios e não tornar ainda mais torturante imaginar não tê-los por perto todos os dias.
Josué abraçou seu amigo fortemente.Aline se afastou.Sentiu uma perto no peito.Uma música lenta e melancólica começou a tocar e os presentes começaram a aplaudir os recém-formados.
Os professores se juntaram aos alunos.Nesse instante,Aline beijou Josué nos lábios e também o abraçou,fazendo-o soltar seu amigo.O casal ficou observando o ginásio onde estava acontecendo a cerimônia.Disfarçadamente foram saindo pela coxia do palco e foram até o pátio central da escola.Se beijaram novamente e ele segurou o diploma da namorada enquanto esta arrumava sua beca sobre seu corpo.
-Vamos sentir falta desses muros,não é?-perguntou Aline ajeitando nesse momento seu cabelo.-Acho que vou sentir falta até de ficar naquela expectativa de repetir de ano!Rezamos para que tudo acabasse logo,e veja só,agora queremos que tudo volte desde o início!
-É verdade,hoje parece que passou tudo tão rápido,que nem consigo me lembrar de tudo que vivemos.Acho que a coisa mais antiga que me lembro,foi da primeira vez que nos falamos naquela praia perto das pedras,lembra?
-Praia?Josué,nunca nos encontramos em praia nenhuma.Lembra?A gente até tinha marcado,mas sempre chove!
-Tem certeza,amor?Eu me lembro perfeitamente.Até levei um tombo quando fui tentar puxar assunto com você.
-Ou você sonhou,ou foi com outra.Comigo não foi.Eu sempre te chamei pra ir a praia,e que eu me lembre,e você sabe que tenho boa memória,nunca estivemos em uma praia juntos.Mas mesmo assim,já sinto falta dessa escola Marquês de Maricá!
-Poxa,amor,nem me fale.Vou sentir falta de tudo,pelo menos do que eu me lembro bem.Dos sábados que viemos aqui pra escola só pra jogar bola.Daqueles passeios aos sítios que o pessoal do grêmio estudantil marcava.Agora vamos para a faculdade!Teremos a obrigação de procurar empregos!O período de cobranças só está começando!
-Nem me fale,Jô!Minha mãe hoje mesmo mais cedo,enquanto eu estava no salão fazendo cabelo,naquela hora em que você me ligou,sabe?
-Sei sim.
-Pois é.Ela veio me dizer que na próxima semana já vai me ajudar a construir meu currículo para eu já começar a deixar nas agências.É mole?Mal esfriei já vou ter que caçar trabalho!-comentou a menina pegando seu diploma das mãos do namorado e beijando-lhe no rosto.
-Meu pai quer que eu vá lá na empresa em que ele trabalha.Parece que abriu uma vaga de office-boy e ele acha que pra início de jornada seria uma boa experiência.Pelo menos vou receber um pouco mais que um salário mínimo.-informou Josué abraçando Aline pela cintura.-Vou sentir saudade de nós dois nos beijando aqui no pátio apreensivos por a diretora poder chegar e nos pegar a qualquer momento.
-Também vou,Jô!
-Sabe que eu estou tendo aquela sensação de já ter vivido este momento antes?-confidenciou à namorada.
Os dois sorriram.Resolveram voltar para o ginásio no qual acontecia a festa e a maioria dos alunos tiravam fotos para guardarem de lembrança.Josué procurou seu amigo com os olhos.Esticou o pescoço por cima das demais pessoas que,estavam muito parecidas,devido a estarem usando a beca da formatura.Júlio estava sentado na arquibancada do lugar,pensativo.Josué retirou a beca.Por baixo dela vestia uma blusa social azul clara e uma calça jeans escura.Apressou ainda mais os passos para se aproximar do amigo que lhe parecia triste.
Sentou-se ao seu lado.
Colocou a mão sobre um dos joelhos dele.Com os olhos fixados no centro da quadra,precisamente onde Aline se agrupava com algumas amigas para tirar fotos,respirou fundo como se tirasse um peso do corpo ao colocar aquele ar para fora de seu corpo.
-É Júlio,eu realmente espero que nada mude.Não quero perder contato com você.Me prometa que vamos continuar nos falamos,cara?
Distraiu-se com a beleza de sua namorada.Mesmo olhando para seu rosto todos os dias,aquele sorriso que ela tinha o hipnotizava todas as vezes que surgia naquele rosto qual ele não cansava de olhar.Apertou a rótula do joelho do amigo esperando ouvir alguma resposta à pergunta que fizera.
-Me promete,cara?-insistiu desviando seu olhar por alguns instantes de sua namorada.-Vai me prometer não?
Algo estava errado.Júlio parecia com o olhar perdido em algum ponto do ginásio que Josué não conseguia identificar.Apertou o braço do amigo.Passou-lhe a mão rente aos seus olhos esperando que eles acompanhassem o movimento,porém permaneceram perdidos em um ponto indecifrável.Parecia estar em transe.Não respirava.Josué aproximou suas orelhas do peito do amigo e pôde ouvir algumas batidas antes que o som de seu coração se calasse.Levantou-se imediatamente de onde estava sentado e começou a gritar por socorro.Berrava que o amigo estava passando mal.Devido ao som alto da música que tocava,acreditou que não pudesse estar sendo ouvido.Então,rapidamente,desceu até a quadra.A música parou.E,para a surpresa e estranhamento de Josué,parados era exatamente como exatamente todos estavam ali na quadra.Verdadeiras estátuas.O rapaz correu até o canto esquerdo aonde seus familiares estavam sentados.Sua surpresa ao vê-los foi tamanha, que caiu de joelhos enquanto seus olhos ficaram estatelados sobre seu pai,sua mãe e sua irmã de dez anos de idade.Não conseguia entender o que acontecia.Todos seus parentes estavam paralisados,com mãos postas sobre suas respectivas pernas como se alguém os tivesse colocado daquele jeito.Pareciam manequins das lojas de roupas que freqüentava com Aline e quais eles morria de raiva,pois eram horas e horas de negociações com os vendedores chatos que não sossegam até você levar coisas que você não precisava até entrar na loja e ser convencido que um dia,quem sabe,aquilo seria útil.
Levantou-se e se aproximou de sua mãe que mantinha um sorriso leve no rosto.Aproximou-se um pouco mais de seu rosto e pôde ver que uma lágrima que parecia acabar de sair de seus olhos estava como se congelada perto de seu nariz.Parecia que alguém muito poderoso havia apertado o botão de pausar e todo mundo ali,de repente,estava em um estado de pauser.
Começou a tentar entender o que poderia estar acontecendo.Estaria sonhando?Estaria sob o efeito de alguma coisa que alguém poderia ter colocado no vinho que seus amigos estavam distribuindo escondido dos professores?Foi então que se dirigiu até Aline.Esta estava paralisada com um olhar meigo e a cabeça levemente virada para o lado esquerdo.Um sorriso lindo e fechado deixava-a como uma daquelas fotos que só vemos em revistas.Se aproximou dela e abraçou-a com vontade.Pôde sentir seu coração parar naquele instante.E,de repente,sentiu que não havia mais ar para se respirar ali naquele ambiente.Suas pernas foram ficando pesadas e logo Josué não conseguia mais movê-las.Seus braços foram, se soltando do corpo de Aline sem que essa fosse a vontade de seu dono.Se puseram retos e colados ao corpo dele como em posição de sentido.Josué sentia uma enorme agonia.Uma sensação muito parecida com a que sentia naqueles sonhos onde tentava correr do perigo que o cercava mas não conseguia.Foi então que sentiu algo estalar dentro de seu corpo.Era seu coração parando.
De repente,tudo sumiu.Primeiro a escola.Depois os professores.Os olhos já sem vida porém ainda com um pouco de consciência por detrás deles,puderam ver pessoa por pessoa sumirem diante deles como que por mágica.Sumiam como balões que estouram.O som que cada uma fazia ao sumir era parecido ao de tiros disparados por armas de raio-laser nos filmes de ficção científicas que Josué odiava.
A quadra sumiu.Depois o ginásio.Aline desapareceu enquanto piscou por um milésimo de segundo.E foi então que,aos poucos,ele também foi se desintegrando gradualmente até sumir.O lugar se transformou em apenas um vazio branco,onde nada existia,somente o já citado vazio.
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Glória Lucena era secretária de Ivo Bitencour há pelo menos uns vinte anos.Desde que ele inaugurara um escritório em um prédio em frente a Lagoa Rodrigo de Freitas na zona sul do Rio de Janeiro.Além de secretária,Glória,ou Glórinha como ele carinhosamente a chamava,ajudava Ivo naquilo que ele mais sabia fazer:Escrever histórias.Estava prestes a se aposentar quando o patrão morreu e ainda não havia superado sua morte mesmo com o passar dos meses.Não sabia que rumo tomar na vida.Ivo era além de tudo seu amigo,e a ajudava em tudo que ela precisasse.Fora Ivo quem pagara a faculdade do filho mais velho dela.Fora Ivo que dera de presente a sua secretária um apartamento mobiliado em plena Avenida Vieira Souto,uma das ,se não a mais cara da zona sul.Glória via na figura do chefe a figura de um herói,e mesmo sendo apenas três anos mais nova que Ivo,que morrera com setenta e seis anos,o chamava pelo apelido carinhoso de Pai.
Glória entrou no escritório justamente quando Diogo sentava-se na cadeira que fora do pai durante trinta e tantos anos.Surpresa com a visita inesperada,a secretária teve como primeira atitude recuar,mas o homem já a havia visto.Pediu para que ela então,entrasse.
-Quer alguma coisa,Glórinha?-perguntou Diogo levantando-se de sua cadeira e se aproximando da secretária.
Muito tímida,e pouco acostumada com a presença do filho de seu falecido patrão ali no seu ambiente de trabalho,Glória apenas sorriu.
-Não,seu Diogo,eu só vim dar uma olhadinha no escritório.Estranhei a porta estar aberta.Fazem seis meses que ele se foi,e eu ainda acho que,ao abrir essa porta,vou encontrá-lo debruçado sobre este computador pensando em novas coisa.-disse sorridente.
Diogo segurou-lhe as mãos.
-Ele vai fazer falta sim.Mas acho que a melhor maneira de homenageá-lo é não deixando esse escritório nem a editora entregue as moscas.Isso aqui era o filho sem carne e nem osso do papai.E a melhor forma de mantê-lo vivo na nossa memória e quente no nosso coração é continuar a produção daquilo que meu pai tanto amava...
-Os livros,né,seu diogo?-completou a secretária emocionada enquanto passeava com os olhos por todo o ambiente.
-Isso mesmo,Glórinha,os livros.Estive conversando com meus outros dois irmãos e eles também acham que devemos continuar com a editora e com este escritório.Não precisamos vendê-los para outras empresas.O nome de Ivo Bitencour tem muito peso e credibilidade na indústria dos livros.
Glória foi até a porta do escritório e fechou a porta como se quisesse privacidade total para falar o que pretendia falar naquele instante.Se aproximou devagar de seu possível novo chefe.
-Seu Diogo,o senhor sabe que muitos fãs estão receosos com o rumo que essa editora pode levar,não é?Eles dizem que é melhor parar por enquanto estamos por cima e assim,manter toda a mágica do nome Ivo Bitencour.De certa forma,me perdoe se estiver sendo inconveniente,mas de certa forma eles não estão certos?
Houve um silêncio no lugar.Glória sentiu algo prender em sua garganta e era a o arrependimento de ter dito aquilo ao seu possível novo chefe.
-Glória...-disse ele parando para tossir.-O povo sempre tenta puxar para baixo quando o assunto é inovar coisas que já viraram tradição.Com certeza os fãs estão preocupados,principalmente aqueles que acompanham meu pai desde o início de sua carreira nos jornais.Todo mundo foi contra quando souberam que pretendiam fazer uma versão cinematográfica dos gibis do “Homem de Ferro”!Todos os fãs entraram em desespero quando decidiram de início que seria o Tom Cruise quem iria fazer o papel do Tony Stark.Mas mesmo assim a Marvel continuou com a idéia e o filme,sem o Tom Cruise graças a Deus,arrebentou em bilheteria e crítica!De início todo mundo é contra as inovações,mas logo,logo o público é seduzido pelas novas idéias.
A secretária ficou pensativa.Tentou achar algum comentário para aquele papo nerd do rapaz,mas,ao contrário disso,preferiu se calar e oferecer-lhe uma xícara de café.Diogo aceitou.E foi se sentar na cadeira que fora de seu pai e que,breve seria sua,com uma vista linda da Lagoa Rodrigo de Freitas ao fundo.
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Quando abriu os olhos,William estava lavando louças na pia de sua cozinha.Não sabia nem como e nem quando tinha ido parar ali,mas,naquele instante,segurava um prato de vidro avermelhado em uma das mãos enquanto na outra segurava uma esponja de aço inox.Olhou ao redor e o que viu foi uma cozinha vazia e completamente tomada por uma fumaça densa,além de um cachorro o encarando de rabo de olho,deitado no chão com a cabeça sobre suas patas dianteiras.
Continuou lavando a louça automaticamente,sem saber o que lhe motivava a continuar.De repente,num súbito,largou o prato e a esponja e fechou a torneira da pia.Se aproximou daquele cachorro qual nunca tinha visto em sua vida.Porém,o animal parecia lhe conhecer pois se pôs a balançar seu rabo como se este fosse movido a algum tipo de motor.Acariciou-lhe a cabeça e afagou suas orelhas grossas.Não sabia definir a raça do animal,mas o achou muito bonito com aquele orelhão caído e um olhar muito triste.
Saiu da cozinha e o animal o seguiu balançando o rabo em uma velocidade menor que anteriormente.William começou a sentir-se incomodado com tamanha fumaceira.Não havia cheiro de queimado.Continuou andando apenas enxergando uns dez centímetros à sua frente.De repente bateu em algo.Era uma porta que,pelo som da batida,seria de vidro.Foi tateando devagar até achar o que parecia ser uma maçaneta.Abriu a porta e no exato momento que fizera isso,toda fumaceira se dissipou.
Saiu pela tal porta ainda com a vista embaçada.Aos poucos tudo foi ganhando formas.William se viu em um jardim um tanto curioso.As árvores não estavam folheadas.Mas não que suas folhas tivessem caído.Na verdade,parecia que alguém as desenhara e esquecera de terminar,pois acima do tronco não havia absolutamente nada.Mas,de repente,folhas verdes foram surgindo.E,detrás de uma das árvores,saiu um rapaz vestindo uma roupa despojada que incluíam uma bermuda com cores fortes seguindo na direção dele.
-Bom dia,William!-cumprimentou o rapaz que lhe era conhecido,apesar de não lembrar seu nome.-Pensei que não fosse acordar para ir a escola.
William continuou calado enquanto tentava lembrar o nome do rapaz.
-Você ainda nem se arrumou.Vá pegar suas coisas,meu pai já vai chegar de carro.
William apenas assentiu com a cabeça e voltou para dentro de sua casa.Conforme andava,o chão onde pisaria a seguir surgia do nada.Era como se seus passos criassem seus caminhos seguintes.Parou em frente a um corredor que não levaria a lugar nenhum.Mas assim que deu o primeiro passo,algumas ripas d emadeira apareceram diante de seus olhos e se acomodaram abaixo de seus pés.Alguma coisa ali estava estranha,porém,continuou andando.Passou pela porta do banheiro e rapidamente olhou para o espelho do armário.Deu mais alguns passos até notar que havia algo de errado na imagem do espelho.Voltou de ré e parou em frente ao espelho.Sentiu uma sensação que nunca havia sentido antes.Seu rosto estava completamente diferente.Seu cabelo estava completamente mudado.Aproximou-se desesperado do espelho.Com as mãos ia tateando a imagem refletida como s estivesse diante de algo que nunca havia visto antes,e,de certa forma,sentia-se como se não reconhecesse o rapaz que estava sendo refletido no espelho.Tinha certeza absoluta de que aquele não era seu rosto.
Seu amigo entrou no banheiro e começou a rir.
-Pelo amor de Deus,William!Você não vai me dizer que se apaixonou pelo seu reflexo assim como Narciso?Só não vai morrer afogado,hein cara!-brincou o amigo se aproximando do outro.
-Qual o seu nome?Eu conheço você,mas não sei seu nome!
-Como assim?O que está acontecendo com você?Sou eu,Wil!Somos amigos desde crianças,que brincadeira é essa gora?
William levantou-se e correu pela casa.Algo dentro de sua cabeça lhe dizia por onde ir,mesmo que na verdade,ele não fizesse a menor idéia.Era como se um instinto mais forte que ele o controlasse.
Enquanto corria,o chão à sua frente ia se formando ainda mais rápido,compatível com a velocidade dos passos dele.Parou em frente a uma porta de madeira pintada de cinza.Reconhecia aquela porta.Abriu-a e se viu em uma ambiente totalmente novo.Um quarto foi surgindo.Primeiro aparecera uma cama.Depois um guarda-roupa de madeira branca.À seguir um computador surgiu bem na sua frente,seguido por uma cadeira.William sentiu-se fraco e sentou-se na cadeira recém surgida ali.Ficou observando o quarto tomar forma.Um relógio de parede apareceu sobre a cômoda onde logo à seguir sobre ela,surgiu uma televisão de vinte polegadas prateada e um vídeo game.
Seu amigo entro no quarto logo a seguir.
-Ainda não me conhece,seu doido?-perguntou sorrindo e jogando sua mochila sobre a cama.
-Juro que não,cara!Tô me sentindo estranho.Como se estivesse agindo por impulso,sabe?Não sei o que está acontecendo.Não lembro das coisas,mas sei que tenho que fazê-las.
-Será que você está com aminésia,William?
William.Um nome que parecia não se encaixar direito em sua mente.Sentia-se como se estivesse em um mundo errado.Levantou-se e foi até a janela.O que viu foi uma enorme praia bem à sua frente,e alguns jovens se aglomerando perto de uma ponto de ônibus.
-O ônibus já vai chegar.-Avisou o amigo.Melhor não se atrasar!
-Tenho que ir para a escola?
-Acho que sim,né?Sua mãe paga aquela fortuna todo mês para você freqüentar as aulas.
-Minha mãe está pagando uma escola?Como assim?Achei que a escola fosse pública!
-William,hoje realmente você acordou mais maluco que antigamente.
Dito isso,os dois sorriram e saíram da casa em direção ao ponto de ônibus.
William sentou-se no último banco e grudou seu rosto na janela a fim de entender o que estava se passando.Foi tentando lembrar do que havia acontecido na noite anterior.E como ele teria ido parar na cozinha,logo cedo,lavando louças.
O ônibus sacolejava muito e os demais alunos pareciam animados com o primeiro dia de aula.Somente o rapaz confuso estava calado.Os demais cantavam músicas com letras obscenas e sorriam toda vez que o motorista ameaçava parar o veículo caso eles continuassem.
Os olhos de William de repente,pousaram sobre uma placa quando o ônibus parou num semáforo.Seus olhos dançavam na placa como se estivessem felizes por,finalmente,encontrar algo conhecido.Um perfume doce surgiu no ar,e as pernas do rapaz pareciam ter vontade própria.Em uma atitude tão louca quanto seu comportamento nas últimas horas,William abriu a janela do veículo o máximo que conseguiu e,sem tomar impulso,pulou para fora do ônibus quando este começou a andar.
Ficou parado tentando decifrar o cheiro.Olhou um pouco mais os arredores.Conhecia aquilo tudo de algum lugar,mas era como se faltasse algo.Caminhou por mais alguns quarteirões e pôde reparar que as pessoas estavam congeladas.Uma terrível sensação de dèjá vu tomou seu corpo como se já tivesse vivido aquilo em algum momento de sua vida que não lembrava.O perfume continuava e as pessoas iam congelando instantaneamente.
Ficou parado na rua apenas assistindo enquanto carros e pedestres pareciam perder todo o combustível.Ficou parado por bastante tempo.Cansado,sentou-se e adormeceu sobre seus braços,recostado em um muro.
A noite não chegava.E,aos poucos William foi despertando.Virou-se para seu lado esquerdo e sentiu algo o impedindo de aproveitar o espaço que parecia ter para ele onde estava deitado.Deslizou sua mão até que notou que não estava mais deitado no chão.Ao contrário disso,William se encontrava em um quarto.E,neste quarto,deitada na cama de casal,ao seu lado,havia uma mulher muito bonita,negra,que parecia nua,apenas coberta por um lençol branco semitransparente.William levantou-se no susto.Sua cabeça girava pelo quarto.Estava ainda mais confuso.Ficou de pé sobre o colchão.O perfume havia sumido.
Agachou-se para observar a moça ao seu lado com mais precisão.Reparou que em sua nuca,havia uma tatuagem,um desenho de um coração sendo carregado por dois anjos cupidos,e,dentro desse coração,haviam duas letras,as letras “W” e a letra “A”.William caiu para trás ao ver que,em uma outra tatuagem,na parte lateral da cintura da mulher,um nome familiar lhe chamou a atenção.Ao ler o nome,William pôde ver que sua vida havia mudado completamente.
Saiu do quarto e reparou que não mais tinha a bela vista da praia diante de sua janela.Agora,apenas montanhas verdes cercavam sua visão.Um perfume de terra molhada invadiu sua casa.Uma forte dor de cabeça o tomou nesse instante.Era como se algo estivesse entrando em sua mente.De repente,cenas de sua vida lhe vieram a tona como uma metralhadora de pensamentos.lembranças apagadas de sua memória começaram a brotar com uma velocidade agonizante.Soltou um grito de dor e caiu de novo deitado em sua cama,ao lado da bela mulher.
Acordou com ela o olhando.
-Que grito foi aquele de madrugada,hein William?-perguntou a moça deitando-se sobre seu corpo.
William levantou-se de sobressalto fazendo-a tombar para o lado na cama.
-Quem é você?E porque diabos você está nua?-perguntou.
-Como assim,querido?Você está louco?Sou eu...Aline!Suas brincadeiras estão a cada dia mais idiotas!-respondeu tentando beija-lo mas sendo empurrada delicadamente.-Qual o problema,hein?
-O problema é que eu não conheço você.Na verdade nem eu mesmo estou me conhecendo.Aline...É assim que você diz se chamar,não é?
-Digo me chamar não!Eu me chamo Aline!Olha,Wil,acho melhor parar com essa brincadeira!Não quero me aborrecer logo de manhã!Ainda mais hoje!O grande dia!
-Grande dia?Do que você está falando?-perguntou esperando alguma resposta que o deixaria ainda mais perdido.
-Ora,não seja modesto!-pediu a esposa indo até as janelas e abrindo as cortinas,deixando que uma luz solar ainda fraca entrasse no quarto.-Hoje é o dia em que você vai assumir o cargo de presidente da agência!
-Agência?Que agência?
-A agência de publicidade!Esqueceu?Seu pai lhe deixou como herança!Soubemos disso há um mês atrás,quando estávamos em seu velório!
-Como assim?Eu...Meu pai morreu?-perguntou desesperado,mesmo não lembrando de nenhum traço do rosto de seu pai.
Parou para pensar por uns instantes enquanto sua aparentemente esposa,falava alguma coisa.Ficou olhando para seus lábios quais não saía palavra alguma.Apenas mexia os lábios.William perdeu-se em pensamentos tentando lembrar do rosto de sua mãe.Foi então que,parecendo vir do fundo de seu subconsciente,um nome lhe veio vagamente: Marquês de Maricá.
Saiu do quarto rapidamente e foi até o telefone preso à parede da cozinha.Retirou o fone do gancho e ficou tentando lembrar do número qual teria que ligar.Tentou lembrar insistentemente até que,irritado,jogou o fone contra a parede,mas este voltou com o dobro da força contra seu rosto fazendo-o cair no chão.
-Minha vida é uma comédia!-pensou enquanto sorriu achando graça da situação.
Levantou-se e foi até o quarto.Aline dormia na cama ainda coberta até o pescoço.Tentou lembrar de como a conhecera.Lembrou-se vagamente de uma praia.Um pôr do sol.Aos poucos coisas foram se materializando no quarto,enquanto outras coisas iam se desmaterializando.A cama sumiu devagar e,junto com ela,Aline.No lugar delas,uma enorme cachoeira d’água começou a cair do teto.A água foi tomando conta do local e o chão foi se transformando em areia.As paredes começaram a se desfazer e uma luz intensa surgiu,um sol imenso apareceu sobre sua cabeça e foi subindo na direção do céu,até se estabelecer no lugar de sempre.
Viu-se numa praia.Sentira a sensação de já ter estado ali antes.Mas tudo se encontrava parado,congelado.Pôde observar um grupo de pessoas perto de algumas pedras que,sobrepostas,acabavam formando uma ponte que adentrava no mar até alguns metros à frente.Foi caminhando.Era estranho estar em uma praia e não sentir o cheiro da maresia e nem ouvir o barulho das ondas.Continuou caminhando e,de repente,tudo começou a se mover.Estava próximo ao grupo de pessoas e seus olhos imediatamente se fixaram em uma moça ruiva.Foi caminhando lentamente até sua direção.Alguns rapazes conversavam com ela.Seu sorriso era hipnótico.William continuou andando.
Sentia a areia subir por seus pés,e,de repente,caiu.Todos olharam para ele e sorriram.A moça agachou-se sorrindo,e lhe estendeu as mãos.William nunca mais esqueceria o olhar que ela lançara sobre ele naquele instante.
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Diogo sentou-se à mesa acompanhando assim sua família.À mesa estavam sentados sua esposa,seu irmão mais novo Paulo,e seu casal de filhos gêmeos de dez anos.Já haviam começado a jantar antes que ele se juntasse a eles.
-Como andam as coisas no escritório,Diogo?-perguntou o irmão enquanto cortava seu filé de frango com a faca.
Diogo respirou fundo.
-Paulo,sinceramente eu estou pensando se podemos mesmo dar continuidade ao trabalho do papai.Está cada dia mais complicado tentar introduzir algo novo.
-Sei como é.Imaginei que seria assim quando soube que papai havia falecido.Editar livros e lança-los é um processo longo e cansativo,Diogo.Sua esposa estava me dizendo antes de você chegar,que já contratou diversos escritores novos para terminar os contos que papai deixou incompletos.E mesmo assim,não obteve resultados satisfatórios.
Diogo largou o garfo e a faca que segurava.
-Há pelo menos dois dias eu tenho escrito um conto do papai.Mas não levo jeito para a coisa como ele levava.
-Não fale assim,amor.Provavelmente você esteja abalado com a morte dele.Aposto que daqui a pouco esse bloqueio criativo some e você consegue escrever até melhor que o Seu Ivo.-tentou acalmar a esposa de Diogo.
Houve silêncio.
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Abriu os olhos.Estava dentro de um ônibus,com o rosto grudado na janela deste observando.Devagar foi virando sua cabeça e sentiu que havia alguém do seu lado.Por mais incrível que pareça,a pessoa ao seu lado,assim como as demais do meio de transporte,como reparou logo à seguir,não possuíam rostos.Pelo contrário,no lugar de olhos,nariz e boca,uma massa branca e disforme constituía a fisionomia daquelas que ali estavam.
William foi até o banco do motorista e,ao olhar para o retrovisor interno,viu que também não possuía fisionomia.Pediu insistentemente que o ônibus fosse parado.O motorista atendeu seu pedido e William praticamente se jogou para fora do veículo,caindo em frente a um prédio que,ao primeiro momento,lhe soou familiar.
Levantou-se e ficou encarando a construção que foi se materializando bem na frente de seus olhos.Conhecia aquele prédio.Assim como conhecia,não sabia de onde,a dona das mãos que lhe tocaram o ombro.
Virou-se assustado,e uma linda jovem que acabava de ter seu rosto finalmente formado, o olhava com um olhar apaixonado e um sorriso que ele sentia já ter visto em algum lugar.Ela o abraçou e o beijou nos lábios.
-Demorou,hein?Se perdeu no caminho?-perguntou a jovem dando-lhe a mão.
William estava perdido.Não sabia o que dizer,mas aos poucos algumas cenas foram surgindo em sua cabeça.Assim como um nome.
-Josué,vamos!-chamou a moça ruiva.-Meu nome começa com a letra “a”,devo ser uma das primeiras a ser chamada.
O rapaz acompanhou a moça sem saber para onde estava indo.”Josué”?Por que ela o teria chamado por este nome?Seu nome era William.Foi então que rapidamente lembrou-se do prédio.Já havia estado ali antes.E essa certeza se confirmou quando entrou no prédio,e caminhando em direção ao ginásio,pôde reconhecer alguns lugares,além de alguns rostos.
Mais tarde,estava sentado do lado de fora do ginásio com sua namorada,ambos com uma beca de formandos da escola.Conversavam sobre como seria a vida depois da escola.Em como seria ter que procurar emprego depois que o ano terminasse.Teve a impressão de já ter vivido aquele momento antes.Sentiu um frio invadir seu corpo.Sentiu como se aquele fosse a última vez que falaria com a moça,que,mesmo não a reconhecendo totalmente,parecia ser apaixonado por ela.
Segurou-lhe a mão e olhou-a dentro dos olhos.
-Olha,o que vou dizer vai parecer sem sentido,mas preciso contar para alguém.
Ela se aproximou um pouco mais.
-Olha,ou eu estou ficando maluco,ou minha vida está sendo manipulada.Pois a cada dia vivo algo diferente.Hoje estou aqui com você,amanhã posso não estar mais.Amanhã você pode não existir.Mas,mesmo sabendo,ou achando que isso não faz sentido.A única coisa que tem feito sentido para mim,é que eu sinto algo muito forte por você.Algo que ultrapassa todas essas loucuras em que minha vida tem se transformado.
-Você está bem,Josué?
-Meu nome não é Josué,querida.Meu nome é William.
-Pára com isso!Como assim William?Seu nome é Josué.
A menina colocou a mão dentro dos bolsos de trás da calça do namorado.Dele retirou uma carteira da qual puxou um documento de identidade.
Entregou-lhe a Josué.
-Leia bem seu nome.Leia bem e tire essa idéia de nome novo da cabeça.-disse ela sorrindo.
Josué ficou pasmo ao notar que a ruiva tinha razão.No documento que segurava,seu nome era Josué realmente,e na foto,seu rosto era um pouco mais conhecido do que o rosto que havia surgido durante a manhã.
Tudo ficou branco.Tudo ficou parado.A moça sumiu diante de seus olhos.Estava cansado de toda aquela confusão.Decidiu mudar seu rumo.Sabia que se saísse da escola naquele momento,estaria sendo diferente.Resolveu sair da escola correndo e entrar em uma rua qualquer.Não conseguiu.Toda vez que virava na tal rua,acabava chegando ao mesmo local de onde saíra,e sempre segundos antes da moça ruiva se desmaterializar diante de seus olhos.
Sentou-se ao meio fio da calçada e começou a chorar.
Fechou os olhos.
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Glória entrou no escritório e reparou de imediato que Diogo parecia preocupado.Colocou a bandeja com café sobre a impressora quebrada,e se aproximou do patrão.
-Algum problema,seu Diogo?-perguntou sentando-se em uma cadeira.
-Acho que vou abandonar este posto,Glórinha.Não consigo fazer nada direito.Não consigo terminar nem divulgar nada desde que assumi o posto máximo da editora.Não sei se sou o homem certo para ocupar esse cargo de tamanha importância nessa editora.Não tenho como ser igual ao meu pai.
-Olha,seu Diogo,o senhor sabe que eu já devia ter parado de trabalhar há muito tempo,não é?Mas o senhor não sabe o porquê eu não parei?Por que eu acredito em tudo que leve o sangue do seu Ivo Bitencour.Quando vivo,eu e seu pai enfrentamos muitos problemas.Essa empresa quase fechou por três vezes,mas se u pai sempre tinha alguma carta na manga.Sempre contornava a situação da melhor maneira possível.E assim,até hoje,carregasse o respeito em relação às histórias publicadas e escritas por ele.
-Entendo.Mas eu não sou Ivo Bitencour.Tentando me igualar estou me decepcionando cada vez mais.Eu só queria terminar o conto dele.Meu pai sempre tinha idéias novas e as desenvolvia de maneira magistral.O mesmo não está acontecendo comigo,Glória.Ele tivera uma infância confusa.Chegou a ser cogitado portador de esquizofrenia.Tudo por que ele imaginava demais.Uma certa vez,me contou que,sua vida parecia mudar a cada instante.Que às vezes um lugar parecia outro lugar,e um filme parecia mudar toda vez que ele o assistia novamente.
-Ele também me contou esta história.Disse que sentia-se um personagem na pele de uma autor sádico.Um autor que queria tornar a história de sua vida algo parecido com aqueles sonhos sem sentido que temos durante a noite.
Ambos sorriram.
-Mas já pensou,Glória?Esse negócio de escrever histórias é mágico mesmo.Na condição de escritor,criamos vidas,tiramos vidas,e temos total poder sobre as ações dos personagens.Somos como Deus para eles.E se por acaso,todos nós fossemos personagem de um grande livro?Nunca parou para pensar nisso?
-Olha,se isso que você disse agora não é resquício de criatividade,eu preciso mudar meu conceito de ser criativo.Mas,viajando nessa sua idéia,acho que a vida de seu pai foi uma grande fantasia.O amor dele por sua mãe,por vocês,pelos livros.Ele devia ter escrito uma biografia.
-Pois é,Glória,ele escreveu.Ou pelo menos tentou.
-Como assim?Disto eu não sabia,menino.
-Eu encontrei na gaveta do quarto dele um rascunho de vinte páginas,com um resumo dos principais fatos da vida dele.Assim como a vez em que ele conhecera minha mãe em uma praia.O engraçado é que ele não usa nomes reais.Mas deixa claro no início do texto que assim,ele mantém a mágica de se acreditar que até os fatos mais fantásticos da história,que,provavelmente ele incrementara com pitadas cinematográficas,fossem reais.
-E por que você ainda não divulgou essa história?Ela pode ser seu passaporte porta o mundo literário!-perguntou Glória ajeitando-se na cadeira.
-É o que eu tenho tentado fazer.Mas todos os escritores que chamo acabam mudando algo na história.Sejam os nomes,sejam os fatos.A história foi ficando completamente sem nexo.
-Olha,uma dica,tente terminar a história de sua maneira.Caso não consiga,deixe-a guardada em uma gaveta.Um dia,a inspiração virá.Enquanto isso,pesquise mais sobre a vida de seu pai.Acho que você seria a pessoa certa para escrever a biografia daquele homem tão grandioso.
-E o que eu faço com o que já tem escrito?Jogo fora?
-Não.Apenas dê outros rumos,ora.Mude um pouco,mas guarde a essência do conto para que,um dia você o termine dignamente.
-Vou tentar.Caso não consiga,vou guardá-lo em uma gaveta mesmo.
-Faça isso,menino!Seu pai deve estar muito orgulhoso de você.
-Vou demitir todos os escritores que contratei.E eu mesmo vou tentar terminar a história.
Glória levantou-se e serviu uma xícara de café ao patrão.O clima no escritório tinha se tornado outro.
E a historia de Diogo,parecia finalmente sair do lugar.
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Josué acordou calmamente.Olhou o relógio de parede.Estava cedo.Precisava chegar na escola pelo menos até as quatro da tarde.Ainda eram nove da manhã.Deitou-se mais um pouco e ficou pensando aonde iria após passar na escola para pegar seu diploma.Levantou-se e foi tomar banho.
Enquanto a água caía sobre seu corpo,ele foi planejando o dia.Pensou em passar na casa de Aline para vê-la,já sentia saudades.Mas lembrou-se que sua sogra não gostava que se vissem quando ela não estivesse em casa.
Enxugou-se e foi até seu guarda-roupa.Sua mãe havia passado sua roupa como ele lhe pedira na noite anterior.Precisava aprender a passar suas próprias roupas.Vestiu-se e saiu em direção ao ponto de ônibus.Sentia-se bem.Nunca se sentiu tão bem.Acordara muito disposto e sentindo uma felicidade tremenda.Esperou o ônibus por vinte minutos,e em outros vinte minutos,ele estaria no prédio onde seria sua escola,para poder pegar seu diploma.
Desceu do veículo e caminhou por alguns metros.Entro no prédio e um porteiro veio ao seu encontro.
-Pois não,amigão.-cumprimentou-o.
Algo estava diferente no prédio.Não parecia em nada com a portaria da escola.Não havia mais a catraca eletrônica onde os alunos inseriam seus cartões de presença.
-Eu vim aqui buscar meu diploma,amigão.Onde eu posso pegá-lo?-perguntou Josué.
O porteiro aproximou-se um pouco mais afim de entender melhor o que o jovem dizia.
-Você disse diploma,queridão?
-Isso,meu diploma,eu recebi um email dizendo que eles estariam prontos à partir da segunda semana de maio.Que foi semana passada.
-Olha,acho que deve haver algum engano.Pois não temos diplomas aqui.Só temos guarda-chuvas.
Josué sorriu.
-Não brinca!-continuou sorrindo.-Pelo visto essa escola mudou em um ano.A diretora ta permitindo que os funcionários fumem?Falando nisso,cadê a antiga responsável pela portaria,a dona Sônia?
-Amigão,estou falando sério!Não conheço nenhuma Sônia,e sempre foi permitido fumar aqui na fábrica.Desde que longe da sala de confecção!Isso aqui é uma fábrica de guarda-chuvas!
-Como assim guarda-chuvas?Eu estudei aqui!Tenho certeza absoluta.Eu estudei aqui nesta escola por três anos!
-Meu jovem,estou te dizendo,este prédio há vinte e cinco anos,é uma fábrica de guarda-chuvas!Não há a menor possibilidade de ter sido uma escola,pois ele fora construído com este propósito.
Parou por um instante pensativo.
Pegou seu aparelho celular de dentro do bolso que nem lembrava tê-lo colocado ali.
-Vou provar que não estou louco.Vou ligar para uma pessoa que pode confirmar isso.
Digitou alguns números.Esperou que alguém atendesse.Uma voz de mulher atendeu.
-Olá,posso falar com o Júlio?
Houve silêncio do outro lado da linha.Uma voz masculina atendeu.
-Júlio,graças à Deus você atendeu!Cara,tá acontecendo maior loucura aqui.Você não vai acreditar.Acredita que estou aqui na frente da nossa escola,e o cara tá me dizendo que o prédio nunca foi uma escola?Vim aqui pegar meu diploma e ele cisma em me dizer que nossa escola nunca existiu.
Parou para escutar o amigo do outro lado da linha.
-Como assim,Júlio?Estou na rua Epitáfio Pessoa,número trezentos e vinte e dois.Exatamente onde era nossa escola.Onde estudamos durante três anos.
Mais uma vez se calou para escutar o amigo.
-Você está louco?-perguntou entrando em desespero.-Nunca!Lembro-me muito bem!Nossa escola era exatamente aqui.
O porteiro do prédio se aproximou do rapaz descontrolado.
-Rapaz,se quiser lhe mostro os documentos do prédio.Sinto muito mas deve estar havendo algum engano,pois,garanto ao senhor,que há vinte anos,a única coisa que funcionou debaixo desse teto,foi uma fábrica de guarda-chuvas!
De repente o celular sumiu.De repente,tudo parou.Carros,pessoas tudo como por mágica congelou.E ali parado,sentado na calçada,o rapaz para sempre ficou.
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Diogo desligou o computador após imprimir algumas folhas.Estava sentado na mesma cadeira há pelo menos três horas seguidas,tentando dar continuidade a história que seu pai começara a escrever e não terminara.Pegou o molho de folhas e colocou-o dentro de uma gaveta do armário.
Sentou-se novamente e acendeu um cigarro.Ficou pensando em como poderia continuar a história.Que nomes usar.Tantos escritores mudaram os nomes principais.Tantos escritores mudaram situações.Em suas mãos,o ritmo da história mudaria completamente,pois transformaria um conto sobre um adolescente que descobre o peso das responsabilidade da vida adulta pós-escola,em uma ficção científica ridícula envolvendo guarda-chuvas.Sorriu viajando na idéia de uma escola se transformar em uma fábrica.Tentou se colocar no lugar do personagem Josué.Será que ele sentira as diferenças?Tantos nomes trocados,tantas pessoas trocando de fisionomias.Será que,num mundo paralelo,onde os personagens ganham formas,aquilo tudo,todas as vezes que algo era mudado em seu perfil?Como seria a vida de um personagem?Imaginou se a cada vez que parava de escrever,a vida do pobre personagem se estatelasse no mesmo lugar.Sem mover-se para frente ou para trás.
Sorriu.Aquilo poderia ser uma grande história.Mas decidiu se levantar de sua cadeira.Ameaçava chover lá fora,Nuvens negras pesavam sobre o céu.Pegou um porta-retrato sobre sua mesa e,descuidado,o deixou cair.A foto caiu fora do objeto e com o fundo virado para cima.Uma dedicatória estava escrita nela.Era uma foto de seus filhos gêmeos,dizendo que o amavam.Após a uma dedicatória escrita pelos pequenos,havia seus nomes escritos de forma tosca,devido a letra ainda em fase de aperfeiçoamento.Eram os nomes Josué e Aline.Escolhera os nomes baseando em seus familiares;
Entrou no elevador pensando que,se a vida do personagem fosse realmente real,ele esperaria por um desfecho durante anos.Pois a história da vida de um adolescente não seria completada tão cedo.
Quando saiu do elevador lembrou de ter que comprar um guarda chuva.
*(Para Danielle)