Quem iria Saber?

Lindo?

Quem, o amor?

Não. É lindo quem disse que o amor é lindo.

Mas e por que não acreditam?

Porque sabemos que ele é real, e lindo é tudo que não é real. Porque é como queremos, e não queremos coisas feias, não é mesmo?

Não queremos coisas feias em nossas vidas, e justamente por isso elas existem! Pais e mães nunca querem filhos feios, e um casal pensando nisso, mesmo porque eles eram lindos, e não tinha por que (na verdade como) gerar um descendente feio. Nasceu de tempos depois (mais exatamente nove meses obviamente) Marla... Marla Braga Prado, também novamente mais precisamente. Realizada numa ceia de amor, menina linda, de futuro como modelo certamente, o primeiro concurso de boneca viva fez quando tinha sete anos, venceu, e assim continuamente como destino traçado a próprio punho tudo o que queria conseguia.... Filha única e ainda mulher. Mas por isso pensam que era mimada? Não, jamais! Mimos eram escassos, coisas essenciais de avó, e avós ela não tinha. Morreram em acidentes de avião, sumiram e um dia antes dela nascer uma se drogou até a morte, aquela família tinha um certo azar com avós, por isso os pais desejavam que Marla nunca tivesse filhos.

Mas era menina, até virar moça era menina, e saiu a noite, pra balada, pra ser engolida como um brinquedo na madrugada fria, aos 16 anos... Não era mais pura, a pureza estava além da alma, e muito mais além de seu genital. Aprendeu a gostar, a criar irmandade, as estrelas a amaldiçoaram a amá-las sempre. A noite tinha de ser sua amante, e desejavam-se uma a outra em qualquer fim de semana, mais forte que qualquer palavra ponderante de pai e mãe, que perigos infortúnios, que surras e tabefes mortais Precisavam-se, encantavam-se, sorriam sem ter noção da própria graça.

Aos dezessete a noite lhe possuía, Marla baladeira fazia o que uma cadela fazia, e mesmo assim era respeitada, de tanta beleza, malandragem e sedução estava sempre certa pelos discípulos da modernidade, pelos assinantes do tratado, da maquiagem, dos “bate-estacas” eternos e sabadeiros noturnos... Loba uivava e tinha quase um Deus em seus pés... Sabia o que fazia, queria, podia e digeria as bagatelas saudáveis de uma vida saudável apesar dos pesares, a loucura e a perfeita sanidade dos caminhos mentais corriam em cada gota do perfume da alma (perfume de lavanda com toque cítrico), não precisava de perfume de álcool, nem da bebida de álcool: sua alma cheirava bem, e por si só exalava-se á humanidade! Era a rainha de um povo de uma cidade pequena, sem muitos conflitos, sem muito no que acreditar ou seguir, então ela era fábula, porque era linda, simpática, animada, sua aura resplandecia em cores uniformes e ecléticas que só quem se lava num frenético balançar de esqueletos, de clamar pela próxima música e aplaudir a anterior é que deve possuir! Um mito, musa e medo!

Porém não em sua conturbada e colorida rotina que conheceu Ramón. O que dizer de Ramón? Descrições clichês e beleza infinita? Conquistador barato e safado? É, com a certeza igual ao do sol e de um dia novo que sim! Sim para as coisas escondidas entre estas outras. Ele chegava de pouco tempo na sua terra natal, a europa, mas falava o português como um nativo e abandonava o espanhol, sua língua raiz, para almejar as moças de desejo, um aja em vista desde que o sol nascera muitas vezes era a dama Marla Baladeira, da noite e dia etecétera e tal.

Era depois do almoço, nem sesta fazia, seu esporta favorito era pedalar, quase voar sobre aquelas duas frágeis rodas de Calói e seu banco desconfortável... pegava um caminho de um bosque bem perto. Eram árvores a lhe cumprimentar toda vida, caminhos sem obstáculos ou raízes traiçoeiras, mas sim de pedregulhos faceiros pelo que lhes massageava. O vento, bem menino o vento, quase brisa, lhe dedilhava as maçãs coradas, e neste momento depois de um gemido por cisco em seus olhos, atrás de uma envergonhada árvore Ramón nada noticioso jogou um graveto por entre os raios da roda traseira, no que estacionou o veículo por um instante, a fazendo perder o equilíbrio e deleitar-se aos tais pedregulhos faceiros, manchando-os de sangue de seus joelhos. Xingou alguns palavrões e logo teve a presença de Ramón, a observando, contendo risos e de mão proposta a lhe auxiliar. E ali, naquele juntar de mãos e cara enjoada, estragada pelo tombo, nascia uma espécie de amor, de bem querer louco pelo encanto do momento, mas não de momento, ali, prometia eternidade. E se ajudaram, e entre as sombras e clareiras do astro rei conversavam, trocavam olhares, e apaixonados viram-se como tatuagem um no outro, como um só num sexo bem feito por entre as folhas.

O que fariam agora? A rainha da noite, dos dias e da vida inteira não se podia desfazer Marla por completa e deixá-lo comandar a situação: - Vamos dar um passeio, nos conhecer melhor.

E foi o que realizou, deixou correr como água sob a ponte aquele dia esplêndido. Passeavam até o anoitecer, ele parecia rico, pagava todas as coisas, inclusive o sorvete que tomavam na exatidão da conversa que mudaria a vida da purpurina em pessoa.

- Eu sou muito rico sabe, e estou procurando uma pessoa para curtir um grande festival de música na minha cidade.

Ele disse morar numa cidade conhecida há uns trezentos quilômetros dali. Um grande pólo de tudo, e acessível para todos, o sonho de Marla era viver lá, mas os pais eram fanáticos por aquela terrinha. A sua paixão pelo rapaz e pelo lugar não omitiram a felicidade juvenil: - Nossa, eu amo aquela cidade. Se você quiser eu posso ir para lá, agora mesmo.

A rebeldia de sair sem avisar, de sumir do mapa, de criar suas asas e voar sobre toda a terra e poder cuspir veneno mortal nela, era mais alto que qualquer voz. Do que os pais daquela rainha... Vamos!

Era o que ele queria ouvir. Uma canção rara numa voz ainda mais ilustre e difícil. A voz que ouviria dali a frente, em todas as pegadas, acertos e mancadas, o timbre sem escapatória de qualquer hora.

Passaram numa loja onde não a conheciam, e encheram diversas malas de roupa nova, suprimentos, mantimentos, um celular novo e um número novo. Teve o prazer de ver o seu antigo aparelho estilhaçar-se contra os tijolos fortes da parede velha. No seu carro importado eles eram donos do mundo, uma sensação que há muito ela já desfrutava, mas agora era maior o caso, e desconhecido.

Coisas foram se desenrolando, desabrochando e expondo-se em querer e não querer durante o percurso louco de suas vidas também muito loucas, as estradas bem rodadas com marcas de pneu e de secura comum de asfalto, de quem a chuva já não beijava com medo de ser atropelada. Seus grandes óculos escuros mexiam-se em cada gargalhada pela estrada. Ainda não estavam perto de chegar ao correto destino, tampouco se encontravam próximos do local de partida. Os pais ainda não deviam estar preocupados, poderia ficar sumida durante dois dias que não se preocupariam, era isso o normal dos fatos de seu lar. Já ele, nem família tinha, o dinheiro era todo herdado dos pais. Dirigia firme ao volante de couro com detalhes em brilhante do carro conversível, parecendo preocupado com algo, mas sempre negava ás insistentes exclamações da companheira. Ela precisava parar, ele relutou, não queria, mas acabou cedendo ao tom repetido da voz ao lado. E foi fazendo xixi no imundo banheiro do posto de gasolina que ela refletiu o que vivera, a meia década que se passara desde o momento em que caíra da bicicleta. Os ralados já haviam secado, e só ardiam um pouco, mas era relevante a tudo que estava acontecendo, enfim a sua loteria, a sorte grande na sua cabeça, e principalmente em se corpo e bolsos. Quanta coisa boa, quanta coisa maravilhosa tinha de fazer... Depois de algum tempo levaria os pais para morarem em sua mansão, ou na casa da praia. Saiu do banheiro e viu a polícia conversando com um frentista, ainda na porta do banheiro ajustou a calcinha fio dental, e saiu olhando para o frentista e o policial, mas antes que desse dois passos Ramón a puxou pelo braço, e a levou de arrasto até os fundos do local. Assustada, ela ouviu: - Nós temos que sair daqui agora! Ele estava trezentos e oitenta e duas vezes mais assustado.

A mentira não venceu a realidade. O carro era roubado, e agora além dele, procuravam Marla Braga Prado como cúmplice. Um bofetão brindou no rosto bonito e jovem, os cinco dedos da garota má. Mais um e outro pra terminar sua intensa raiva de segundos: -Por que não falou, seu bandido... (e um esquadrão de palavrões seguiu-se até o fundo do olhar) – Eu vou me entregar, não devo nada a ninguém.

Mais uma vez como um gancho, seu braço ficou nas mãos dele, puxando-o, e a palavra masculina a fez desistir do ato: - Você será presa. Estava comigo no carro, e eles sabem disso, estão procurando nós dois.

Todos as anteriores cadeias abriram-se mais uma vez contra Ramón. Até que a polícia se foi, e mais aliviados viram um carro velho, onde uma mulher grávida e duas crianças estavam tristes. Estacionou perto de onde se escondiam, e fingindo ter uma arma sob a camiseta tomou o carro velho e sem cor da pobre grávida. Marla escandalizou-se e viu com quem estava se metendo... Arrependera-se como um rei que mata uma nação, como uma garota que tem sua primeira vez com o cara errado. E não podia mover-se muito, qualquer deslize certo seria errado, tudo o que sonhara em parecer, não em ser estava se concretizando: uma criminosa, robusta fora da lei. Era só sonho, vontade de imagem de adolescente com fama de rebelde, mas a realidade no coração e na alma seriam insuportáveis, estavam sendo insuportáveis.

No carro, muito brava, sem qualquer lágrima, mas vontade de acabar com aquilo, de tornar tudo um pesadelo, e num ronco mais profundo fosse acordar, seguiu calada em alta velocidade ao lado do motorista infame. Entraram no coração da cidadezinha, e avistaram num campo, em frente a uma casa um ultra-leve.

Muito bem, decidido golpe bem sucedido do destino... Conseguiram viajar até outra país. O veículo era novo, e estavam quase na divisa de seu país, cometendo loucuras. Ela morria de medo de avião, mas ali o maior medo era ter de ficar anos pagando pena, aturando carcereiros retardados. Pousaram, e andaram um pouco receosos pelas ruas pequenas, dois policiais conversavam e os avistaram rapidamente como robôs programados a matar, e passaram alarmados a lhes perseguir. Até o sol olhava assustado, queriam os pássaros piar canções de morte esperando a boa vinda do casalzinho aos céus... A morte e a morte parecia os esperar... E correr, correr, correr era o mais certo a se fazer. Fôlegos eternos lhes acompanhavam, tropeços, obstáculos e o desespero da adrenalina era uma conjunta obra de arte... Menos para quem a vivia.

E a fuga alucinante percorreu meio planeta terra naqueles poucos mil metros. Como podia aqueles infelizes estrangeiros, gritando coisas que não entendiam saber que tinham feito algo de errado? Marla entrou em um galpão, um policial a viu. E para ajudar a heroína malvada, o ambiente era de pouca luz e repleto de lugares para esconder-se, sujou sua blusa de óleo depois de subir escadas, ouvindo seus passo ecoando na lata dos degraus, o suor lhe coçando a sobrancelha. Enxergava pouco, o que significava que ‘eles’ também enxergavam o mesmo tanto. Entraram no ambiente quietos, de armas em punho. Vasculharam todos os locais, subiram a maldita escada, e ela sentiu pernas cortarem a pouca luz que ainda havia. O coração apertar e fazer a impossibilidade de se encolher ainda mais realidade, e dentre a inúmera confusão de sentidos, gostos e emoções que estava tendo naquele momento, percebeu que Ramón não estava ali, estava sozinha e sabia que ia morrer, era questão de tempo. Viu as pernas de uma calça azul marinho passar a centímetros dela, ouviu a respiração vinda das pernas, paradas, observando. E assim como veio, se foi, sem levar ninguém consigo para o melhorar da criminosa. Conseguiu sair dali intacta, invisível e cheia de medo. Suja e com fome. O bandido maior a viu passar e outra vez ela quis matá-lo, ele estava também no galpão. Ali ela o bateu e chorou como jamais os olhos e o cérebro lhe permitiram ou permitiriam outra vez, era choro de uma vez só, de maior praga da humanidade, coisa feita pra trazer o mau, o mau era ela, mas querendo bem, buscando o bem, porque no fundo era bondosa. Ouviram tiros e mais gritos, e tudo voltou a mente daquela garota, daquela criança num corpo esbelto de mulher. Correram para uma casa, ela apenas o seguindo, mais lenta, mais cansada, despreparada, não bandida. Na casa não queria ele somente fuga, mas ainda mais confusão, penitências e pecados. Uma família reunida orava em moldura á refeição á mesa, e com apenas uma faca e muito escândalo ele matou todos, deixando viva apenas a menina menor, para refém. Era muito sangue, descobriu as várias tonalidades de vermelho e até mesmo roxo que existia no interior de cada um de nós... Como era frio, como era chocante, e tudo tão rápido, tão sólido, de verdade e não pesadelo! A decepção da família, envolvida em assassinatos, um escândalo mundial, e por engano. Mas ninguém acreditaria, ninguém aceitaria, e o preço era tão destratado, injusto. A polícia estava apenas em frente da casa, e num grito alterado da criança,a mesma perdeu a vida tendo o pescoço afeiçoado pela afiada lâmina. Num outro impulso, de quase bandida, pois agora Marla sabia que não tinham porque não invadirem a casa e prendê-los, já que a refém morrera, saiu pelos fundos, deixando-o sozinho, e ele foi atrás largando o corpo ainda quente e seguindo Marla sem falar nada. Era uma floresta, mas no fundo, como nu túnel com um pequeno ponto de luz, havia uma estrada, com mais comércios e um grande centro possivelmente, e aos olhos da garota era o céu cheio de nuvens e anjos lhe esperando, e nem se tratava de salvação. Correu, correu, mais e mais (tirava forças de onde, se já não as tinha?),e diferente de qualquer fêmea de filmes de terror, não escorregou ou tropeçou em nenhuma raiz, mas ele a alcançava a cada minuto, era muito rápido. Sentiu mais passos trás de si, algum terceiro avançava o caminho, era uma policial. E correu, correu, mais e mais (tirava forças de onde, se já não as tinha?) chegaram quase juntos no outro lado, era o fim da linha, a policial estava atrás dela. Marla era agora espectadora de nem sabia o quê, porque não sabia o que fazer. Ramón lhe beijou a boca, e a policial calmamente o matou com um tiro na cabeça, de lado. Ele ainda olhou para seu amor com ar de culpado e pedindo desculpas. Caiu em seu colo (ela ainda tinha força de segurá-lo), de conseguir ver seu sangue lavar as delicadas mãos de unhas impecáveis que cultivava. A policial mostrou seu coração: - Os outros já estão chegando, venha comigo. Vai se lavar, e voltar para casa. Ninguém vai saber disso, nunca. Vou abafar a história até mesmo para os outros policiais, não se preocupe. Sei que você não é culpada, ele já fez isso com muitas moças. Vamos e ficará bem, e ninguém nunca vai saber.

E assim foi. Num hotel distante tomou banho, e limpou todos os vestígios daquela loucura, daquela passagem de tempo em que viu outro lado da vida. Mas jamais esqueceria que amou muito aquele bandido, e que o teve sem vida nos braços.

Todos os indícios de sua participação no caso foram apagados, e as 9h da manhã do dia seguinte entrava em casa, como tudo normalmente acontecia. Cumprimentou seus pais com um terno beijo no rosto, rosto frio, mas cheio de carinho e saudade. Sentou-se para tomar com eles, e viver sua vida de baladeira, rainha da noite, porque ninguém iria saber, e porque ninguém dali pra frente seria mais feliz do que ela, linda inocente e calada pro mundo negro,

sem nem sua vontade.

Douglas Tedesco – 04/2008

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 04/04/2008
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