EFEITO COLATERAL
Lá fora o verão realmente desembarcou, tomou conta da cidade, o termômetro parece que emperrou no entorno dos quarenta graus, nem mesmo a noite, o calor retrocede.
A prefeitura através de mensagens pelo celular sugere que se evite circular pelas ruas nos horários de maior calor. E não é pra menos, bastou sair de casa e numa pequena fração de tempo, o suor já hidratou sua roupa. O asfalto, que anteriormente perdia sua habitual rigidez, agora se transformou numa pasta pegajosa, tornando perigosa a simples travessia de um logradouro.
Praias lotadas indicam que ficou mesmo difícil permanecer em casa. Se antes a saída da praia estava associada à claridade dos raios de sol, agora, depois da instalação de fortes refletores, a praia passou também funcionar noite adentro.
Interessante notar que essa nova moda distribuiu melhor o retorno a casa, e assim também reduzir o tempo de exposição ao calor dos subúrbios, que já seria naturalmente mais quente que o da região litorânea, porém com a ausência quase completa de árvores, amplia o tempo de exposição direta dos imóveis, os transformando em verdadeiros continentes de calor.
Para a turma que reside na periferia, não tem jeito, só mesmo o ar condicionado para conseguir um descanso reconfortante no período da noite. Ainda bem que existe o advento do gato, sem ele essa galera da base da pirâmide social ficaria ainda mais prejudicada, complicando a jornada de trabalho do dia seguinte.
Acredito que apenas um restrito grupo de trabalhadores informais agradece aos céus a chegada desse tempo de calor intenso, a turma que ganha a vida no hoje mais diversificado comércio praiano, que desde o advento do horário de verão, ampliou as margens de lucro, com mais tempo de gente consumindo seus produtos.
Lembro bem, que muitos colegas de trabalho abriam mão de encarar o calorão da rua, na tradicional parada para almoço, a opção era ligar para algum fornecedor de refeição, e ficar aguardando sua chegada no climatizado escritório.
Agora, quem não conseguiu ainda se inserir no mercado de trabalho, ou mesmo desistiu de procurar por emprego formal, acaba ficando a deriva nesse mar de pessoas em idade ativa, que o mercado rejeita, e isso independente da idade, pois o nível de exigência atual se descolou completamente da realidade vivenciada na maioria das escolas públicas de ensino básico, ofertas de vagas exigem conhecimento muito superior ao que receberam nos bancos escolares.
Interessante é a constatação que independente da linha do governo, nenhum se dedicou a exterminar de vez a baixa qualidade da educação básica, seria proposital essa estratégia de manter boa parte da população sob a alcunha de analfabeto funcional? E quem sabe assim, manter um tratamento similar ao oferecido a manada de bovinos, facilitando bastante sua manipulação sem a chatice dos questionamentos!
Para uma parcela da população, mesmo com pouco discernimento, e que desde muito cedo passou a conviver com falta de perspectiva futura, e isso está ali ao seu lado, convivendo cotidianamente nos becos da comunidade, em loteamentos irregulares, ou mesmo no tecido urbano formal de bairros periféricos.
Não precisa ser especialista na questão social para entender que a violência faz parte do cotidiano dessa significativa parcela da população, desprovida que foi de direitos mínimos, sempre o alvo de blitz da PM, que os achincalha em público como diversão e para cumprir sua cota de apreensões mensais.
Por outro lado, quando embarcam no transporte público, ênfase para os dias de domingo ou feriado, nesse momento sua necessidade de vingança aflora, e propositalmente se divertem assustando passageiros, eles para se protegerem optam por andar em grupo, se vestindo e se comportando da mesma forma.
Sempre atentos a movimentação dentro do vagão, vasculham com olhar invasivo vítimas preferenciais. Na parada em estações de maior fluxo de pessoas agem rápido e com habilidade, o componente que rouba ou furta, rapidamente transfere o produto para outro, dificultando sua identificação, em paralelo, outro colega corre em direção oposta ao tumulto, para assim despistar a população atônita.
O comboio parte, e logo, todos se encontram novamente. Agora vão esperar uma nova composição. Ao embarcarem, já vão mapeando o perfil das possíveis vítimas, pois algumas estações à frente, pretendem repetir o golpe. Novamente a estratégia deu bons resultados.
O desembarque em Copacabana precisa ser discreto, para não levantar suspeitas, vão direto ao encontro do sujeito conhecido como Orelhão, que além da desproporcional orelha de abano, tem uma lojinha do prego, onde você pode deixar sua jóia por um trocado. É exatamente isso que o bando de adolescentes fará.
Esse dia de praia vai ser para tirar onda, sabe aquela necessidade de consumo reprimida, hoje finalmente vai dar para enfiar o pé na jaca. Saborear aqueles drinques coloridos, comer comidas árabes e depois ficar só na cervejinha acompanhada de algum salgadinho até o sol se esconder nas águas daquele marzão sem fim.