UM PESO NA CONSCIÊNCIA
Esta história tem como pano de fundo as bucólicas colinas do bairro de Santa Teresa, Zona Central do RIO.
Nosso protagonista é Matias Albuquerque, mulato de trinta anos, com formação em Direito Alfandegário, que trabalha em casa para uma multinacional de importação e exportação de equipamentos de energia sustentável.
Matias reside em apartamento que se caracteriza por agradáveis externalidades positivas, ventilação e claridade, na parte alta da sinuosa Rua Cândido Mendes, onde também desfruta da panorâmica vista da entrada da Baía de Guanabara, com sua constante movimentação de veículos de transporte naval e aéreo.
Como todo mundo que trabalha de cara para o computador normalmente precisa de descanso para os olhos, ele usualmente se serve de um cafezinho, e debruçado na janela amplia seu horizonte visual, aliás, uma dica usualmente prescrita por todo oftalmologista.
O sol a pino de verão deve ter espantado moradores da rua, pois mesmo logo após o meio dia, confirmado pelas badaladas de sinos de uma igreja próxima, esta se mantinha deserta como nas madrugadas.
Uma moto dessas potentes subia lentamente a via, lembro que carros estacionados de um lado da via, aclive constante, curvas determinando a baixa visibilidade e pavimentação de paralelepípedo implicavam na baixa velocidade do logradouro.
Com todas estas variáveis a seu favor, surgiu do nada, um sujeito com capacete logo após uma curva mais fechada da via para assaltar o motociclista, momentaneamente assustado, não entregou de imediato o veículo ao meliante.
Da janela ouviu os três estampidos da arma, em seguida a moto saiu em disparada e um corpo ficou inerte no chão. Apesar da distância, Matias tinha percebido durante a ação que o assaltante puxava da perna direita. E claro isso levantaria suspeitas sobre Zequinha, um marginalzinho conhecido por seus golpes na região, e que passou a puxar da perna, depois de uma frustrada invasão na casa de um militar da área.
Matias e provavelmente outros moradores alarmados com o estampido da arma acionaram o SAMU e a polícia. Em menos de dez minutos, aquela paz relatada em parágrafo inicial se transformou numa espécie de feira livre. Impressionante como pessoas em geral, gostam de presenciar esse tipo de cena.
Enquanto o SAMU partia sem o defunto, que agora precisaria aguardar a chegada do rabecão do IML, a polícia procurava entre a platéia alguém que pudesse adicionar alguma informação relevante à solução do latrocínio, ou seja, roubo seguido de morte.
Matias em crise de consciência não desceu para contribuir com a polícia, pensou em toda burocracia que envolve uma acusação, ainda mais sendo advogado e conhecedor da lei.
Resolveu dar um tempo no trabalho, vestiu bermuda e camisa e desceu para almoçar num restaurante a quilo na parte baixa do logradouro. Enquanto se alimentava, ouvia das mesas adjacentes diversas versões fantasiosas para o crime do final da manhã.
Pagou a conta e saiu para comprar um picolé de chocolate, sua habitual sobremesa, que sorvia enquanto subia a rua, na volta para casa, para enfim começar o segundo tempo laboral.
As horas passando, produção zerada, sua mente não conseguia se afastar do evento matinal, afundado na crise de consciência, lembrava que na cidade o incompetente governador, não informava a resolubilidade de homicídios, que provavelmente seria superior a média nacional, que apenas soluciona 1/3 dos homicídios.
Já a noite, resolveu escrever uma carta anônima endereçada a 7ª DP, com detalhado relato dos fatos por ele presenciados, escrita no computador visando não abrir a possibilidade de reconhecimento de grafia. Comprou o selo numa loja dos correios usando boné e óculos escuros, e entregou a correspondência em outro, tudo feito em dias diferentes, para assim evitar qualquer possibilidade de identificação do remetente.
Só assim foi possível retomar seu trabalho habitual, agora com a consciência tranquila, de ter cooperado, quem sabe para solucionar um crime. E não se fala mais nisso!