DETETIVE MAURO LOBATO 2 | FINAL
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Faltando alguns poucos passos para sua entrada na rodoviária, uma certa movimentação de agentes que fazem a segurança local acionou o sinal de alerta de Fox que decidiu cortar para uma outra entrada. Chegando lá, mais dois seguranças sacaram os rádios comunicadores olhando para ele de soslaio. Era a hora de cair fora dali o mais rápido possível. A passos largos, quase correndo, Jaime Bastos alcançou a calçada onde havia um taxista encostado em seu veículo aguardando passageiros.
— Está livre?
— Mais ou menos. Estou esperando a chegada de uma…
— O que ela lhe propôs, eu pago o dobro. — Fox transpirava bastante.
— Dá o fora, cara.
O tempo estava passando e Jaime precisava tomar uma decisão.
— Está bem. — Puxou uma arma da cintura. — Sem fazer escândalo. Entre na merda do carro e dirija.
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Na condução da viatura se encontra Lucão. Há seu lado está Mauro recebendo as últimas informações sobre o paradeiro do ladrão de casas.
— Ele abordou um taxista na entrada da rodoviária com uma arma. — Lobato havia encerrado a ligação.
— O seu informante disse exatamente quanto ele tinha dentro da mochila? — Fez uma curva fechada.
— Uns trezentos mil. Por que?
— Não acha que é pouco dinheiro para um sujeito como Fox correr todo esse risco?
— Eu também andei pensando nisso. O que são trezentos mil para um cara que já faturou milhões trabalhando para chefes do tráfico?
A viatura fez uma manobra arriscada assustando os transeuntes.
— Fox está metido em confusão. — Pressupôs Mauro se segurando no painel.
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A cada metro percorrido a ansiedade marca presença fazendo com que Fox pressione ainda mais o cano de sua arma contra o baço do pobre taxista. O lugar onde pretende se esconder até a poeira baixar não está tão longe, mas isso de forma alguma o deixa menos tenso.
— Vai mesmo me matar quando chegarmos lá? — perguntou aos prantos.
— Sim!
— Mas, cara, pra que isso…
— Cale a boca. Dobre a direita.
Estranhamente o local fica muito próximo do DPPSL, mais ou menos uns oitocentos metros.
— Pare ali.
O lugar referido é uma rua sem saída, arborizada e com alguns casebres do início do século. Ao desembarcar o choro do trabalhador que já era um incômodo, passou a ser como uma ladainha infernal.
— Ei, cai fora daqui.
— O que, como assim? Posso ligar antes para a minha mulher e filhos?
— Quantos filhos são?
— Quatro. — chorou.
— Quatro? Você não é fácil não hein. — Riu. — Seguinte. Leva duzentos e compre uma parada legal para as crianças.
— Não vai me matar? — arregalou os olhos.
— Eu marquei sua cara e sei onde você mora. Se você pensar em falar com a polícia, te farei uma visita. Combinado?
— Combinadíssimo.
— Se adianta.
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Quando chegou ao departamento de polícia de Parque São Lopes e em seguida apresentado a Lobato, Lobo teve a ligeira sensação de que não duraria muito tempo ao lado do veterano investigador. Lucão se recorda das primeiras conversas com Mauro ali mesmo dentro da viatura sobre como ele deveria se portar ante a uma ocorrência de alto risco. Na realidade, Mauro Lobato não confiava no instinto policial do novato e duvidava até se o rapaz possuía um. Diferente de seu antigo parceiro, Igor Xavier, Lucas Lobo é cirúrgico em suas deduções.
A pedido de Lobato a viatura seguia a uma velocidade moderada por uma rua secundária alcançando o centro da cidade. O celular do detetive vibrou e tocou em seu bolso.
— Lobato na escuta.
— O taxista apareceu.
Lucão vibrou.
— Fox não o matou? — falou olhando para seu parceiro.
— Não e ainda lhe deu duzentas pratas. Claro que rolou ameaças, mas o cara nem mora na cidade e tão pouco tem família.
— Esse taxista é malandro mesmo e nos ajudou muito. Manda pra mim o endereço de onde Fox desembarcou.
Segundos depois, via WhatsApp, Mauro tinha o local exato em mãos.
— É perto do DPPSL. — Disse Lucas.
— Conhece esse ditado? “desapareça ficando mais próximo?” É exatamente isso que Jaime está fazendo. Vamos lá. Vou acionar outros homens.
*
Desde quando pôs os pés dentro daquela casa enorme caindo aos pedaços e que um dia pertenceu a uma família bastarda, Jaime intercala entre vigiar a entrada olhando pela janela e a porta. Bem segura na mão direita se encontra a arma a qual não se sabe o número certo de munição em seu pente.
Após voltar de mais uma inspeção pela janela, Fox se certificou do conteúdo da mochila mais uma vez, porém agora com mais calma. Ao contemplar os maços de notas de cem, seus olhos brilharam como tochas imaginando o que ele poderia realizar com toda essa grana. Sua prioridade número um seria com certeza, a cirurgia de reparo do estrabismo e a outra uma longa viagem pelo nordeste. Isso sim seria muito bom. Não dando chance para que sua mente vagueie por caminhos os quais podem pôr em risco a sua vida, Fox fechou com ligeireza a mochila se permitindo preocupar-se somente em se manter a salvo. Dentro da casa há tudo o que ele precisa para se sustentar por pelo menos duas semanas: produtos alimentícios, material para higiene básica, uma pequena soma em dinheiro, um celular com acesso a internet e uma muda de roupa. Esse é o chamado kit-fuga, patenteado por ele mesmo.
O pior inimigo de todo fora da lei é a insegurança do silêncio, da calmaria. Pior que uma perseguição no meio da rua com direito a troca de tiros é o sossego instaurado. Pela fenda só é possível ver parte da rua, pássaros cantando animadamente e outros ruídos típicos de uma cidade grande, segura sua onda, Jaime, está tudo bem… de repente uma explosão. A porta feita de madeira bruta se transformou em milhares de pedaços se espalhando por todo o ambiente. Com o impacto, o corpo do ladrão foi lançado contra a outra parede e mesmo com dificuldade para enxergar, Fox viu dezenas de agentes uniformizados invadindo o recinto com suas armas apontadas para ele. Ele também pode ouvir Lobato lhe dando voz de prisão em alto e bom som.
— Seus merdas, olha o que fizeram comigo.
— Vamos, de pé, agora. — ordenou Mauro chutando sua pistola para Lucão perto da janela.
Sangrando pelo nariz, testa e em outras partes do corpo, Jaime mal podia se equilibrar.
— Eu já sou um homem morto mesmo. Vamos, doutor, atire, atire.
— coloque as algemas nele. — Gritou Lucão.
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Felizmente os ferimentos não foram tão graves. Nesse mesmo dia à noite Jaime Bastos foi transferido para a enfermaria sob custódia. Mauro Lobato aguardou todo o processo da transferência para ficar a sós com o detido.
— Eu não tenho muito tempo e nem paciência, então vou direto ao assunto: por que matou a Lua?
— Na verdade, eu fiz um grande favor a ela. — Falou com os olhos fixos na porta.
— Favor? Você pode ser mais específico por gentileza? — Cruzou os braços.
— Quando vão me levar para prisão? — Agora ele olhava para a janela.
— Quanto mais cedo terminarmos aqui, mais cedo você chegará lá. Você me parece em apuros ou estou enganado?
Fox apertou os olhos.
— Ah, quer saber? Aqui ou lá na prisão eles vão me encontrar mesmo, então vamos lá. — respirou fundo. — Lua e eu nos envolvemos com gente barra pesada. Ela devia muito mais do que eu. A gente se uniu e alugamos uma quitinete para elaborarmos um plano a fim de conseguir o dinheiro dessa gente. Eu sondei os bairros da região, escolhi a casa e acertamos a invasão…
— Então a pessoa dentro do carro naquela noite do roubo era a Lua?
— Exatamente. Ela esteve comigo o tempo todo. Nós estávamos juntos.
— Puxamos a placa do veículo e ele está em nome de um tal de José Silva. Você o conhece?
O ar de riso do meliante causou irritação no agente.
— Deve ser um laranja ou proprietário fantasma. Eu nem sei dirigir e Mônica não tinha carro. Eles nos emprestaram a charanga…
— Eles quem?
— Pois bem! Quando Lua viu o que foi roubado daria para livrar a barra dela, ela não pensou duas vezes em tentar ficar com tudo sozinha.
— Então vocês discutiram, brigaram e nessa você a estrangulou.
— Não tinha outro jeito, doutor.
Silêncio.
Mauro andou até perto do leito.
— Quem são eles?
— Eu não queria matá-la. Eu só queria pagar o que eu devia e cair fora…
— A quem você deve, Jaime?
— Eu preciso de proteção. Eles vão vir aqui…
— Eu posso te ajudar, mas antes eu preciso que fale quem são eles…
— Meu Deus, meu Deus. — Pôs as duas mãos no rosto.
Lobato deixava a unidade hospitalar por volta das vinte e duas, um pouco mais tenso do que entrou e também mais furioso por não conseguir extrair tudo o que precisava de Fox. Ele caminhava em direção a viatura quando do outro lado um SUV Toyota Rav-4 deu partida. Agora eu sei quem são eles.
*
— A comida estava uma delícia. — Disse o homem de barba grisalha e calvo.
— E o vinho, gostou? — Denise o segurou no rosto e o beijou.
— Muito bom. Acho que para os próximos encontros vou deixar que você escolha a marca também.
— Hum? Será um prazer. — Outro beijo.
— Tem certeza que não quer que eu passe a noite com você? — A segurou pela cintura.
— Vamos com calma, senhor Lívio, esse é o nosso segundo jantar. Não vamos atropelar as coisas.
— Tem razão. Então… eu já vou indo.
Eles se beijaram demoradamente no portão da casa de Denise vigiados a longa distância por um Lobato com um nó na garganta.
FIM.