Mutação*
O Cabo Anselmo aproveitava o dia de folga para caminhar no amplo espaço da Esplanada dos Ministérios, quando viu um homem correndo atrás de uma seriema, que mancava, por tem uma das pernas machucada. O Cabo desviou o olhar, pois não queria aborrecimentos no dia de descanso. Mas um transeunte o reconheceu. Era o Jaime, funcionário da Câmara dos Deputados.
- Cabo Anselmo - chamou Jaime - prenda aquele homem, ele quer pegar a seriema, talvez para matá-la. De repente, não se sabe vindo de onde, o Cabo estava cercado por uma aglomeração de pessoas, fazendo coro ao pedido de Jaime.
- Prenda o predador, prenda o ladrão de seriema!
- A seriema fugiu do Palácio Alvorada - gritou um manifestante.
- Têm certeza? - indagou o policial
Enquanto isso, o homem lutava com a seriema, segurando-a pelas pernas a uma pequena distância da multidão.
- Vai lá, Cabo e dá cabo nisso - gritou lá do fundo um senhor de óculos escuros - não se pode maltratar animais, está na lei.
Irritado pela interrupção ao seu passeio matinal, Anselmo se dirigiu ao local da luta do homem com a seriema, com a pequena multidão atrás, sendo que muitos foram embora, com receios de serem convocados pela justiça, como testemunhas.
- Você está preso, qual o seu nome, meliante? Perguntou Anselmo, com autoridade, no momento em que a seriema quase escapou.
- João Batista, sou cuidador dos animais do Palácio do Alvorada.
- Está livre , pode conduzir o animal de volta ao seu habitat - autorizou o Cabo.
- É mentira - observou um rapaz de jaqueta jeans - esse sujeito é um morador de ruas.
- Está preso, por mentir para uma autoridade - disse Anselmo
- Gente, eu conheço bem esse homem - interveio outro - ele é funcionário do gabinete do Senador Sóstenes.
- Você está livre, João, pode continuar seu trabalho - disse o Cabo, com firmeza.
- Não Cabo Anselmo, o senhor não pode liberar o sujeito, não está vendo que ele quer abater o animal? É um sem-teto, já o vi invadir uma propriedade privada, um prédio desabitado lá em...
- Silêncio - exigiu Anselmo, irritado com a gritaria - o elemento será conduzido à delegacia, para depor.
- Não cometa esta loucura, Cabo - chamou a atenção um homem de terno e gravata, que acabara de chegar - esse cidadão é o sobrinho do empresário...
Não terminou a frase. O Cabo Anselmo saiu do local, aborrecido por se ver numa encrenca em seu dia de folga.
J Estanislau Filho
*Inspirado e intertextualiazado de O Camaleão, um conto de Antôn Tchecov, publicado em meu blog