ABUSIVO INCIDENTE

O cenário dessa nova história é uma tradicional favela da Zona Sul carioca, que no século passado (1957) foi moradia do ator Grande Otelo, no filme “Rio Zona Norte” de Nelson Pereira dos Santos, interpretava então um compositor popular que residia no Dona Marta, comunidade pendurada na encosta do morro homônimo no bairro de Botafogo.

A família de Licinha Leal reside no mesmo endereço há quatro gerações, seus avôs viram passar por sua porta muito material de construção, que no início dos tempos se compunha basicamente de madeira e peças de zinco para servirem de telhado.

A década de 60 assombrou muita gente, que morava de forma precária nessas invasões de terras públicas, muitas favelas foram removidas das áreas mais nobres da cidade, e seu destino acabou sendo precários apartamentos na Zona Oeste da Cidade Maravilhosa.

Esses grandes conjuntos habitacionais levantados a toque de caixa, desmantelaram de vez a rede de proteção construída pacientemente entre vizinhos ao longo de décadas. Também distanciaram seus moradores dos locais de trabalho, pois naquele momento, toda família de classe média contava com essa farta e barata mão de obra, para assim manter suas moradias funcionando as mil maravilhas.

Mais tarde, moradias deixaram de utilizar material barato, pois a insegurança não fazia mais parte dos percalços de quem residia em favela.

Licinha do alto de seus dezesseis anos transborda sensualidade, sendo objeto dos sonhos de muita gente da comunidade, e claro, também fora dela. Estudava no tradicional Colégio Pedro II, no vizinho bairro do Humaitá.

Se no passado morar na boca da favela, logo no meio da grande escadaria, que separa o tecido formal do informal, a Rua Marechal Francisco de Moura podia ser considerado estratégico devido à facilidade de acesso.

Hoje, para infelicidade da família, qualquer chuvinha mais forte transforma a escadaria numa espécie de local de descarte de tudo que pode ser dispensado por quem mora acima, e olha que é muita gente jogando entulho nos valões que cruzam a comunidade, que vão desaguar nas escadarias e descer pela única via de acesso a parte alta da rua e aos dois acessos da favela.

Mas o que mais incomoda mesmo moradores, e claro, a sua segurança foi a recente mudança do pessoal do tráfico para uma construção na escadaria, de cara para a moradia da família Leite.

Agora, a calma anterior do local se perdeu, passando a ser constante a presença de consumidores de drogas subindo e descendo a ladeira. E esse não é o principal problema, este surge quando alguma viatura da PM estaciona diante da escadaria.

Existe uma troca de gentileza entre as partes, agentes de segurança responsáveis pelo patrulhamento da área recebem uma semanada para fazer vista grossa, e o tráfico se beneficia, pois não ocorrerá blitz no aceso a comunidade.

Assim como na nossa degradada classe política, mudanças no comando do batalhão local podem redefinir valores da propina, e não chegar a um consenso.

Se ponteiros não forem acertados, então o bicho pega, e o confronto se torna inevitável.

Agora, todo mundo que entra e sai da comunidade passa por constrangimento, mulheres então são submetidas a apalpações que extrapolam o que eles mesmos definem como uma “geral” no indivíduo.

E foi numa dessas ações sem critério, que Licinha foi alvo de quatro policiais, que se divertiam com o desespero da adolescente, que resolveu rodar a baiana, gritando e esperneando para chamar a atenção de todos, e assim inibir os supostos agentes de segurança.

Pessoas que conversavam na base da escadaria resolveram caminhar em direção dos PM, e de alguma forma inibir aquela afronta contra a adolescente.

Ao se sentirem acuados pelos moradores, não titubearam, sacando suas armas e atiraram a esmo. Resumo da tragédia, cinco pessoas feridas com menor gravidade e Licinha com uma perfuração na cabeça caiu morta nos paralelepípedos da rua.

Os tiros despertaram também a atenção da turma do tráfico, seus fuzis revidaram a altura ferindo os quatro policiais, que tentaram fugir da cena do crime correndo ladeira abaixo.

Posteriormente, revoltados com os fatos atearam fogo a viatura policial. Tudo causado pela irresponsabilidade de quatro agentes que deveriam dar segurança a população.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 19/04/2025
Código do texto: T8313027
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