DETETIVE MAURO LOBATO 2 | CAPÍTULO 2
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Lobato e Lucas estavam de volta ao conjunto de quitinetes. O rapaz não queria se envolver, mas era gritante o desânimo de seu parceiro desde as primeiras horas do plantão. Se Mauro havia falado duas vezes durante o percurso até ali foi muito.
— Está tudo bem, “portuga”? — Lucão tirou o boné para ajeitar as madeixas.
— Do que me chamou? — parou na entrada.
— “Portuga”. — Voltou a pôr o boné.
— Se você não sabe, o meu sobrenome significa lobo pequeno e pode vir a ser um apelido também.
— Ah, sim. Saquei. Ibérico.
— Exatamente. — entrou. — Porque me perguntou se eu estou bem? Pareço não estar bem?
— Sei lá. Você anda meio calado. — Parou na porta da quitinete.
— Nada muito sério. — Começou a olhar nos cantos dos móveis.
— Tá certo. Eu conversei com o proprietário outra vez e ele me disse que o cara do estrabismo pagou adiantado e em dinheiro vivo o aluguel.
Lobato afastou o sofá.
— Pois é. Ele é esperto. Os peritos disseram que é bem provável que o assassino a tenha apagado antes de matá-la. Lua era uma moça grande, forte, ela não se entregaria tão fácil.
Lucas andou até a porta do quarto onde só havia uma cama de solteiro.
— O vagabundo tomou todo o cuidado para não deixar rastros…
— Sim, mas, tenho certeza que ele deu um mole. Olhe embaixo da cama. — Mauro falava averiguando atrás da TV.
Ainda pensando e sofrendo bastante por ter mais uma ligação ignorada de sua ex-mulher, Mauro Lobato caminhou até o banheiro onde nada viu além de um vaso sanitário imundo, um chuveiro barato instalado mal e porcamente e um pequeno armário branco encardido com espelho logo acima. Abrindo-o também nada viu. O espelho é velho, possui manchas, mas ainda assim Lobato conseguiu ver em seu rosto rugas de expressão e surgimento de linhas acima dos lábios. Caramba, eu estou um caco mesmo. Ao aproximar mais o rosto a fim de espremer um cravo na ponta do nariz, Lobato observou pontinhos brancos no espelho.
— Lucão, venha ver isso. — falou sorrindo.
— Fala, meu mestre.
— Chega mais perto do espelho e me fale o que está vendo além dessa sua cara.
Obedecendo às ordens de seu colega de trabalho, Lucão não estava acreditando no que seus olhos estavam vendo.
— Pois é. Ele não pensou em tudo. — Lucas ergueu o corpo.
— Agora nós temos o nosso assassino.
— Mas, isso pode ser de qualquer um, inclusive de antigos inquilinos.
— Quer apostar? — Deixou o banheiro.
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Enquanto aguardavam o resultado das análises do material colhido na quitinete, os agentes aproveitaram o “tempo livre” para pôr a investigação e a resenha em dia. Eles ocuparam um dos bancos disponíveis no pátio onde há uma bela vista para um jardim, e ali puderam se conhecer um pouco mais.
— Eu já te contei que eu já fui um dos milhares de clientes da Lua, não foi? — Lobato olhava para a entrada do pátio.
— Mesmo casado?
— Pois é. — expirou. — apesar de já nos conhecermos, ela não me deu qualquer desconto. Lua era demais.
— Pode descrever a experiência? — Lucão esfregou as mãos.
— Foram os quinhentos reais mais bem pagos de toda a minha vida. A mulher sabia fazer qualquer homem cair aos seus pés.
— Quinhentos reais, por quanto tempo? — Arregalou os olhos.
— Uma hora no capricho.
Nesse instante uma funcionária apareceu na entrada do pátio acenando com o papel do resultado.
— O DNA pertence a um tal de Jaime Bastos. — Entregou o documento nas mãos de Lobo.
— Você o conhece, Portuga?
— Se trata de um velho conhecido nosso. Fox.
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Enquanto Bianca buscava nos arquivos pelo nome de Jaime Bastos, digitando freneticamente, Lucão a observa segurando meia dúzia de pastas e uma garrafa de água mineral com gás na mão direita. Impressionado com tamanha beleza e sensualidade de sua superior, o rapaz tenta imaginar como seria passar uma noite com ela.
— Achei. — gritou.
— Opa! Vamos ver.
— Jaime Bastos, conhecido pelo vulgo Fox…
— Raposa em inglês, imagino.
— Exatamente! É assaltante a mão armada e invasor de residências. Ele se encontra em nosso radar há bastante tempo.
— Ou seja, não estamos atrás de um ladrão de residências qualquer. Vou passar isso para o Portuga. — Deixou as pastas em cima da mesa e pegou o celular no bolso da calça.
— Portuga? É assim que você o chama? — Girou a cadeira.
Lobo engoliu seco.
— Sim? — Gaguejou.
Godói olhou para o agente. Cruzou os braços e o perguntou sobre como é trabalhar ao lado de um policial veterano, sendo ele, Lucas, ainda um policial em formação.
— Confesso que no início, antes de conhecê-lo, eu fiquei meio receoso, não sabia o que esperar, mas com o passar dos dias, convivendo vinte quatro horas ao lado dele, fui vendo o quão gente boa ele é e também, o quanto Mauro tem a ensinar. É fantástico.
— E se eu o conheço bem, acho que Lobato gostou de você, então. Aproveite bem.
— Sim, senhora.
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Tirando o ódio e o remorso, a culpa é outro sentimento que corrói de dentro para fora. Já foi comprovado que o ódio é nocivo à saúde tanto física como mental. O ódio é capaz de fazer surgir células cancerígenas, por isso, nos é recomendado a liberação do perdão. Perdoar e ser perdoado é a fórmula infalível contra esse terrível mal. O remorso é doloroso e só nos faz refletir no mal que produzimos no outro. Ele não é o contrário de arrependimento. O perigo de ter que conviver com o remorso é o fato de um dia atentarmos contra nossa própria vida, assim como fez Judas Iscariotes.
Ao estacionar em frente a casa onde morava com Denise, Mauro Lobato outra vez se sentiu culpado. O pior homem da face da terra. Ao vislumbrar o portão, o muro, a vizinhança, todo o seu corpo reagiu vindo em seguida às lágrimas. Droga, estou chorando de novo. Denise poderia ter lá seus defeitos como qualquer outro ser humano, mas era uma mulher e tanto. Mesmo brigados, ela nunca o deixou na mão. Lavava, passava, cozinhava, cuidava das coisas de casa como poucas e no entanto ele a trocou por um rabo de saia. Eu não acredito que fiz isso.
Sem muita esperança o agente discou o número e ligou. Três toques. Denise o atendeu.
— O que você está fazendo aqui, Mauro?
Então ela está me espionando, pensou passando o aparelho para a orelha esquerda.
— Ah, oi. É que eu estava passando e aí…
— Diz logo o que você quer?
— Eu queria saber como você está…
— Veio se certificar se eu estou prostrada, derrotada, caída, humilhada…
— Quando você vai me perdoar, Denise?
— Meu amigo, sinta-se perdoado. Vá viver a sua vida em paz. O que passou, passou.
— Eu vacilei, errei com você e estou arrependido. Eu sei que você nunca mais vai me aceitar de volta, mas, eu preciso do seu perdão…
— Mauro, olha só, eu estou ocupada resolvendo alguns assuntos aqui. Se o seu problema é o meu perdão, tudo bem, eu lhe perdoou. Vá em frente.
Lobato apoiou a cabeça no volante e apertou os olhos.
— Era só isso?
— Era. — disse hesitante.
— Então, tchau. — desligou.
Se antes da ligação o seu coração já se encontrava em frangalhos, agora com esse cheque mate ele foi diluído. Lobato passou mais alguns minutos parado olhando para sua antiga rua até que recebeu uma ligação. Era Lucão.
— Fala, Portuga. Veja bem. Chegou uma denuncia aqui sobre roubo de residência. Um casal de idosos teve a casa invadida e levaram cerca de cem mil reais em jóias.
— E quando isso aconteceu? — Fungou o nariz.
— Eles não sabem. Os velhos foram passar o final de semana na casa de parentes e quando voltaram tudo tinha sido levado. Por que? Você acha que pode ter alguma ligação com o tal de Fox?
— Não sei, só estou tentando unir as peças. — falou de olho no portão.
De repente o portão se abriu e Denise apareceu com algumas bolsas embaixo do braço, ela vai ao mercado. Devo buzinar?
— Quero prioridade nessa denúncia. Verifique tudo. Mais tarde estarei aí. — Ligou o carro.