DETETIVE MAURO LOBATO | CAPÍTULO 2

2

Tentar proteger toda uma cidade de ações de marginais perigosos como Mexicano requer esforço, estratégia e também uma bela dose de boa vontade. Mauro Lobato, muito antes de ser chefiado por Bianca, precisou fazer uso desses requisitos para pôr as mãos no líder da família Soares. Foram anos de noites mal dormidas, intermináveis escutas e até confrontos diretos com seus membros. Numa dessas incursões, Igor Xavier por pouco não teve o braço dilacerado por um disparo de fuzil. Já Barbosa não teve a mesma sorte. O soldado foi alvejado duas vezes no peito e ainda caiu de uma altura de dez metros. Morte na certa.

Com a prisão do chefe dos Soares, a captura do restante do bando foi uma questão de tempo. Nos interrogatórios o velho Agenor Soares só abria a boca na presença de seu advogado e mesmo quando abria não falava nada muito importante. Lobato decidiu então sair em caça aos fugitivos. Demorou, mas ao final de cinco meses todos da família se encontravam trancafiados num presídio de segurança máxima fora de Parque São Lopes.

Hoje a realidade é mais ou menos parecida. A prisão de Mexicano significa menos drogas circulando nas ruas e comunidades, menos assaltos a caminhões com cargas milionárias nas estradas e menos homicídios em confrontos.

— Caracas, eu não estou acreditando. Falta pouco para tudo isso acabar. — Igor praticamente jogou o fone de ouvido para o alto.

— Belo trabalho, rapazes. Será uma noite e tanto. — disse Godói olhando para Lobato.

— Obrigado, doutora. Igor e eu vamos ao Cana Caiana, temos muito o que fazer ainda.

— Positivo! Mas antes preciso falar com o senhor em particular. — apontou a porta para Mauro.

*

O lugar é apertado e abafado, onde somente o irritante ruído do motor da velha geladeira é ouvido dentro daquele cubículo que chamam de depósito. Bianca deu um jeito de arrastar seu subordinado até lá e o atacou.

— Menina, você é louca, no meio do plantão. — falou enquanto tem o zíper da calça jeans sendo aberto por sua chefe.

— Toda essa tensão me deixou pegando fogo. Preciso relaxar.

— Não tem como esperar até mais tarde?

— Não deixe para depois o que você pode fazer agora.

*

Minutos depois, um pouco mais relaxada, Bianca, a filha caçula do ex policial Marcos Godói e da enfermeira Núbia Lira, relembra com saudade enquanto reorganiza sua mesa, do tempo em que era somente uma universitária sonhando com os dias nos quais hoje ela vivencia. Dona de uma beleza única, a jovem delegada de trinta e quatro anos já experimentou uma meia dúzia de relacionamentos e nenhum deles lhe trouxe satisfação plena. Alta, branca, cabelos negros, lisos e bem tratados, há quem fale de sua semelhança com atriz Flávia Alessandra, coisa que a deixa no mínimo envaidecida. Mas fato é que Godói nunca encontrou felicidade em seus romances e para compensar essa falta ela prefere embarcar em aventuras perigosas que podem acabar destruindo outros relacionamentos já estruturados, como o de Lobato e Denise.

*

Sem dúvidas o Cana Caiana é o que se pode chamar de referência da alta gastronomia. No estacionamento já é possível ter esta sensação. Igor olhou para sua fachada e por um momento o policial se perdeu no meio de tanta informação.

— Nossa! Como se entra neste lugar? — Disse boquiaberto.

— Calma. Logo logo seremos recepcionados por uma funcionária linda e sorridente. — Lobato se ajeitou.

Dito e feito. Uma mocinha, devidamente uniformizada, apareceu lhes dando as boas vindas. Ela os conduziu até o interior do estabelecimento onde o movimento já era grande naquele horário da tarde.

— Fiquem à vontade senhores. O nosso garçom irá atendê-los. — falou antes de se afastar.

Bonito, espaçoso, bem iluminado, do jeito que Mauro Lobato imaginou que seria. Ele também reparou no bom número de câmeras de segurança estrategicamente instaladas no salão e fora dele também. Mexicano está no papo, pensou vendo o garçom se aproximar.

— Boa tarde. Já querem fazer os pedidos?

— Boa tarde. Sim. Qual o prato do dia? — Lobato esfregou as mãos.

— Nós temos três opções. — Lhes mostrou no menu.

Mauro optou pelo número três que seria o macarrão penne com legumes. Igor odiou a escolha do parceiro.

— Vir ao Cana Caiana para comer macarrão com brócolis e cenoura é fogo, hein.

— Não se esqueça, o nosso objetivo aqui é planejar a prisão do Mexicano e não um jantar a luz de velas. Já fez suas anotações?

— Claro que já. Será preciso um volume maior de homens aqui dentro e lá fora. Fechar o perímetro de pelo menos uns dezesseis quilômetros.

— Ótimo! Será a noite das noites.

*

Genivaldo desceu do carro vestindo seu traje habitual. Calça jeans, camisa azul claro de mangas compridas e sapatos marrons bem engraxados. No rosto a serenidade de quem tem o domínio total da situação. O lugar é um armazém desativado onde os antigos proprietários armazenavam de tudo, até combustível. Mexicano o adquiriu para fins nada convencionais. Juntamente com meia dúzia de capangas ele entrou ao lugar tremendamente incomodado pelo volume de poeira e o cheiro insuportável de desinfetante no ar. Do bolso da calça foi sacado um pequeno lenço branco para a proteção de suas vias respiratórias.

— Temos que acabar logo com isso. — tossiu seco. — Cadê o desgraçado?

— Lá trás, senhor. — respondeu um sujeito negro de feições bem raivosa.

Sim, na parte de trás onde a poeira e o cheiro já eram mais amenos havia um cidadão amarrado a uma cadeira de ferro com sérios hematomas por todo o corpo. Ao ver o bandido chefe cruzar os portões, ele não conseguiu conter a urina. Agora eu morro.

— Me perdoe os maus tratos, é que meus homens não sabem diferenciar um simples aviso de uma punição severa, mas eu acho que você vai ficar bem, não é?

— Assim espero. — cuspiu sangue.

— Então. Depois de tudo o que passou, você ainda quer seguir medindo forças comigo? Já aviso logo, essa é uma guerra perdida.

— Prefiro morrer do que me juntar a você. — cuspiu outra vez.

— Você é durão, hein. — olhou para os ferimentos. — Veja bem, meu chapa, Parque São Lopes é pequena demais para nós dois e infelizmente para você, eu estou na vantagem. Eu estou lhe dando a oportunidade de viver. Trabalhe para mim.

— Meus companheiros foram todos mortos. Acha mesmo que vou conseguir viver bem sob seu comando?

Mais dois passos e Mexicano ficou frente a frente com seu rival. Foi possível ver o desespero da morte nos olhos dele.

— É a sua última palavra? — Acocorou-se.

O hálito de uísque e nicotina de Genivaldo foi respirado por seu inimigo que nada respondeu.

— Quem cala consente. — Ergueu-se.

Ao dar as costas Mexicano autorizava a execução de um de seus principais rivais em Parque São Lopes. Enquanto caminhava em direção a saída, seus ouvidos captaram o som do disparo explodindo o crânio do sujeito. Esta cidade é pequena demais para dois chefões.

*

Mauro e Bianca se divertem como dois pervertidos entre quatro paredes sob a luz fraca de um quarto de motel zero estrelas. Quem mais perde a linha na hora da sacanagem, por incrível que pareça é a delegada que faz de seu policial gato e sapato.

— Vamos mudar de posição…

— Mas meu bem, eu não aguento ficar de ponta cabeça por muito tempo, vai atacar minha labirintite.

A festa no apê seguia cada vez mais quente enquanto que na calçada do outro lado da rua, Denise tentava adivinhar qual das janelas pertence ao quarto onde seu marido transa com sua chefe.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 20/12/2024
Código do texto: T8223291
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