DE LONGE, TODOS PARECEM NORMAIS
João, que se auto intitulava Johnny, já era um garoto meio esquisito, sabe daquele tipo que cresceu rápido e ficou um tanto quanto desproporcional, pernas muito compridas e um tronco que demorou mais a evoluir, favorecendo constantes esbarrões em objetos fixos, e também nos móveis, fora topadas e testadas em lugares rebaixados, que volta meia se interpunham a sua frente.
Eu lembro que as meninas da turma demonstravam rejeição pelo Comprido, e isso desde o antigo primário, falavam que ele as encarava de maneira estranha, e a partir do ginásio então, nenhuma se aproximava mais dele.
Sabe aquele sujeito que foi sempre defasado no tempo, enquanto o restante de turma jogava bola, lá estava ele ainda com seus carrinhos, brincando com crianças mais jovens. A cada ano que passava, mais distante ficava da rapaziada da sua mesma idade.
Como se já não bastasse à rejeição feminina, quando fazia um baita esforço, tentando se juntar aos meninos da sua idade, aí coitado, ele personificava o que se definia como pele, em linguagem atualizada bullying, ou seja, o coitado passava então, por poucas e boas. Afinal, adolescentes desenvolvem seu lado de sádico nessa época, e os mais fracos se transformam em terreno fértil, para a efetivação das maldades.
Quando rolava um futebol, invariavelmente ele ia parar no gol, pois esse era lugar reservado àqueles sem a menor intimidade com a bola, até mesmo seus reflexos eram lentos, o que resultava em boladas em todas as partes do corpo, lembro que ninguém aliviava o pobre coitado, e mesmo de muito perto, a turma enchia o pé em cima dele. Não foram poucas as vezes que saiu de campo com o nariz sangrando.
Por tudo isso, ficou mais evidente seu constante estado de frustração, enquanto homens viviam a lhe pregar peças, muitas sem noção mesmo. Por outro lado, moças viravam a cara quando com ele cruzavam, e não escondiam de ninguém, o pavor que lhes tomava o corpo, diante do seu modo de olhá-las.
Seu pai militar, foi transferido para um estado no sul, e nunca mais se teve notícia do Comprido.
Num encontro com colegas da antiga recebi a notícia de que Comprido e família retornaram ao bairro, e que agora ele estava correndo atrás da rapaziada, para retomar as competições de autorama. Tinha trazido do sul seu gigante circuito, que comporta até oito competidores nos quinze metros de sinuosa pista.
Pelo que soube, outra paixão foi desenvolvida pelo rapaz nos últimos anos, a febre por games e claro todo aparato tecnológico necessário a empreitada.
Algum desavisado liberou a lista de telefone do pessoal para ele, e agora estamos sendo bombardeados por convites para conhecer seu equipado quarto tecnológico, e não precisa sequer levar seu bólido, pois terá a disposição, pelo menos que lhe agradará.
Além desses apelos constantes, o rapaz continua a percorrer sua trajetória de pessoa estranha, agora também especializado na difusão de vídeos pornográficos, que dispõe de tamanha diversidade, que pode atender todas as preferências de público, independente da opção sexual.
Ao que tudo indica, esse retorno do Comprido não está empolgando ninguém para sua exótica programação, inclusive o grupo montado de Whatsapp parece que teve vida efêmera, pois essa coisa de pornografia, hoje não faz mais parte do cardápio das pessoas a partir de certa idade.
Ontem, ao final da tarde, logo depois de assistir a um jogo da Euro Copa, passei pelo jornal local da Globo, e para minha surpresa, que veio combinada com tristeza, vi a figura do Comprido acompanhado de policiais da civil que o conduziam algemado, para prestar depoimento, acusado que foi de comercializar vídeos de pornografia infantil.
O que passou pela minha cabeça, e acredito que também pela de todos que foram incluídos naquele grupo do Comprido, é a hipótese de sermos todos chamados a depor por associação ao crime, e quem sabe o momento propício do Comprido ir a forra de todos, cobrando com juros e correção tudo aquilo que fizemos ele passar, principalmente durante a importante fase da adolescência.