TEMPO INSTÁVEL COM CHUVAS

Eles chegaram quase em silêncio, bem cedinho, e se instalaram na Praça Edmundo Bittencourt, bairro Peixoto, Copacabana, a caravana de cinco vans servia tanto de moradia, como de estruturada barraca, tipo aquelas de feira, onde ficam expostas mercadorias, que logo atrai a atenção de curiosos.

Moradores perceberam que aqueles veículos traziam novidades, há muito sumidas do convívio urbano, eram nada mais, nada menos, que um animado grupo de ciganos nômades.

A novidade se espalhou pela vizinhança da praça, além de objetos antigos, expunham também nas bancadas utensílios domésticos diferenciados.

Cada família nesse momento expõe seus dotes artesanais, como tecidos especiais, ricos bordados tecidos a mão, cestos e outros utilitários confeccionados com fibras naturais, joias e utensílios domésticos elaborados em metal. Facas para cortes especiais, canivetes e ainda ofereciam afiamento de objetos de corte.

Para a clientela feminina, atividades passavam por conhecimentos milenares, incluindo o tarô, quiromancia (leitura das mãos), oráculos, benzimentos e rituais de proteção e consultas espirituais.

Aquela agradável paz cotidiana da praça, só perdia o encanto nas quarta feiras, e logo no começo da madrugada, com a chegada dos caminhões carregados de barracas desmontadas, seguidas por veículos menores, com carga variada de produtos fresquinhos para serem negociados.

Essa agitação movimentava a praça até quase o final da tarde, quando essa caravana partia com suas tralhas e entrava em campo o batalhão abóbora da companhia de limpeza que chegava para fazer a faxina, livrando esse recanto, das montanhas de lixo e odores do resultante do comércio de carnes, ênfase para pescados e frutos do mar.

Em mesinhas dispostas próximas aos veículos, figuras longilíneas , longos cabelos negros, profusão de bijuterias e roupas de estampas muito coloridas, convidando interessados a conhecer segredos do cotidiano , e claro antecipar acesso a fatos futuros.

Alguns pequenos furtos, roubos de celulares, bicicletas e brinquedos de crianças já vinham ocorrendo bem antes da chegada da turma nômade. Logo, alguns poucos preconceituosos moradores de plantão começaram a associar essa delinquência aos recém chegados ciganos.

O problema cresceu para o grupo cigano, quando numa noite de muita chuva, raios e forte ventania, aconteceu um homicídio. A vítima sofreu sete facadas, o corpo do jovem negro logo foi reconhecido por policiais, que devido à extensa folha criminal registrada na vizinha 12ª Delegacia Policial, com várias entradas, e saídas por ser “de menor”.

Esse tipo de crime algumas vezes serve para eliminar criminosos, que por sua ousadia, acabam interferindo na movimentação do hoje já não tão lucrativo comércio de drogas.

A arma do crime foi encontrada enterrada na praia, bem próxima, ou melhor sob o calçadão, lugar usado frequentemente por ambulantes para guardar mercadorias, que a noite são vigiadas por algum morador de rua local, que para tanto, recebe uns caraminguás.

Nessa noite de temperatura amena, muito vento e chão de brilho molhado, praticamente transformou o calçadão num deserto, o que facilitou identificar a presença de um vulto enquanto cochilava.

Nem imaginava, que minutos antes, um cadáver fora descartado na praia, ali no Posto 6, bem próximo ao mercado de peixe da colônia de pescadores locais.

Sua atenção foi despertada pelo ruído da raspagem de algum objeto metálico, que foi enterrada bem distante do corpo, que mais tarde foi identificada pela perícia criminal como a arma do crime, havendo compatibilidade entre o sangue da vítima e alguns resíduos ainda encontrados na faca.

Agora policiais precisariam pressionar os ciganos, para conseguir identificar quem comprou aquela bem trabalhada faca utilizada no crime.

Pedro Alexandre, o cigano especialista na confecção de facas do grupo foi logo indicado por seus companheiros como o artífice especializado nessa arte milenar. O clima começou a ficar nebuloso, quando confirmou que realmente aquela faca era de sua produção.

A dupla de policiais desconhecia que três dias antes, o ferreiro tinha comparecido espontaneamente a delegacia para informar o furto da peça, e atendendo a solicitação do policial de plantão, deixou desenhado um croqui com as características da peça furtada.

Essa informação cortou pela raiz o ímpeto dos dois agentes de segurança, que resolveram momentaneamente dispensar o cigano, e verificar se seu depoimento existia de fato.

No caminho de volta para a delegacia, surgiu a ideia de que tudo pudesse ter sido planejado com antecedência, afinal todo mundo conhece alguma história envolvendo mentira associada a ciganos.

A polícia até se esforçou para solucionar o homicídio, mas prevaleceu a estatística que demonstra que 77% deste tipo de crime não encontra o culpado, um índice ainda maior que a média brasileira que se situa em 61%.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 05/04/2025
Código do texto: T8302443
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