Sueli, amor fatal.

Abriu o estojo e retirou a navalha, que chamava carinhosamente de Sueli, com cabo de madrepérola e lâmina de aço sueco. Assentou o fio no couro macio. Preparou a espuma no potinho, com água morna, e espalhou cuidadosamente no rosto com o pincel de pelo de texugo. Deixara crescer por dois dias para que o corte ficasse perfeito, depois um banho bem quente para amolecer a barba. Suavemente deslizava a lâmina afiada pelo rosto ensaboado, dando uma puxada na pele com a outra mão. Queria o rosto como bundinha de bebê. Aquele momento era mágico, só ele e a Sueli. Passou um pouco de aqua velva para desinfetar, vestiu a roupa que comprou à prestação e saiu.

Pensava na expressão pródiga daquele corpo indolente. Porque olhara para aquela janela ? Foi arrastado pela visão da musa, não pode resistir. A moça não era bonita, mas aquelas carnes bem distribuídas exerceram tamanho fascínio sobre José que abobalhado caiu de amores pela gorda. “Encontro pela vida milhões de corpos, posso desejar centenas, mas amo apenas um.”

Saíram para passear, foram ao cinema e depois pararam no parquinho para comer um sanduíche. Aquela voz forte e mundana não combinava com o corpo molengo, morno, gostoso de apertar. A pele branca e cheirosa, dava gosto de olhar.

A voz alta da moça e a conversa desinteressante aborreciam José. Foram para a casa dela.

Se amaram até que as forças os abandonassem. Depois de satisfeito, José ficou com raiva.

_Idiota, porque está comendo uma gorda? Dizia a voz.

_Esse corpo macio é tão gostoso...

_E se souberem que você dormiu com uma gorda? Vão gozar com a tua cara.

Estava confuso. Sua mão tocou em um objeto metálico. Sueli estava lá, firme. Daria o apoio de sempre. “Só ela me compreende.”, pensou José.

A carne gorda cedeu suavemente ao fio da navalha. Corte preciso, limpo e profissional. A banha branca, ligeiramente amarela, escorria. Logo ficaria maculada pelo sangue em profusão. Aplicava mais e mais golpes para calar a voz.

O corpo ficou mole e pesado.

_Seu merdinha. Você é um serial killer de bosta, não sabe nem manter um padrão. Matou uma gorda. Quando souberem que você matou uma gorda, vão rir da sua cara.

Novamente Sueli entrou em ação para resolver a parada.

No dia seguinte o detetive Ratinho recebeu o delegado.

_ Doutor Carlão. Homicídio seguido de suicídio.

O Delegado logo concluiu: pegamos o Barbeiro, matador em série da cidade. O detetive discordava:

_ Embora a arma do crime seja uma navalha, o barbeiro só ataca mulheres magras.

_ Deixa de ser besta, Ratinho. Esse fedor de aqua velva não deixa dúvidas, é ele.

_Estão todos de parabéns pelo excelente trabalho em prol da comunidade.

Um lampejo no aço da navalha chamou a atenção do Doutor.

_Ratinho, me empresta o lenço.

_Hum, que navalha bonita! Limpou o sangue e guardou no paletó.

Sueli não ficaria só.