COMO SUBIR NA VIDA
Existem atividades de risco que realmente exigem do sujeito dose elevada de otimismo, exigindo de quem se propõe ao ato, também uma autoestima do tipo portenha.
Ações arriscadas têm como principal empecilho a ausência de controle das variáveis envolvidas, claro que um planejamento detalhado do que se pretende realizar contribui de maneira significativa para o sucesso da empreitada.
Não sei se você caro leitor, se deu conta, mas esta introdução genérica tem como objeto alguma atividade criminosa a ser efetivada.
Nesse momento, vou apresentar pequena passagem na conflituosa vida do capitão Arnaldo Peçanha, uma espécie de laranja podre, que sozinho interfere no sabor final do suco cítrico.
Do alto de seus 35 anos, a maior parte desse período dedicado a Polícia Militar. Arnaldo é casado, tem três filhos, e reside ali no Catumbi, naquele conjunto habitacional construído no espaço antes ocupado pelo Presídio Lemos de Brito.
Arnaldo nunca foi muito chegado ao estudo, conseguiu completar o ensino fundamental literalmente aos trancos e barrancos, algumas vezes se utilizando de métodos bastante coercitivos, aproveitando sua estrutura física, sempre foi o maior e o mais avantajado aluno da turma.
Muitos coleguinhas de turma temiam seu vigor físico, sempre que possível evitavam dividir bola com o “Negão”, um apelido que ele incorporou de vez, e assim, ninguém mais lembrou seu nome de batismo.
Sabe como é a vida desse povo mais simples, ao invés de cursar o ensino médio, conseguiu o emprego de carregador numa loja de material de construção, logo na entrada da favela, onde residia no bairro do Rio Comprido.
Os anos passando, e tudo levava a crer que esse emprego do Negão seria o primeiro e único, gostava do que fazia, seu chefe era só elogios pro Negão, volta e meia até dava um agrado, pois carregava e descarregava um caminhão com destreza única.
Continuava a jogar sua pelada as quartas à noite e no domingo pela manhã, num campo ali pertinho de casa, na Avenida Francisco Bicalho. Mesmo atuando como zagueiro, era sempre o primeiro a ser escolhido, quando se dividiam os times. O Negão se impunha na defesa, tinha estatura e velocidade, poucos se atreviam a dividir uma bola com ele, para alegria do goleiro de seu time, que normalmente eram pouco acionados.
Numa das muitas resenhas, regada a cerveja e acompanhada de batata frita conheceu Olinto, sargento da PM, discreto lateral direito, mas fora das quadras exibia cordões de ouro, carrão do ano e roupas de grife estampada, o que evidenciava para todos, forte indício de incompatibilidade entre o salário da corporação e suas despesas.
Olinto, corrupto por vocação, e claro, um otimista de carteirinha, não se preocupava nem um pouco de declarar, principalmente depois dos efeitos etílicos, não escondia de ninguém que os vencimentos da corporação são baixos, tanto é que seus colegas, em sua maioria precisam atuar como seguranças nos dias de descanso para complementar seus vencimentos.
Ele optara por uma linha de pensamento, extorquia com a desculpa de dar segurança aos comerciantes na sua área de atuação. Seu comandante organizara um pelotão especial, que dispunha de licença para matar, seguindo aquela máxima que parte do seguinte princípio: “bandido bom, é bandido morto”. Como não gostava da mídia por perto, evitava que eventos acontecessem em sua jurisdição, algumas vezes até despachando para outro bairro os presuntos locais, inclusive aqueles que por alguma audácia resolveram agir no seu território.
Não deu outra, mesmo sem muitos recursos acadêmicos, o Negão botou na cabeça que queria, por que queria, passar no concurso da PM, e logo que fosse possível, fazer parte desse pelotão especial. Na terceira tentativa, enfim conseguiu ser aprovado, com desempenho excepcional nas provas físicas.
Tudo ia às mil maravilhas, até que alguém resolveu acoplar essas malditas câmeras, que em tese pelo menos, passariam monitorar os passos de cada membro da corporação, claro que inicialmente apenas 20% da tropa recebeu o equipamento.
Aí entra o fator otimismo, Olinto fez as contas e chegou à conclusão que seria impossível controlar tantos vídeos, bastou fazer uma conta simples, 9.000 câmeras x 24h = 216 mil horas por dia.
“Então tudo permaneceu como dantes, no quartel de Abrantes”, podem desligar o aparelho em momentos cruciais, alegar que a bateria descarregou, ou mesmo impedir com algum objeto imagens geradas.
Esse pelotão se manteve atuando da mesma forma, apenas desligavam a filmagem na hora de receber a propina, ou colocavam um band-aid desses transparentes que deixavam a gravação opaca, impossível de distinguir o que foi gravado.
Hoje, tanto o Olinto, como o Negão parecem a famosa dupla de Cosme e Damião, mas segundo outra dimensão, dirigem carrões da mesma marca e ano, abusam dos cordões de ouro e das vestimentas de estampa coloridas quando estão a paisana.