CRIMES DE BAIXA PERCEPÇÃO
O convívio com limitações sempre irritou Weverton, desde muito pequeno sentia na pele o abismo social ao descer da favela do Cantagalo para o asfalto, eram na realidade duas Ipanemas, a desorganizada onde se apertava com sua família na precária moradia sem infraestrutura e aquela lá de baixo, glamourosamente exibida como cartão postal da Cidade Maravilhosa.
Na infância já gostava de pegar brinquedos de seus coleguinhas de classe média, ali na Praça General Osório. O cenário local era dos mais intrigantes, pois invariavelmente seus coleguinhas desciam em grupo para se divertir na praça, até porque na ocupação do morro, ninguém se preocupou em reservar espaços para entretenimento das crianças.
Nos equipamentos instalados na praça para diversão, o público era majoritariamente não branco, além de maioria entre a meninada, cada criança de classe média ficava sob a responsabilidade do exército de branco, aquelas babás negras vestindo impecável uniforme branco.
Anos passando, Weverton crescendo, e sua vida se desenrolando basicamente no asfalto, estudava como todo morador do Morro do Cantagalo na Escola Municipal Marília de Dirceu, ali na Rua dos Jangadeiros 39. O tempo livre desses adolescentes era invariavelmente passado na icônica Praia de Ipanema
Já adolescentes, o bando de Weverton resolveu criar uma linha de financiamento para objetos de consumo.
Depois de intensivo treinamento em manobras com bicicletas, onde propositalmente dirigiam em velocidade, tirando fininho dos pedestres nas amplas calçadas da Avenida Visconde de Pirajá.
Weverton o mais desinibido do grupo conseguiu estabelecer contato com um comprador de jóias em Copacabana, que seria receptor de relógios, cordões e pulseiras. Para celulares, o receptor seria o proprietário de uma oficina para consertos de telefone no Leblon. Só o chefe do bando teria contato direto com os empresários que discretamente se encontrariam em quiosques a beira mar para negociar as mercadorias.
Cada um dos cinco membros do bando teria que usar sua própria bicicleta como equipamento de fuga, portanto deveria sempre estar em boas condições, e que preferencialmente não chamasse atenção, evitando cores fortes ou equipamentos de fácil identificação posterior. Participantes das operações usarão pelo menos duas camisas sobrepostas, e claro, de cores diferentes, para logo que possível, se livrar da usada durante o roubo.
Weverton não participaria das abordagens, faria apenas papel de receptor das mercadorias, se incumbindo de discretamente finalizar a empreitada. O combinado inicial, e que serviria apenas como experiência, consistiria de divisão igualitária do valor levantado pelos cinco membros dessa confraria.
A ideia inicial seria a de não operar em dias chuvosos, pois guarda-chuvas, casacos e capas poderiam interferir na visualização do objeto a ser furtado. Para domingos e feriados a proposta é de descanso coletivo, nestes dias aumenta o policiamento, aumentando o risco de ter fuga interrompida pela multidão atraída para a praia.
Pelo andar da carruagem, parece que esse bando ainda persiste impune, pois muito se houve falar em relação a pequenos furtos feitos por ciclistas, porém, não se tem notícia da apreensão de nenhum desses ágeis infratores, que descobriram um filão para viver sem muitas preocupações.
Operam de forma que tangencia a lei, pois a prisão exige o flagrante do roubo, e em movimento, conseguem se livrar com facilidade do objeto que poderia vir a incriminá-los.
Assim como nos crimes do colarinho branco, esses pequenos furtos passam despercebidos dos agentes de segurança, prometendo vida longa aos infratores.