INTERFERÊNCIA EFICAZ
Tiago Cunha se tornara figura esquisita, principalmente para quem ficasse diante dele pela primeira vez, com seus quase dois metros de altura, uma magreza daquelas que facilmente serviria para protagonismo de algum documentário abordando a fome, lembrando aquela letra de Chico Buarque, que definia o sujeito como “pele e osso simplesmente, quase sem recheio” com um caminhar que em muito se aproximava ao do avestruz.
Pintor de mão cheia, na maioria das vezes dispensava até mesmo a escada, um equipamento quase tão importante, quanto um rolo embebido de tinta para quem trabalha com pintura de paredes.
Naquele mês de dezembro, com asfalto amolecendo e calor emanado do chão criando aquela ilusão de ótica típica dos desertos.
Dois andares acima do chão e amarrado em segurança sobre andaimes há pouco começava a dar a segunda mão de uma tinta especial, trazendo de volta a beleza arquitetônica do sobrado barroco na Rua Santa Cristina, uma das mais de vinte ladeiras que dão acesso ao charmoso bairro de Santa Teresa.
Sabe àquela hora, que enjoado de olhar a mesma cor horas a fio, você precisa arejar a mente, e resolve dar costas para a fachada, e passar a apreciar o sobe desce sempre apressado de carros chegando ou saindo do bairro, nessa via de mão dupla e curvas que muitas das vezes superam os 90º.
Ainda persistia fumante, num mundo que praticamente relegou a um segundo plano esses apreciadores de sorver fumaça e em seguida, expira-la menos rica em aromatizantes e veneno, aos quatro ventos, agora um pouco menos suja.
E foi assim que pôde acompanhar de local privilegiado cenas de um possível assalto ir se consolidando. Uma senhora rechonchuda aparentando uns sessenta anos, descia a ladeira despreocupada, sem notar que era seguida de perto, ou melhor, cada vez mais perto, por um desses pivetes, provavelmente de menor, usando um casaco apesar do calor, óculos escuros e boné desses, que com sua sombra praticamente inviabiliza a identificação do sujeito.
Com suas pernas compridas e a agilidade típica dos vinte anos Tiago não demorou muito para chegar ao nível do solo, e em poucos passos derrubar o adolescente, que naquele momento começava sua fuga alucinada.
Quando resolveu dar uma espécie de carrinho de futebol pelas costas do larápio, e como a cabeça é o órgão mais pesado do corpo, foi ela que acabou encontrando o chão de forma muito rápida, e o moleque apagou imediatamente.
Tiago assustado, não sabia bem o que fazer, atônito por um bom tempo, até alguém avisar que assistiu integralmente a cena, e que tudo que ocorreu foi ao acaso. Na calçada agora cheia de curiosos, a mancha de sangue crescia, afinal o supercílio se constitui em local de farto sangramento.
Logo apareceu alguém para tentar tirar o pulso da vítima, mas pela expressão não encontrou nada. Partiu imediatamente para a massagem cardíaca, em vão, o coração não respondia a pressão exercida.
Quando o SAMU chegou ainda tentaram aquela descarga de reanimação, também em vão. O choque frontal da cabeça contra a calçada tinha causado um acidente vascular cerebral fatal.
Com a chegada da polícia, Tiago se prontamente se apresentou às autoridades, agora acompanhado da senhora patusca, que para sua sorte era procuradora do estado aposentada, e sabia que providências tomar em situações complicadas como a que todos estavam vivenciando naquele momento.
Os policiais se sentindo acuados pela autoridade jurídica passaram a agir de acordo com o que a procuradora indicava.
Resumo da ópera, para alegria geral da nação Tiago conseguiu ser inocentado, a procuradora se incumbiu de se dirigir a 9ª DP, que fica há pouco mais de 500 metros da ocorrência, e lá em conversa com o delegado de plantão deu imediata solução para a história, que em caráter normal poderia deixar Tiago um bom tempo em maus lençóis.