DETETIVE MAURO LOBATO | CAPÍTULO 1
Detetive Mauro Lobato
1
Igor Xavier, o segundo investigador mais experiente do departamento de polícia de Parque São Lopes capitaneado por Bianca Godói, a mais nova delegada da cidade, a serviu com uma generosa caneca de café enquanto que a mesma tem sua atenção voltada para o seu parceiro escrevendo na lousa branca. Lobato fez um círculo perfeito usando um piloto de cor vermelha em torno do nome do lugar onde possivelmente, Genivaldo Gomes, o Mexicano, fechará o acordo com o seu mais novo fornecedor de entorpecentes.
— Será no Cana Caiana, o senhor está certo disso, oficial? — Questionou Godói cruzando as pernas.
— Temos horas e mais horas de escutas, delegada. Mexicano conversa com esse tal de Zeus quase que diariamente e o Cana Caiana foi mencionado por ele. — Lobato cruzou os braços.
— Zeus? — Bianca tamborilou com os dedos na mesa.
— Pertence à mitologia grega — começou Xavier. — significa Pai dos Deuses, Rei do Olimpo.
— Putz! Essa raça de marginais não tem mais o que inventar quanto a vulgos não é? — seguia tamborilando com os dedos. — Ok, e qual o próximo passo?
— Xavier e eu faremos uma visita ao Cana Caiana e depois sim, iremos preparar a arapuca.
— Perfeito. — bateu forte na mesa. — Terminamos por aqui?
— Sim, senhora. — Disse Lobato.
Godói voltou rapidamente para o seu gabinete enquanto que os dois agentes seguiam na elaboração do plano de prisão do chefe do cartel de drogas de Parque São Lopes. Lobato vem em seu encalço e não é de hoje. Desde quando surgiram os primeiros rumores sobre uma poderosa organização criminosa que tinha como intuito o domínio total das ruas desta pequena metrópole, Mauro e toda sua equipe se prontificaram em cortar o mal pela raiz. Das doze tentativas apenas três obtiveram sucesso, mas nada muito significativo. Na época Lobato evitou que uma caminhonete com quatrocentos quilos de maconha chegasse nas entranhas da principal comunidade da região. Houve uma intensa troca de tiros. Um policial acabou sendo ferido gravemente, mas sobreviveu, porém o bandido não teve a mesma sorte. Sucesso? Talvez para alguns. Lobato na verdade queria que Mexicano estivesse dentro daquele saco de corpos ou invés de seu soldado.
— Vamos mesmo ao Cana Caiana? Ouvi dizer que o prato mais barato lá é o valor do meu soldo. — Xavier guardava as pastas no arquivo.
— Fique tranquilo. Não vamos comer ou beber nada naquele lugar. Só iremos conferir de perto onde possivelmente aquele merda será agarrado. Não vejo a hora desse dia chegar. — Esfregou as mãos.
— Pelo visto você o odeia com todas as suas forças. Cuidado. Não podemos levar nada do que acontece aqui para o lado pessoal. — Fechou o arquivo.
— Tem razão. Eu não deveria ter deixado esse ódio me dominar e agora é um pouco tarde para mudanças. Mexicano vem se safando todo esse tempo e isso ajudou a alimentar esse terrível sentimento que tenho por ele. — sentou-se na ponta da mesa.
— Bom. Nosso turno acabou de terminar. — conferiu às horas no relógio de pulso. — Vamos tomar uma "breja"?
— Hoje não vai dar. Vou direto para casa. Preciso ajustar algumas coisas por lá. Fica pra próxima.
— Show. Fui!
*
Bianca Godói chegou ao seu terceiro clímax depois de cavalgar durante dez minutos no colo de seu agente deitado naquela cama de motel de beira de estrada. Exausta, mas extremamente satisfeita, a delegada repousou seu corpo esbelto sobre o de Lobato que não teve como resistir a energia que emanava da mulher.
— Eita novinha, você está demais hoje.
— Novinha? Olha lá como fala com sua superior, hein. — O beijou na boca.
— Você precisa entender que eu não sou mais um garotão de vinte, trinta anos. — Lobato a acariciava nas costas.
— Esses moleques de hoje não estão com nada, prefiro coroas, vocês sim dão conta do recado.
— Obrigado pela parte que me toca. — esticou o braço até alcançar o celular. — mas agora preciso ir, está ficando tarde e você sabe como dona Denise é. O estresse em pessoa.
— Ah, sério? Queria brincar mais um pouco. — O abraçou forte.
— Vamos com calma doutora Godói. O meu santo é de barro.
— Está certo, mas, promete que da próxima vez vamos passar a noite toda juntos?
— Prometo. — a beijou na testa.
*
Por volta das vinte e duas e cinquenta Lobato deu as caras em sua residência que fica há alguns longos quilômetros do DPPSL encontrando sua mulher quieta porém visivelmente irritada. Denise olhava para a programação na TV sentada com as pernas em cima do sofá fingindo estar concentrada. Mauro a conhece bem e também sabe como esta história vai terminar, por isso ele evitou o confronto agindo naturalmente.
— Oi, Mozão? — Deixou seus pertences em cima da mesa.
— Olá! — ela mal olhou para ele.
— Comprei comida japonesa…
— Obrigado, eu já jantei.
Engoliu em seco.
— Me desculpa a demora. Você sabe que eu estou encabeçando a operação, então…
Lobato acompanhou sua esposa se apossar de forma ríspida do controle remoto e aumentar o volume do aparelho de TV bufando sem parar. Era a hora de tirar seu time de campo.
Há trinta anos, durante as comemorações da conquista do tetracampeonato do mundial de futebol nos Estados Unidos, Denise e Mauro se olharam pela primeira vez e após este dia eles não se desgrudaram mais. Ao presenciar aquela belíssima morena de cabelos cacheados, olhos cor de caramelo balançando o quadril naquela roda de samba, o coração do então sargento das forças armadas Mauro Lobato o informou que ela seria a mulher da sua vida. Dito e feito. Vinte quatro meses após este encontro eles contraíram núpcias e foram morar a priori num sobrado no terreno da família da noiva.
O sonho de ambas as partes era, e de uma certa forma ainda é, de serem pais de um casal de filhos. Após uma bateria de exames foi descoberta a esterilidade de Denise e isso abalou e muito a união. Durante mais uma discussão sobre quem tinha culpa nessa história, surgiu um assunto sobre adoção, coisa que Lobato fez questão que ela esquecesse de uma vez por todas.
— Conheço casais que adotaram e hoje vivem um verdadeiro inferno. Eu não quero isso para nossa vida, Denise.
— É injusto da sua parte, isso não é via de regra. Há casais que adotaram e que hoje são felizes com seus filhos. — Declarou aos prantos.
O assunto adoção não terminou ali, ainda viriam outras pesadas discussões que ajudariam alimentar ainda mais o desgaste da relação. Denise e Mauro já não se conhecem mais, não confidenciam mais e o que é pior ainda, foram vencidos pela dura rotina.
— Ok! Vou para o quarto. O plantão foi puxado. Boa noite.
— Boa! — mal deu para ouvir a resposta.
Assim que se viu sozinha, a dona de casa fez com que sua fragilidade aflorasse juntamente com a raiva. O celular foi resgatado em meio aos travesseiros onde a foto de perfil do Instagram de Bianca Godói saltava na tela.
*
Na mesa de café da manhã de Genivaldo Gomes não pode faltar: pão fresco, bolo de cenoura com cobertura de chocolate, ovos mexidos, queijo Minas, suco de laranja e é claro o pretinho que todo mundo ama. Durante o seu santo desjejum, que acontece impreterivelmente às sete da manhã na cozinha de sua casa, que fica na região de mata de Parque São Lopes, tanto dentro como fora da residência, há homens circulando para cima e para baixo, portando armamento pesado fazendo a segurança do chefe. Mexicano, como é conhecido no meio do crime, não admite falhas no sistema de segurança que ele mesmo organizou. Muitos dos grandes líderes que ele conhece ou conheceu, foram presos ou mortos durante suas refeições por displicências de seus guardas costas.
— Com licença, senhor. Zeus no telefone. — Informou um comparsa saindo da sala.
Antes de pegar o aparelho, Mexicano conferiu o horário em seu relógio de pulso. Pontualmente às sete e meia. Incrível.
— Fala? — olhou para seu soldado e o dispensou.
— Eu já estou na cidade. Vamos resolver logo este negócio ou não?
— Você já tem o material?
— Sim! Estou olhando para ele neste momento.
— Como eu falei. Gostaria muito que fosse no Cana Caiana…
— Você cismou com este restaurante. O que há de tão especial lá?
— Ambiente familiar, bom atendimento e uma comidinha caseira dos deuses. Você vai gostar.
— E a polícia?
— O que tem a polícia? — franziu o cenho.
— Se certificou de tudo, já mexeu os pauzinhos?
— Com quem pensa que está faltando? Eu não comecei ontem nesse negócio, meu querido.
— Está certo. Podemos marcar nesse tal de Cana Caiana amanhã a noite então. Às vinte e duas em ponto.
— Já estarei lá.
A ligação foi encerrada.
Longe dali, no departamento de polícia, Lobato, Igor e Bianca comemoram em silêncio o sucesso de mais uma escuta.