CRIATIVIDADE SEM FIM
O noticiário dos jornais na manhã chuvosa daquela quarta-feira apontava para um fato ainda inédito nas folhas policiais, o sequestro de um casal de crocodilos do zoológico da cidade.
Isto provavelmente devia ser a excentricidade de algum milionário, que talvez quisesse lembrar quem sabe um saudoso passado pantaneiro.
O grupo usando máscaras ninjas arrombou a entrada lateral da instituição, em seguida um caminhão do tipo basculante cruzou rapidamente as estreitas aléas do Jardim Zoológico até o fosso dos pesados répteis.
Como crocodilos permanecem estáticos diante de focos de luz forte, isto facilitou a ação dos gatunos, que rapidamente lacraram sua enorme boca, agilizando sua captura. O caminhão dispunha de monta carga, equipamento imprescindível para a retirada desses répteis do fosso, bom lembrar que esses gigantes rastejantes chegam a atingir 7 metros de comprimento e pesar uma tonelada.
As câmaras do zoológico captaram toda movimentação dos ladrões, apesar da pouca iluminação, mas os filmes não permitiam identificar os sequestradores, todos usavam tocas do tipo Ninja.
Alguns meses depois surgiram rumores de que no alto da favela do Barão, bairro da Praça Seca, traficantes estavam usando uma antiga e desativada caixa d’água da CEDAE, que no passado serviu para distribuição de água para boa parte dos bairros de Jacarepaguá.
Assim como algumas favelas faziam uso do micro-ondas para eliminar concorrentes ou traíras, Pedro do Buraco criara uma nova modalidade de dar fim para justiçados pela milícia ou pelo tráfico. Pedro do Buraco conseguia agradar simultaneamente a gregos e troianos, sem preconceito.
Pedro ganhara esse sobrenome estranho, depois que um Câncer de orelha, destruiu sua cartilagem do lado esquerdo, restando nessa lateral apenas um orifício de grandes dimensões.
Pedro do Buraco passou a sobreviver de maneira sui generis, cobrava uma taxa por presunto desaparecido, e fazia promoções, a mais comum era a que dava desconto de 33% no preço, ou seja, pagando uma taxa dobrada, o usuário podia dar fim a três carcaças humanas.
Agora, a atividade de maior lucro per capita oferecida, e envolvia sempre algum concorrente atrevido, e nesse caso, Pedro do Buraco cobrava alto pelo espetáculo, que permitia a presença de interessados em assistir essa forma sádica de eliminar alguém.
Para a coisa funcionar como a plateia apreciava, Pedro deixava os animais em jejum por até três dias. Ele montara uma engenhoca composta de duas traves enterradas nos extremos da caixa d’água, um mecanismo fazia o cabo subir de um lado, em seguida, liberava o freio e o sujeito descia em direção à outra trave, vice-versa.
Num primeiro momento o sentenciado ainda conseguia recolher as pernas, mesmo assim os répteis levantavam as mandíbulas em busca do alimento ainda em movimento.
Com o tempo passando, o cansaço se abatia sobre a vítima, e fatalmente pernas acabavam ao alcance dos esfaimados animais, que arrancavam pedaços a dentadas. A sádica plateia fazia lembrar os sanguinários espetáculos romanos em arenas como o Coliseu, apenas com uma pequena diferença, o público era restrito e tudo acontecia muito próximo, e os meliantes vibravam com a carnificina generalizada.
Como interessava a muita gente, esse pequeno templo dos horrores persiste ativo no alto da comunidade, e hoje inclusive dispõe de um dispositivo com cabos aéreos, que agora facilita a chegada dos corpos ao topo da colina, eliminando o trabalho extenuante de carregar o pesado presunto por caminho tão tortuoso, com degraus irregulares, esburacadas e escorregadias rampas, tão comuns às comunidades que se expandem de forma indiscriminada pelas metrópoles.