O caso do advogado suicida (parte 2)
Neste momento, a porta abriu de repente, dando passagem a uma figura muito vivaz e uma voz irrompeu dizendo maliciosamente:
– Por causa da quantidade de sonífero contida no estômago dela... Não é, Mike?
– Alô, Melissa! Você ainda me mata com essas suas chegadas repentinas... – Cumprimentou-a Mike. – Mas, realmente foi por isso! Como sabe?
– Você estava escutando nossa conversa? – Acusou John, levantando-se da cadeira, visivelmente irritado.
– Sim e não, querido detetive! – Respondeu com aquele sorrisinho tão conhecido... – Eu estava investigando o possível e certeiro paradeiro de um dos meus inquéritos sobre envenenamento, mas acho que minhas buscas acabam aqui... Quanto à conversa de vocês, eu já estou a par dos acontecimentos e também conhecia a tal secretária... Era minha prima!
– Caramba, Melissa! Eu sinto muito... – Falou comovidamente Mike.
– Tudo bem, ela era uma prima afastada... – E, encarando John, disse: – Parece que você anda interessado em envenenamentos... detetive... – Como sempre a última palavra fora bem frisada.
– Estava apenas revisando fatos... – Defendeu-se ele.
– Hmmm... Procurando erros... E encontrou algum? – Devolveu ela no mesmo tom...
– Harven, já que está aqui, por que não desvenda mais este crime, heim? – Provocou John, desviando-se da pergunta.
– Por que não, não é mesmo? Já faço isso há tanto tempo... – Riu-se ela.
– É, bem que poderia! Você parece conhecer os fatos, então não será difícil para você...
E se tratando de uma prima sua... – Encorajou Mike.
– É verdade... Mas, era uma prima distante e mesmo assim fiquei chocada. Ela quebrou o pescoço na queda, não foi?
Mike balançou a cabeça enquanto puxava uma cadeira para que a especialista se sentasse, o que deixou John, bastante incomodado... A presença dela ali, na sua sala... era demais! Um abuso! Mas, Melissa, muito tranquilamente, deixou-se cair confortavelmente na cadeira que Mike lhe oferecia. Ela estava muito segura do que ia dizer.
– Bem sabemos que o velho se matou por conta da falência próxima, mas o que dizem vocês se eu contar que ele morreu porque estava prestes a ganhar uma bolada?
– Isto não faria o menor sentido... – Respondeu Mike, piscando várias vezes.
– Talvez faça, Mike, se soubermos de onde viria esse dinheiro e o porquê desta doação... – E, virando-se para Melissa: – Creio que já tem respostas para estas perguntas, não é?
– Sim, já as tenho... – Respondeu brincando com um chaveiro de John.
– Então...? – Perguntou Mike, ansioso por elucidar o crime…
– Conhecem por acaso Lady Clarisse Fontênova? – Perguntou, ainda distraída com o chaveiro de John.
– Ouvi falar dela. Uma senhora idosa, não é isso? Ela morreu recentemente. Morte natural ao que parece... problemas cardíacos... mas, o que tem haver com a sua prima? – Inquietou-se Mike.
– O tal advogado estava cuidando do testamento dela? – Perguntou John, fingindo não demonstrar interesse no caso.
– Sim, estava.
– E quem eram os herdeiros? – Quis saber de novo John.
– O herdeiro deveria ser seu sobrinho neto, mas este é um tremendo mau caráter, por isso ela não o beneficiou com a sua herança.
– Então este herdeiro não satisfeito resolve impedir que o testamento seja escrito, mata o advogado contratado pela tia, logo depois espera a tia morrer (ou cuida para que aconteça logo) e pela lei, ele é considerado o herdeiro universal, já que a pobre coitada não teve a chance de expressar sua última vontade... – John deu um suspiro de tédio. – Bravos, Melissa, bela solução! – Ironizou ele, batendo palmas.
Melissa deu uma gargalhada, movendo a longa cabeleira escura, deixando os dois homens estarrecidos.
– Como pode ser tão simplório? É claro que não é só isto, todo crime premeditado, tem um bom motivo e uma boa trama... Se o problema era impedir o registro, ele poderia sair matando todos os advogados que a tia contratasse, mas, não é esta a trama! Uma saída segura seria matar a tia... E pronto! Não se falava mais no assunto, afinal ela era bem velha! Por outro lado, a questão é: qual a necessidade de se eliminar o advogado e logo depois a tia? O que me diz, John, agora com os fatos colocados desta forma?
– Considerando que você é uma intrometida, como eu poderia adivinhar que o tal advogado estava cuidando deste testamento em particular? – Perguntou John, sarcasticamente.
– Sabe qual é o seu problema? Você nunca pergunta por quê. Ater-se aos fatos não basta. Temos que buscar a raiz do mistério...
– Aceitarei isto como uma crítica construtiva... – Disse John, para encurtar a discussão. – Estamos aqui há quase uma hora e este nó ainda não foi desatado e tem mais... se por um acaso eu for a próxima vitima...? Afinal ela morreu depois de ter me contado o que suspeitava... – Interveio Mike.
– Você está certo, Mike! É provável que alguém estivesse por perto e ouviu a conversa... Alguém que já sabia das suspeitas de Anna. – Concluiu Melissa.
– Anna era o nome dela... agora sei porque tanto medo... tenho certeza que ela sabia que estava sendo seguida... – Murmurou Mike.
– Com toda a razão, Mike! Mas, uma carta foi encontrada convenientemente após o achado do corpo, ou seja, o assassino teve a chance de voltar lá e forjar a cena de suicídio... Anna com sua chegada repentina o atrapalhou na hora que estava concluindo os serviços... o mesmo dir-se-ia da pistola que foi arranjadamente posta perto da mão do advogado...
– Até agora você só teceu suas tramas e não nos mostrou quadro algum... – Irritou-se John.
– Não consegue ver? – Perguntou a detetive e virando-se para Mike: – Mike, pode dizer quem foi a única pessoa com a qual Anna teve contato no dia do suposto suicídio? E com quem ela falou depois sobre suas suspeitas em primeira instância? Quem além dela estava lá no dia da morte do advogado? E mais: quem poderia entrar, movimentar-se e sair do prédio sem causar suspeita alguma? – O semblante de John iluminava-se a cada pergunta... Quanto a Mike, limitava-se a uma careta de dúvida e total desconhecimento...
– Assim você me atrapalha, Harven! – Desabafou o legista.
John, com um sorriso de quem descobriu a pólvora, aproximou-se de Melissa, dando-lhe tapinhas nas costas:
– Você é diabólica, mas tem toda a razão... agora vai dizer o motivo dos três crimes...?
Melissa sorriu antes de começar a falar. Era a sua deixa e isto a deliciava intimamente... principalmente por ver John esperando mais uma vez por sua última palavra em um caso que era dele.
– O advogado Harry Pence iria se casar com Lady Fontênova, sendo, portanto, o único beneficiário de seu testamento. O sobrinho dela que ele ajudara indicando-lhe a vaga de porteiro do edifício, não gostara nada da idéia e aproveitou-se do novo emprego para livrar-se de dois problemas: o advogado que escreveria o testamento e o herdeiro de toda a fortuna da tia! Logo, ele percebeu que o advogado estava sendo muito discreto em não contar de suas bodas com a velha senhora. O sobrinho inteirou-se da situação financeira do futuro titio e descobriu que ele estava em maus lençóis. Como o universo até aí conspirara a seu favor, digitou a tal carta, planejando o suicídio do advogado. Depois foi a parte mais fácil... no dia de execução do plano, disse ao advogado que sua querida tia iria visitá-lo em seu escritório. A partir daí é fácil imaginar o que houve... O porteiro aproveitou a saída de Anna para subir até lá, dar um tiro na testa do tio e quando estava “arrumando” a cena do crime, ela apareceu de repente e aí imagino que ele tenha saído pela escada de incêndio atirando a pistola a esmo, logo depois, Anna encontrou o corpo e começou a gritar, ele foi até ao encontro dela pelas escadas já que, ele havia parado o elevador durante a fuga, para que ela não chegasse rápido demais a entrada do edifício. Provavelmente, também, mandou que ela o esperasse enquanto ele subia até o escritório para verificar o que estava acontecendo...
– Depois, foi mais fácil ainda. Matar velhas tias não dá muito trabalho... – Completou John.
– É. Ele usou cicuta, que é muito rica em estricnina, um veneno natural poderoso. – Explicou Melissa, especialista em venenos.
– E quanto a Anna? – Perguntou Mike.
– Anna sabia demais ou pensava que sabia demais, pois ainda voltou lá duas vezes. A primeira para relembrar o dia do crime, aí ela teve certeza de que havia sido assassinato e errou quando dividiu esse pensamento com o porteiro...
– Mas, por que ele continuou trabalhando lá? – Mike empertigava-se ainda mais com as idéias de Melissa e John.
– É óbvio, Mike! Ele tinha medo do plano não dar certo, não queria se arriscar e assumir-se publicamente como herdeiro, afinal ainda havia uma ponta solta: Anna! – Respondeu John, impaciente.
– Entendo. Ele a seguia, mas ela não sabia que era ele! Foi isso! Ele nos viu conversando! Tanto ela quanto ele acharam que eu era policial, aí ele a matou! –
Declarou Mike, muito excitado.
– Que bom que você entendeu! Já estava na hora! – Brincou John. – Sobre essa terceira morte, Melissa, creio que o sobrinho, que já sabemos tratar-se do porteiro do edifício onde ficava o escritório do tal advogado, a chamou no dia seguinte ao encontro dela com Mike para conversarem, provavelmente sobre o crime. Então, ela foi até o edifício, onde ele deu a ela uma bebida contendo sonífero e com a desculpa de mostrar alguma evidência ou prova ou qualquer coisa, levou-a até as escadas e aproveitando-se da tontura provocada pelo remédio, atirou-a de lá de cima.
– Parece que você está aproveitando as aulas e os conselhos, John! Agora, detetive, me esclareça um detalhe: por que usar as escadas do edifício para cometer este terceiro assassinato?
– Boa pergunta, Melissa! – Bradou Mike.
– Neste assassinato, ele cometeu um erro: usar o mesmo local do suicídio, correndo o risco de atrair olhares de suspeita para si, mas também foi por motivos práticos.
– E quais seriam, detetive? – Perguntou Melissa, sorrindo de satisfação.
– O único local coletivo do prédio que não possui sistema de câmeras e era, digamos, confortável, matar sem ter que justificar a ausência do trabalho! – Respondeu John. – Satisfeita? Parece que temos uma prisão a fazer, Harven! – Concluiu o detetive, encaminhando-se para a porta.
– Ufa! Eu pensei que seria o próximo! Caramba! O nosso assassino teve astúcia e sangue frio...
– Sentenciou Mike.
– Para um crime planejado há bastante tempo, concordo com você, mas ele não podia contar com o acaso de um molho de chaves esquecido... – Disse Melissa, abraçando o amigo legista e sorrindo para John de um modo que fazia com que sentisse vontade de matá-la... como era de costume...