"O maníaco do karaokê"

Os investigadores Felipe e Edilaine foram chamados às pressas pelo delegado Tobias. As instruções foram claras: Ficar à espreita do suspeito de dois feminicídios ocorridos recentemente em Marília. Ambas as vítimas, segundo testemunhos, haviam marcado presença em karaokês na noite de suas respectivas mortes. O sujeito em questão morava no Jardim Cavalari e também era frequentador regular dos barzinhos com Karaokê. Segundo os relatos de garçons e garçonetes, adotava um ritual metódico: Sentava-se sempre próximo ao palco, encostado na parede e pedia uma cerveja. Bebia vagarosamente, apreciava as apresentações até ele próprio cantar a mesma música: "Pra onde quer que eu vá", dos Paralamas do Sucesso. Pegava o microfone no centro do palco, preferia cantar da própria cadeira na qual estava sentado, e, antes que a canção acabasse, levantava-se com certa elegância, recolocando o microfone no suporte situado ao centro do palco, olhando de forma sedutora para alguma mulher da plateia.

Felipe e Edilaine acharam tudo aquilo estranho, mas seguiram as instruções da missão: Vestiram-se à paisana, e no começo da noite de sábado, dirigiram-se com o carro até as adjacências da casa de Aderbal, o potencial suspeito. Às vinte e uma horas ele saiu da casa com seu FIAT UNO prata, seguindo em direção ao 14 BIS Karaokê. Sentou-se, pediu uma Heineken, assistiu a algumas apresentações e lá foi em direção ao palco. Minutos depois, com voz aveludada, começou a cantar: "Olhos fechados, pra te encontrar, não estou ao seu lado, mas posso sonhar..."

Levantou-se, tentou seduzir uma morena de média estatura com o olhar, recolocando o microfone ao palco. A moça não deu a mínima, e, em seguida, o namorado sentou-se junto à ela, o que deixou Aderbal visivelmente contrariado. Pagou a conta, e posteriormente levantou-se, saindo do estabelecimento.

A perseguição dos investigadores ao suspeito ocorreu de forma sorrateira na noite Mariliense. Aderbal dirigiu por alguns minutos até estacionar na frente do Dado's Bar. O local era sombrio, os frequentadores um tanto quanto exóticos, as instalações decadentes. As apresentações foram muitas, fazendo com que Edilaine escolhesse uma música para cantar, no intuito de aprimorar as encenações investigativas.

- Qual você vai escolher? - perguntou Felipe

- "Fácil", do Jota Quest - respondeu ela.

Brincando, ele disse que ela deveria cantar uma da Roberta Miranda, pois a parceira de investigação já havia bebido duas cervejas e parecia estar com os olhos morteiros, semelhantes ao da famosa cantora sertaneja. Edilaine riu e Felipe tentou dar um beijo nela, com o argumento de que as encenações investigativas precisavam ser convincentes. Não colou, mas pareceu ter pintado um clima...

Antes que a investigadora cantasse, Aderbal pegou novamente o microfone. De forma nem um pouco surpreendente, recomeçou sua ladainha musical na tentativa de conquista casual e aleatória: "Olhos fechados, pra te encontrar, não estou ao seu lado, mas posso sonhar..."

Desta vez o olhar do potencial assassino dirigiu-se a uma mulher oriental, e ela pareceu ter correspondido. Sentou-se junto a ela, conversaram por vinte minutos, saíram do bar e entraram no carro dele. Nova perseguição sorrateira, e o Fiat Uno prata estacionou em um lugar alto, descampado e escuro, em frente ao Aeroclube de Marília. De lá, avistava-se boa parte da cidade. Em seguida, chegaram lentamente os investigadores: Carro com farois apagados, a uma distância relativa, pra não chamar a atenção.

O descampado quase deserto, apenas dois carros em meio a escuridão misteriosa e tensa. Poucos minutos depois, um grito feminino é escutado de dentro do Fiat Uno prata de Aderbal. Não era decifrável se foi de prazer ou de desespero. Felipe brincou:

"Ou esse cara é muito bom, ou ele é malvado"...

A brincadeira foi precedida por outro grito, agora explícito, de socorro. O casal de investigadores saiu às pressas do carro, armas e algemas nas mãos. Deram voz de prisão a Aderbal, que, naquele momento, tentava asfixiar a pobre mulher oriental.

O reforço militar chegou em seguida, e Aderbal foi levado na viatura até à delegacia, onde o delegado Tobias estava de plantão. Posteriormente, chegaram os investigadores. Réu confesso, Aderbal alegou os motivos da conduta metódica e mórbida: Ele era foragido da justiça Paraense, sob suspeita de ter assassinado a namorada e parceira de dupla sertaneja. Segundo relatos do criminoso, ela teria o traído com um outro cantor, porém, de tecnobrega. Numa fala psicótica, semi sarcástica, disse:

"Olha, doutor, levar chifre, até que vai... Mas tinha que ser com um cara que cantava tecnobrega?"

O caso foi solucionado. Cansado, Felipe ofereceu uma carona para Edilaine. Ela aceitou, sem qualquer ressalva. No caminho, ele tentou dar-lhe um beijo, e ela também aceitou, sem qualquer ressalva. Um pedido tímido e cansado de namoro aconteceu, e ela aceitou, com pouquíssima ressalva. No aparelho de som do carro, coincidência ou não, tocava a música...

"Olhos fechados, pra te encontrar, não estou ao seu lado, mas posso sonhar..."

* O Eldoradense