UM CAMINHO SEM VOLTA
Esta história tem como pano de fundo um problema que normalmente aflige herdeiros de empresas familiares, no caso, a dos Nogueira, baseados naquela velha crença, de que nada melhor na gerência de um negócio, que os próprios interessados direto, ou seja, parentes, desprezando a profissionalização do serviço.
A galinha dos ovos de ouro nesse caso é um hospital localizado na Zona Sul carioca, que mantinha financeiramente a terceira geração da família, que neste momento não dispunha sequer de algum herdeiro com formação adequada ao gerenciamento de uma instituição de saúde.
O hospital já tinha cedido parte de suas instalações para empresas terceirizadas e até mesmo o estacionamento era explorado por uma empresa especializada.
Com dívidas crescendo geometricamente e receitas estagnadas, a solicitação do regime falimentar não pôde mais ser adiada.
Foi nesse momento que Maurinho um dos herdeiros vendo a vaca indo literalmente para o brejo, resolveu tomar uma atitude radical, buscar auxílio de um profissional com ampla experiência na área.
Maurinho conhecia o pai de um amigo de pelada, e sabia de seu histórico a frente de uma rede que gradativamente foi incorporando hospitais com saúde financeira debilitada.
Depois de uma conversa informal com Joaquim, soube que seu pai fora compulsoriamente aposentado pela empresa, e que andava infeliz em casa. Até saía pela manhã para caminhar na praia, onde encontrava amigos também aposentados, à tarde se postava diante da telinha assistindo ininterruptamente ora programas esportivos, ora a filmes. Ficara viúvo fazia cinco anos, mas não estava completamente restabelecido da perda emocional.
Quando Maurinho ao telefone propôs seu retorno ao mundo dos negócios, a alegria do outro lado da linha soou como um prêmio de loteria, e o sim veio imediatamente, nem se importando em negociar os termos financeiros.
Nessa noite não conseguiu fechar olhos de tanta ansiedade pelo que viria no dia seguinte, uma sexta-feira, que normalmente é o momento de desaceleração, para encarar o tão aguardado final de semana, pelo menos para os que trabalham.
No dia seguinte, retomando o uso de terno e a gravata, encontrou com Maurinho na recepção do combalido hospital, para duas reuniões de apresentação do novo superintendente geral da instituição: a primeira de acertos para sua função e a segunda com o corpo técnico, para conhecerem o novo gestor, que passaria a ter amplos poderes.
Depois do almoço ainda em companhia de Maurinho, Dr. Jorge como era conhecido no mercado delineou seu plano de ação inicial para o herdeiro da família. Dali partiram juntos para a diretoria de contabilidade, onde requereu documentação dos últimos cinco anos.
Já instalado em seu gabinete começou a passear com os olhos sobre gráficos e tabelas que demonstravam o balanço das contas. Com sua experiência de longos anos no trato com contabilidade teve aquela sensação de tudo aquilo ali carregava algum viés, que só mesmo especialistas detectam, quase que pelo faro.
O fim de semana foi diferente dos anteriores, permaneceu sentado em seu escritório horas a fio, só saiu de casa para almoçar, tanto no sábado, como no domingo.
Na segunda-feira, às sete horas ligava seu computador no gabinete, como se dedicou mais ao estudo das despesas, precisava consultar alguns colegas, ainda na ativa, para saber valores de alguns medicamentos voltados para neoplasia e também o valor praticado pela empresa dona do monopólio do oxigênio líquido.
No final da manhã dispunha de duas bombas em sua mão: a primeira vinculada à empresa fornecedora de oxigênio e a segunda atribuída ao consumo absurdo de três medicamentos para tratamento do Câncer.
No dia seguinte, convocou o representante da distribuidora de oxigênio para um acerto de contas, seria uma conversa pessoal, marcada para o início da tarde. Depois dos cumprimentos habituais foi direto ao problema. Levando em consideração o sobre preço aplicado nos últimos cinco anos, o hospital declarava quitada a dívida com a empresa.
O representante alegou que precisaria do aval de seu chefe, não tinha autonomia para decidir sobre valores tão vultosos. Dr. Jorge pediu urgência na decisão, pois já acionara o jurídico para processar a empresa por cobrança diferenciada no mercado, e alguém deveria ser o responsável pela cobrança, que em média, superava em cinco vezes o valor praticado no mercado. Na mesma tarde recebeu o sinal positivo do fornecedor.
Para a questão do consumo desenfreado do medicamento para neoplasia, a estratégia foi designar um residente para controlar esse consumo, assim quem solicitasse o medicamento precisaria assinar e datar o pedido, para um novo pedido precisaria devolver a embalagem vazia do anterior.
O reflexo foi imediato, o consumo mensal caiu para um quarto, ou seja, muitos profissionais desviavam o medicamento para seus consultórios.
No campo das receitas, chamou locatários e propôs correções nos valores pagos. Por incrível que possa parecer ninguém desistiu de renovar os contratos.
Enquanto a família Nogueira vibrava com os resultados obtidos por Dr. Jorge, alguns fornecedores, locatários e alguns médicos descontentes com o andar da carruagem, em surdina conversavam sobre como refrear esse apetite insaciável de Dr. Jorge em organizar as finanças da instituição.
Algumas mensagens telefônicas tentaram frear as ações do superintendente, que sequer deu ouvidos às ameaças.
Esse grupo de prejudicados se sentindo impotente resolveu partir para ignorância, já tinham tentado deixar recados no limpador de pára-brisa de seu carro, furado dois pneus, ligações telefônicas durante a madrugada e nada acontecia, o sujeito era mesmo duro na queda.
A saída encontrada pelo grupo de prejudicados foi montar uma vaquinha, para a contratação de um matador de aluguel. Levantaram o valor desse serviço no mercado do crime, e depois de seis meses de contribuições, enfim levantaram o valor necessário.