SOLUÇÃO INESPERADA, FINAL
A última parte da trilogia tem como cenário os frios corredores da 2ª Vara de Infância e da Juventude, localizado ali na árida e praticamente deserta Avenida Rodrigues Alves, 731 no bairro do Santo Cristo. Esta instância é a única na cidade competente para julgar adolescentes que praticam delitos.
Como no caso de Roberto, preso em flagrante, essa vara tem autonomia para julgar e condenar no mesmo dia o infrator, através do plantão interinstitucional.
Marli indignada com a agilidade da justiça, sequer teve tempo e dinheiro para acionar um advogado, para acompanhar o processo.
No final do dia, Roberto foi transferido em definitivo para a Escola João Luiz Alves, na Estrada das Canárias, ali Ilha de Governador, que de acadêmica tem muito pouco, por outro lado, pode ser considerada sim, uma escola especializada na arte do crime.
Já passava das dez horas da noite, quando Marli conseguiu chegar de volta em casa, completamente arrasada, nem mesmo aquele banho morno, que sempre a deixou relaxada, foi capaz de lhe devolver a tranquilidade, para desfrutar o sono dos justos.
O domingo amanheceu carrancudo, acinzentado e com aquela chuvinha fina, que prometia se manter assim ao longo do dia. A noite tinha sido daquelas, pouco pregou os olhos, mas aquele turbilhão de pensamentos acabava vencendo a batalha contra o sono.
A vida continua, e o telefone tocou para lembrar isso, era sua irmã querendo notícias do Roberto, enquanto os meninos, sem saber ainda dos fatos, queriam porque queriam a companhia da mãe.
Agora, drama mesmo vivenciava o Roberto, dividindo uma cela compacta com mais três adolescentes, que insistiam em saber o porquê de sua detenção. Mas é aquela coisa, em ambiente prisional, não demora muito, e todo mundo passa a conhecer o crime do outro. Para sorte de Roberto, homicídio de pais o qualificava como um sujeito a ser respeitado, principalmente quando se utiliza de arma branca.
No prédio rosa do Cosme Velho vizinhos estavam preocupados com o silêncio do apartamento 302, e Dr. Cristóvão que reside no 301, resolveu bater a porta de Marli, com intuito de disponibilizar seus serviços gratuitamente, tinha consciência do perrengue que lhe afligia e podia minimizar as consequências dessa fatalidade que se abateu sobre a família.
Aberta a porta do apartamento, fez questão de pedir licença, e rapidamente entrar, não queria expor a vizinha a mais um motivo para falatório, vizinhos, ainda em estado de choque não falavam outro assunto, como a viúva lidaria com essa nova realidade?
Marli passou procuração para o vizinho advogado, que entraria no dia seguinte, com um habeas corpus, para que Roberto aguardasse o novo julgamento em liberdade, alegando que o menor era réu primário, com endereço conhecido e mais algumas outras alegações.
Maria se comprometeu a manter as crianças longe de tudo, enquanto Marli resolveria a burocracia envolvendo a morte do marido e sua futura pensão.
Conseguiu fazer duas rápidas visitas a Roberto na Ilha do Governador, que, aliás, demandava muito tempo no trajeto, pois invariavelmente encontrava a linha vermelha engarrafada em pelo menos um dos sentidos.
O Dr. Cristóvão não conseguiu a liberdade provisória do Roberto, por outro lado, em regime de urgência marcou novo julgamento, agora na modalidade júri popular, dada as peculiaridades do crime.
Passados seis meses, a vida de Maria voltara aos eixos, agora se transformara numa micro empresária, produzia bolos e doces para festas, o que complementava sua pensão. Por incrível que possa parecer, Rogério e Ronaldo cientes da nova realidade, passaram a auxiliar a mãe, tanto nas idas e vindas para compra de componentes, como na entrega de encomendas e muitas vezes permaneciam com a mão literalmente na massa até tarde.
Nesse período, Dr. Cristóvão fazia reuniões individuais com cada um dos moradores que se dispuseram a participar do julgamento como testemunhas do que ocorria entre as quatro paredes da casa da família de Maria.
Finalmente, chegou o tão esperado dia do julgamento do Roberto. Nos dois dias de depoimentos de testemunhas em defesa de Roberto, todas declarações iam deixando evidente o inferno vivido por todos na família, durante período tão longo. E o drama teve seu ápice na fala de Marli, que muitas vezes pensou em fugir com as crianças, outras em eliminar o mal pela raiz.
Na expressão dos componentes do júri popular, ficava quase evidente o posicionamento de cada um dos participantes. A sentença final deu liberdade incondicional ao Roberto.