O Quinto Homem - Parte 5
--- O Sr. contou a alguém sobre isso tudo? - estava meio ansiosa.-- Digo, os atentados? chegou a ir até a policia? - seu ar de preocupada o deixou feliz. - Eu não seio o que lhe devo dizer, ou o que tenho de importante que possa lhe ajudar, sinceramente, e nunca ouvi falar desse seu sócio, Xamã. - sorriu - Que nome esquisito!
---- Meu trabalho aqui Sr. Marcelo resume-se a encontrar vestígios de ocupação indígena na região a ser alagada e traçar um relatório dessas áreas ocupadas, do modo de vida dos aborígenes. um trabalho de pouco reconhecimento. O que pretendemos é estudar a cultura que aqui se desenvolveu a tempos atrás. Trabalhamos juntamente com um grupo de arqueólogos. - soltou uma baforada de fumaça pelas narinas - É um trabalho lento, desgastante física e emocionalmente falando. Uma tarefa, digamos, quase igual a sua, ou seja um trabalho de investigação. Com muita paciência e perseverança. Ás vezes encontramos uma pequena pedra branca, do tamanho de uma moeda, parece tão insignificante, mas temos que anotar, guardar, lembrar sua exata posição, pois quem sabe, depois de três ou seis ou até dez dias encontramos outra parte desta pedra, e assim sucessivamente, até termos uma peça, um vaso, uma moringa d'água, algo assim.
Ela ia falando, explicando os pormenores do seu serviço: do estudo do solo, rochas e tudo o mais para a construção da usina hidrelétrica.
Seus olhos não desgrudavam daquela boca carnuda. Enquanto ela desfiava toda sua jornada diária, ele prestava atenção em outras coisas, como por exemplo; a pele dela, como devia ser macia, cheirosa..
---- ... é isso! Sr. Marcelo!! -- chamou sua atenção quando viu que este não prestava muita atenção.
---- Sim, é deveras uma profissão dignificante, mas ainda não revelou nada que fizesse valer a pena ser morto!! - se bem que ele já tinha achado algo que valia a pena pela longa viagem - disse recompondo-se na poltrona.
---- Bom, talvez seja necessário lhe colocar a par do que está acontecendo por aqui. Sinceramente não vejo no que isso possa lhe interessar, mas talvez tire algo que possa lhe ajudar.
---- Talvez seja melhor assim!
----- tudo teve início perto de 1978 quando se deu o início dos estudo para um projeto de construção de uma usina hidrelétrica que pudesse manter o estado sem o problema do famoso blecaute elétrico que poderia e ainda pode ocorrer num futuro próximo. A localização do rio Uruguai, Vales e montanhas, uma geografia característica dessa região, foi decisiva para as Centrais Elétricas do Sul do Brasil - Eletrosul- elaborar um estudo de aproveitamento energético. Em Dezembro de 1985 foi dado o primeiro passo com o início da construção da Cidade Nova, que seria um contrato no valor de 100 bilhões de cruzeiros. No início 440 famílias seriam relocadas da área abrangida pelo reservatório.
---- Só isso? Quer dizer, não há mais que 500 famílias no município?
---- A base da população está na área rural. São perto de onze mil no campo e umas quatro mil na cidade.
---- Mas Então....
----- Calma, isso foi a primeira leva, depois gradualmente, conforme os avanços das obras, a cidade velha toda seria abandonada. Na obra de construção da Cidade Nova foram gastos perto de 70 milhões de dólares. Isso só com a construção da Cidade para a relocação da população urbana. Na época havia dez engenheiros mais 30 técnicos de nível respondendo pelas obras.
----- Ainda não ouvi nada que pudesse fazer sentido!
---- Essa é uma região essencialmente agrícola, e aqui a obra da hidrelétrica poder gerar muitos problemas. Principalmente com os colonos; muitas propriedades serão atingidas pelas águas, terras produtivas onde hoje eles tiram seu sustento e o seu modo de vida está ligado às suas terras. Tudo bem que a Eletrosul ressarcirá a todos que forem atingidos, porém, muitos não aceitam ter de ir para um lugar estranho, onde não conhecem a terra e ás vezes a qualidade da terra não é tão boa quanto a que terão de abandonar. Para você ver, a Eletrosul vai até a residência, faz um levantamento de tudo que está na propriedade, tudo mesmo, até uma muda de pé de laranja tem o seu valor fixado. -- notou que dessa vez Marcelo prestava atenção. -- Por outro lado a obra da usina Hidrelétrica irá gerar e já gerou quase dez mil empregos diretos e outros tantos indiretos, isso trará movimento econômico para a região. Imagine só um total de 295 milhões até hoje e um total geral de 1,2 bilhões de dólares até o funcionamento das turbinas!! A barragem irá gerar 1.450 MW, sendo que o estado consome hoje perto de 1.700 MW. Isso tudo vai propiciar um grande aumento da arrecadação de imposto pelos municípios da região. Um grande palanque eleitoral para toda a região oeste que envolve muito dinheiro. Dinheiro para prefeitos e governadores de Santa Catarina e do Rio grande do Sul. Daí ... -- o telefone toca novamente.- Me desculpe, sim. -
Ela troca umas quatro palavras e desliga.
---- Realmente , agora pode ter alguma coisa aí! Dinheiro sempre é dinheiro! -- disse Marcelo assim que ela se sentou novamente, ajeitando a saia.
--- O porte, os benefícios econômicos e a localização privilegiada em relação ao sistema de transmissão, tudo isso contribui para o sucesso da obra. O custo da Energia chegará perto de R$ 27,00 MW/hora, a tornando um dos maiores empreendimentos da região Sul/Sudeste do país. Integrará o Estado do Rio Grande do Sul, os Centros produtores de energia do Estado do Paraná , a região sudeste e os centros mais industriais de Santa Catarina. Os números são espetaculares. O volume do reservatório quando pronto será de 5,1 bilhão de MW. Cinco turbinas com potência de 294,40 MW, com uma vazão máxima vertente de 50.000 m³/segundos. E o volume do concreto, 58.000 m³ daria para construir quase três maracanãs.
---- Mas, mesmo imaginando a grandiosidade da coisa, ainda não consigo concatenar as idéias. Aonde isso poderia estar relacionado com a morte do Velho?
A moça levanta-se, e alisa a saia. Viu o olhar que Marcelo dirigiu as suas pernas.
---- Bem, eu agora estou indo para uma vistoria no campo, mas podemos continuar nossa conversa no jantar, se não se importa, mas é só um jantar. Nada mais que isso. Um jantar de negócios, como se diz por aí. - O sorriso dela é encantador.
Um convite que não pode ser ignorado.
---- Muito bem! - levantou-se - Tá certo, essa é uma maneira delicada de me mandar embora! Mas eu gostei! - ajeitou o casaco, pegou o chapéu.- Aonde e a que horas?
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14:20
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A chuva fina caia insistentemente, impedindo uma boa visão da pista. Isso já era uma constante, desde quando saiu de Floripa.
Marcelo achou melhor ir falar com o delegado local.
Quem sabe ele poderia lhe dar alguma pista, algo que tivesse alguma relação com o velho de Floripa. E também queria deixá-lo a par do seu serviço na cidade.
Quando ia chegando ao local da delegacia, viu uma movimentação na rua. Um guincho rebocava um carro em direção ao pátio.
---- Infeliz do Mello!! -- lhe disse o delegado olhando pela janela da sua sala, em direção ao pátio, onde o carro batido fora deixado.--- Essa chuva fina molha a pista e com a derrapada desceu ladeira abaixo. Era um bom rapaz. É uma pena.
---- Então o Sr. é detetive. Muito bem Sr. detetive, e no que posso lhe ajudar? Ou melhor, o que está fazendo aqui nesta cidade? - lhe disse assim que se apresentou.
O delegado brincou, mas parecia uma homem de confiança. Um ar de hombridade, que Marcelo não sabia explicar.
Marcelo lhe contou tudo. Ou melhor, quase tudo.
O policial era o típico militar aposentado.
Alto, forte, 80 a 90 quilos, cabelos curtos, bigode largo, olhos negros e um rosto gordo. E no aperto de mão pôde perceber o quanto suas mãos eram firmes.
---- Você tem o nome do velho de Floripa? - lhe pediu o delegado após ouvir tudo calmamente.- Talvez pelo nome a gente consiga saber se ele tem algum parente por aqui.
---- Não! O pessoal de lá deve ter, pois eu saí rapidamente da cidade, conforme já lhe contei. E o delegado Alécio ficou de me manter informado caso encontrassem algum documento dizendo o nome do velho, ou mesmo se encontrasse alguém que o conhecesse.
---- Nesse caso, a coisa pode ser complicada para você meu caro. Sem um nome, sem uma foto, o que espera encontrar? -- deu um espaço para pensar. -- Esse velho.... - o delegado parecia buscar algo na memória - Sabe a uns 18 a 20 anos atrás, havia aqui, em um dos distritos, no interior do município, um pessoal que lidava com esse negócio bravo de macumba, coisa pesada; o pessoal mais antigo que conta. Dizem que envolvia crianças, animais e outras coisas do gênero. Eu não conheço a história muito bem, mas tem uma pessoa que pode lhe ajudar. É o velho "Zé", um antigo morador de Paial, um distrito que fica a uns 30 a 40 Km ao Norte. - lhe explicou.-- Acho que é uma boa idéia você dar uma passada por lá , talvez você o encontre em um dos bares. De um tempos para cá começou a beber e não tem jeito de fazê-lo voltar atrás. É teimoso feito uma mula, conforme diz o pessoal que o conhece bem. Mas é gente de bem! Pode confiar nele!
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15:30
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Pequenas plantações de milho, em terrenos com acentuados declives, marcam a paisagem.
O carro roda uns 20 a 30 minutos por intermináveis estradas de chão.
Muitas poças de lama e também trechos lisos com grandes abismos flanqueando a estrada.
Pára, uma, duas, três vezes, quatro vezes para pedir informações.
Sempre a mesma resposta; "Toda vida em frente" ou "toda vida reto!".
Parecia até combinação entre os colonos.
Por fim, perto das 16:00 horas, entra no que se pode chamar de centro de Paial; uma meia dúzia de belas casa modernamente construídas; Um campo de futebol, cercado por grades e uma igreja com o centro cívico, ou, como chamavam na localidade, o salão paroquial.
Estaciona perto de uma charrete elegante.
Olhou para o veiculo com interesse.
Parecia ser realmente o veiculo adequado para o clima e a região.
Suas rodas altas não sujavam o coche; este por sua vez, coberto, protegia seu condutor. Quem mais sofria era o animal.
"Bom - pensou com ironia - por isso que se chama burro."
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Avistou uma instalação com umas placas comerciais. Era o local mais indicado para se encontrar alguém.
Para lá se dirigiu. Para isso teve que ir se desviando das poças, pulando ora aqui, ora ali.
Ao entrar observou o interior do bar, enquanto tirava o chapéu.
Umas quatros mesas de madeira e outras tantas cadeiras, com uma coberta por cima, que julgou serem toalhas, estavam espalhadas pela sala.
O local estava quase deserto não fosse por dois homens tomando uma cerveja no balcão, enquanto conversavam com o atendente do local, e um velho grisalho, negro, de feições cansadas e marcadas pela idade, sentado no fundo do bar, olhando para um copo vazio em cima da mesa.
Foi até o balcão.
---- Por favor, algum de vocês pode me dizer como fazer para encontrar o Sr que chamam de "veio Zé"? - dirigiu-se aos homens que estavam tomando a cerveja.
Lhe fizeram um sinal com a mão indicando o velho sentado no fundo do bar. O homem olhava para o vazio á sua frente. Olhos perdidos no infinito de seus pensamentos.
Marcelo foi em sua direção.