VOLTA AO PASSADO
Essa história tem como pano de fundo a valorizada Praça do Pacificador, área nobre do centro de Caxias, na populosa e violenta baixada fluminense.
Seu Dagoberto e Dona Madalena a duras penas conseguiram há trinta anos adquirir um restaurante mambembe, porém bem localizado, e transformaram o Guerra de Sabores, sabe-se lá Deus como, no mais badalado da região, com cardápio variadíssimo, a depender do dia oferece rodízio de pizzas, outro para frutos do mar e culmina na sexta-feira com pratos orientais. Aos sábados a tradicional feijoada e finalmente aos domingos com cozido para lá de especial, e a fila na porta garante a excepcional qualidade do que lá se serve ao público.
O movimento no horário do almoço causa inveja aos concorrentes, que por mais promoção que façam, não conseguem atrair tantos clientes. Claro, que todo com esse movimento, chamou também atenção dos oportunistas locais.
Depois do primeiro assalto, Seu Dagoberto saiu à procura de segurança armada, pois no estabelecimento a princípio, todos funcionários mantinham parentesco direto. Além da esposa e dois filhos se revezando nas funções cotidianas, contratava dois sobrinhos para horas de maior movimento. Seu Dagoberto, não queria crescer seu estabelecimento, pois tinha medo de perder o contato direto com seus clientes tradicionais, que os tratava como velhos amigos.
Não foram poucas as tentativas frustradas de assalto ao estabelecimento, mas Paulão, um negão do alto dos seus cem quilos e um metro e noventa de altura intimidava a todos, e impunha respeito ao pedaço. Comerciantes vizinhos, cientes dessa nova situação se propuseram a rachar os custos com a segurança, pois desde a chegada de Paulão, bandidinhos da área literalmente tomaram chá de sumiço.
Quando efetivamente se consolidou a transição do papel moeda, para o dinheiro de plástico ou pix, gatunos sentiram o baque, pois assaltos a instituições passaram a render pouco, até mesmo saques rápidos em ônibus perderam a razão de existir, a féria passou a entrar direto na conta dos empresários de transporte.
Dizem os estudiosos de delitos, que essas mudanças acabaram por direcionar furtos e roubos direto para a parcela mais vulnerável da população, o pedestre, que às vezes se transforma em passageiro, ou mesmo cliente, esse sujeito assumiu o papel principal, no alvo de malfeitores.
Até pouco tempo atrás era comum a divulgação de vídeos com bandidos assaltando pequenos comerciantes ou postos de combustível, essa prática foi praticamente extinta, por total falta de atrativo.
Mas a criatividade desses meliantes, por disporem de muito tempo disponível para planejar suas investidas, precisou mudar, e assim fazendo uma busca no passado, resgataram a ideia do sequestro, que durante longo período deixou de cabelo em pé, muita gente da parcela mais privilegiada da população. Mas que claro, passa a exigir uma organização preparada em detalhes, envolvendo atores envolvidos na ação e aqueles indiretos, que vão manter as vítimas em segurança, porém com discrição, para não chamarem a atenção dos vizinhos.
Todos sabem que suicídios e sequestros, em linhas gerais, não devem ser divulgados pela mídia, e as razões são muitas, algumas óbvias, outras nem tanto.
Aconteceu num domingo à noite, quando o movimento fica reduzido, tanto no restaurante, quanto em seu entorno imediato. Bandidos vestidos de preto e usando máscaras, para não serem reconhecidos por câmaras, conseguiram surpreender Paulão, confiscando inclusive sua arma. Em seguida, invadiram o restaurante e encapuzaram seu Dagoberto.
Assim como entraram, deixaram o local em fração de minutos, com o cuidado de deixar escrita mensagem de como deveriam agir, se quisessem ter de volta o convívio com o sequestrado.
O prazo para levantar um milhão e meio de reais exigido para o resgate, se esgotaria em exíguos três dias. Na quinta-feira receberão uma ligação, com o informe do que fazer com o dinheiro.
Embora, na lista de detalhes de como a família deveria agir, a primeira observação se referisse a não acionar a polícia, essa foi a ação imediatamente tomada.
O batalhão anti-sequestro foi imediatamente acionado. Todas câmaras do entorno do restaurante foram requisitadas pela polícia, o cuidado dos meliantes manteve policiais na estaca zero. Com todos vestidos de preto e carros com placas pintadas com substância que refletiam o pouco de luz presente naquela noite no logradouro.
Buscas em outras câmaras não deram novas pistas, depois souberam, da troca de carros logo adiante, não sendo possível identificar novos veículos.
Na segunda-feira pela manhã Dona Madalena e filhos nem abriram o restaurante, correram aos dois bancos onde tinham conta, com objetivo de levantar a quantidade exigida.
Na terça e quarta-feira todos continuavam sem qualquer informação relevante, nem a polícia e muito menos os algozes abriam o bico.
Logo pela manhã da quinta feira, receberam uma única mensagem, alguém tocou a campainha da casa e partiu. Na caixa de cartas uma carta datilografada explicava onde deveria levar o valor, uma feira na Pavuna, e ao chegar lá, entenderia o que fazer.
Dona Madalena levava a bolsa, e policiais à paisana a seguiam de perto, então seu telefone tocou, o aviso era para imediatamente pendurar a bolsa no gancho do drone, que naquele momento de aproximava dela. Os policiais atônitos ainda tentaram em vão abater o veículo, que logo desapareceu do alcance da vista de todos.
Na estação Pavuna do metrô, o operador fez a aeronave baixar, enquanto um componente do grupo aguardava a bolsa num dos extremos da estação. Imediatamente embarcou na composição em direção a Botafogo, que partiria desse final de linha com muitos passageiros de pé, afinal muitas linhas de ônibus da baixada são alimentadoras desse transporte de massa.