Seis filhos. O barraco caindo aos pedaços, todos amontoados em um
único cômodo. Uma cama de casal quebrada, lixo no chão e a televisão
ligada no último volume. As crianças assistiam desenho animado
disputando um pacote de biscoitos:
- Cada um de um pai diferente, seis tentativas de acertar a vida com um homem bom. Seis erros e agora outro na barriga esperando a vez de sair para este mundo. Eu não sei o que fazer doutor, não tenho leite para as crianças

O repórter deu 50 reais e a mulher contou o pouco que sabia da vida do filho mais velho, procurado pela polícia e condenado pelos bandidos de outras facções:

-Um menino ruim, puxou ao pai. Os outros são melhores. Desde que
nasceu trouxe problemas. Era doente, tinha bronquite e pensei que
fosse morrer de tão fraquinho. Teve pneumonia quatro vezes.

- A senhora poderia contar alguma história da infância dele? Tem um retrato?

- Que retrato? E eu tenho dinheiro para tirar retrato? Não tem nem
certidão de nascimento, um menino pequeno pra idade, ''esmirrado'' e
abusado. Foi para a rua cedo.

- Compreendo, ele sempre foi violento? Ainda procura a senhora?

- Este garoto ''lida'' com arma desde os cinco anos, corria pela favela
atrás dos traficantes, virou ''cria da boca'', davam comida, ele ficava
por lá. Tiraram foto dele com todo tipo de arma. Apareceu no jornal e
ficou maluco. 
O negócio dele era ser bandido famoso entende? Desde
pequeno ele queria esta vida. Eu não sei se ele vai falar comigo
agora, nem eu quero...o senhor não teria mais uns trocados para os
meninos?

Fred sentiu um dos meninos puxando sua perna e fazendo sinal para ser seguido, acompanhou o moleque magrinho que entrou pelas casas e saiu nos quintais, pulou cercas e subiu escadas íngremes. Ágil demais para o jornalista cinquentão e fora de forma.

Quase sem fôlego avistou a casa grande e entendeu que havia
conseguido. Um rapaz franzino e bem vestido sorriu para ele:

- Este é o ponto mais alto da favela. A visão é boa mas se não for, meu FAL 7,62 . Tem lente que alcança até 5OO mts ''na mosca''. Frederico Cunha, o Jornalista. Tem peito ''heim''?

Fred assistiu o rapaz apresentar várias armas, mirar, alisar e  explicar detalhadamente cada uma, quase com carinho:

- É igual a um SNIPER. Não erra não. Eu nunca erro.
Mentira, fiz uma vez de propósito, era para aleijar mesmo. Tem jornal me chamando de ''Serial Killer ''
Vi nos seriados, tenho Tv a cabo, vejo CSI. Por isso o quê meu irmão?
Não devo nada a ninguém. Faço o que quero. Aprendi a falar assim lendo muito. 
Li Elite da Tropa três vezes. Não tenho estudo mas não sou burro. Troco idéia com as ''Patricinhas '', sei freqüentar o asfalto.
Quantos eu matei ? Perdi as contas, cinqüenta?

Pausa para acender um cigarro, olhar o gravador, abrir um refrigerante
e recomeçar a falar:

- Não tenho mãe, não tenho família, não acredito em nada, e não vem com esta história de Deus, Jesus, Diabo...
tô doidão sim, e daí? Matei sim, derrubei muito safado que não levava fé em mim. Porque? Eles olham e não acreditam. Eu miro na cabeça que pra não perder bala. Esta é uma 9mm uso para brincar, gosto de ver as pessoas correndo feito formiguinhas...

Um monólogo sem fim, pergunta e responde a si mesmo. Ignora a
entrevista. Agitado, nervoso e falando rápido demais, sempre em
movimento.

Dois rapazes chegam fortemente armados:

- tô dando entrevista. O que eu mais gosto de fazer além de atirar é ficar no vídeo game, sou o maior no Rio de Janeiro inteiro. Ninguém me ganha no GTA, mato muito ali.
Tenho mais de trezentos jogos, todos de precisão. Sou o melhor já
disse. Viciado mesmo, jogo dias sem parar. Aposto alto e ganho sempre

Abre a janela da casa e os dois rapazes parecem assustados. Não estão gostando da presença do repórter:

- Consigo acertar qualquer um daqui, quer ver? Vou atirar naquele ali,
não acredita, agora eu vou atirar e pronto. 
Ô cara, quer me deixar nervoso? Caiu. Não disse?
 Dei posição nada, manda o pesado, quero ver aquele ''caveirão'' nos infernos, estou com umas '' Minas Terrestres".
Não tem esta de reportagem não. Vou cheirar sim e daí?

Um menino entra devagar, cabecinha baixa, fica no cantinho olhando
para o chão, esperando até receber uns ''trocados'': 

- Já errei contigo? Já te deixei na mão? ''Rala'' daqui ''dimenor'' não tenho mãe, já disse.
É meu irmão sim, tá com fome. Aquela ''piranha prenha'' não dá comida pra ele

- Como foi o caso do pastor assassinado semana passada?

- A polícia estava cercando o morro, não tinha como sair, eu disse, é
hora de encarar o diabo no inferno pastor. 
Ele queria resgatar minha alma. E eu tenho isso? Vi os crentes orando. Porque todo crente usa terno? Maior calor. 
Porra, ele tava enchendo meu saco. Pelo menos calou a boca. Vou morrer bonito, vi no filme, saio cheio de granada  M-4 feito terrorista. Vou explodir esta merda meu irmão.

Senta na cadeira baixa, parecia um menino, olhos perdidos, ar
cansado, acende outro cigarro e mostra a arma:

- É um AR-15, minha primeira, acerto quem passa, não estou nem aí,
gosto de atirar de perto, ver a cara , o som da bala atravessando os
miolos, gosto do barulho.
Doente? Sou ''Atirador de Elite'' meu irmão.
Desliga....Não tô mais a fim. Acabou.

O chefe da reportagem não parecia nada satisfeito:

- Você acha que vou publicar esta porcaria? Incentivar bandido com publicidade? Este  cretino burlou o cerco, está nas ruas, matou pessoas inocentes, cinco policiais e ainda vai matar mais.

- Ele não é só um marginal. Este louco acha que é um atirador de elite. Vive no mundo do vídeo game . Muito inteligente e perigoso,  pensa  que é o primeiro Serial Killer brasileiro.

- Não vou dar matéria para este doente e fim de papo, se não estiver
satisfeito venda para estes ''jornalecos'' de 50 centavos. 
Não gostei do formato. Revisa esta matéria Frederico, tira os excessos... esclarece que ele não passa de um maluco a mais.

Fred ficou furioso, havia levado meses tentando entrevistas ''O
Atirador'', toda cidade estava aterrorizada com os atos bárbaros do
jovem de apenas quinze anos que matava por prazer. 

Final de expediante, uma multidão de funcionários deixava o prédio
apressada, o estacionamento lotado.

Estava disposto a procurar o concorrente quando sentiu o impacto
seguido de forte ardência. 
Rolou entre os carros para fugir dos disparos que pipocavam no chão. Devia ser uma 9mm e ele estava brincando. Fred assistiu alguns colegas serem atingidos.

Pânico e gritaria, muitos corpos caídos, todos com tiros na cabeça. A marca do
''Atirador''.

A matéria saiu no dia seguinte na primeira página:


''BANDIDO MATA JORNALISTA A SANGUE FRIO''

O menor  conhecido como '' Atirador de  Elite'' conseguiu fugir após atirar em vários 
funcionários do Jornal  ''Global'', entre eles o repórter Frederico Viana que havia 

acabado de........o chefe da redação não resistiu aos ferimentos....a matéria a seguir... o jovem afirma que sofreu influências de filmes americanos, mas nunca teve boa índole....

jogos violentos...personalidade instável, viciado.....uma vergonha que
ainda não esteja atrás das grades. A polícia promete..O Secretário de

Justiça e Segurança Pública...NÃO é a primeira vez que nos deparamos com
um assassino em série...são um capítulo a parte na criminologia afirma

psiquiatra...é um viciado...não acreditamos em influências de filmes ou 
jogos....precisa ser contido...é uma ameaça....

Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 05/04/2008
Reeditado em 13/02/2009
Código do texto: T932409
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