Amor de Perdição - Giselle



Sábado. Dia de visita no presídio em Agua Santa. Do lado de fora imensas filas de mulheres com crianças e sacolas. Poucos homens aguardavam sua vez de entrar para a revista. Crianças pequenas choramingavam a noite dormida ao relento, o calor e os mosquitos.
Um dia infernal pensava o guarda mal humorado,  organizando as pessoas suadas e tão irritadas quanto ele.

Onofre estava quieto, encolhido num cantinho da cela que dividia com outros vinte detentos especiais.
A prisão tem suas regras e nem o pior bandido aceita estuprador, de criança então, não tem perdão. É sentença de morte. Onofre era acusado de matar dez meninas de forma sádica e requintes de tortura extrema. Até entre os colegas de cela era segregado.

O pátio para as visitas ficava no subsolo abafado , as pessoas desciam uma escada de cimento cuja altura e largura dos degraus haviam sido projetados para retardar qualquer tipo de evasão. Sempre havia presos auxiliando a descida e subida. Estes presos não recebiam ninguém e gostavam de ajudar para ter algum contato ou quem sabe fazer uma amizade.

Quando o último visitante descia as escadas, uma imensa porta de aço era baixada e lacrada. Não havia como sair ou entrar até o horário estabelecido terminar. Um forte aparato policial montado em torno do presídio iniciava a ronda. Blitz eram acionadas nas principais saídas do bairro.

Um rapaz magrinho e pálido caminhava pelo salão apinhado de gente, os presos vestiam calça jeans e camiseta branca para facilitar a identificação, cor proibida para as visitas. O ar era saturado e quente provocando mal estar constante .
 
Avistou o pai num canto isolado e com policiais fortemente armados. O velho estava muito acabado, olheiras , magreza profunda na pele encardida, os poucos cabelos brancos haviam desaparecido. Após a identificação sentou-se perto do pai :-  O senhor está muito fraco.

- Não vou viver muito tempo. Você tem ido à igreja? sua mãe está bem? e as meninas?

Os olhos do homem brilharam com as notícias que todos estavam bem e o filho frequentando a igreja com a família .Maurício evitava qualquer contato físico com o pai, sempre de cabeça baixa, envergonhado.

Lembranças terríveis do afeto paterno ainda vívidas em sua memória.
Finda a visita,  andou até a estação de trem e tomou o rápido para Paracambi,quase duas horas mais tarde chegava na casinha humilde onde a mãe fazia a janta e as irmãs assistiam televisão, alheias e coniventes.

No quartinho onde todos dormiam sentou-se na cama e chorou como um menino. O pai estava minguando naquele buraco, pagando por crimes que ele, Maurício,  havia cometido. Ainda que o considerasse culpado pelos abusos e infligência imposta durante toda  infância doentia, não tinha coragem de contar a verdade.

O pior era o desejo cada vez mais forte quando via uma menina passando sozinha, não estava conseguindo controlar a besta. 
Orava e ia todos os dias ao culto, ouvia o pastor e lia a bíblia desesperado, queria a salvação. Culpa, remorso e arrependimento não iam impedi-lo de pegar outra criança.

Onofre sentiu o estoque perfurar sua carne e a vida fugir no segundo depois. Sem um gemido caiu no chão sujo e por lá ficou até ser removido, ninguém viu nem acusou. A família foi avisada mas coube ao filho enterrar o monstro de Paracambi.  Sozinho Maurício cumpriu o dever sob vaias e protestos dos pais das vítimas.

No mesmo dia Maurício matou outra vez e continuou caçando suas vítimas por muito tempo. Ninguém desconfiava do rapaz sofrido, filho de pai degenerado, arrimo de família e fervoroso cristão.

Alguns anos mais tarde hediondo crime em todas as manchetes do país relatava o suicídio de Maurício após assassinar a mãe e as irmãs. Os corpos  das vítimas jaziam  destroçados como se um cão raivoso houvesse libertado toda a ira sobre as pobres mulheres.


Durante a investigação,  vários corpos foram desenterrados pelos arredores da casa. Maurício era um psicopata e simplesmente não conseguia controlar o desejo de matar. Finalmente viu na própria morte a única forma de destruir o monstro que o assustava todos os momentos.


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Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 16/02/2008
Reeditado em 01/05/2009
Código do texto: T861968
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