ASSIM É, SE LHE PARECE

Esta história se passa no pacato distrito de Arrozal, no sul fluminense, convivem em harmonia na localidade 10 mil moradores, e quase toda população é urbana.

A estrutura local se caracteriza por atender não só moradores, mas também demandas de outros municípios vizinhos, assim o bairro de São Joaquim da Grama, e as localidades de Passa Três, Getulândia e Pouso Seco, quando precisam de algum tipo de serviço mais especializado recorrem a Arrozal que disponibiliza um supermercado com mais opções, ou mesmo uma loja com variada oferta de material de construção.

O supermercado de seu Matias reinou absoluto como referência local, sempre com muita diversidade de opções, dependências limpas, amplas, com pé direito alto e muitos caixas, o que agradava clientes. Na última reforma, além da climatização, melhorou a visibilidade com uma arrumação de mercadorias de forma mais funcional. Seu Matias tinha um apreço especial por seus clientes, e que em muitas situações facilitou a venda de alimentos básicos, mesmo com recebimento dos valores a posteriori.

Tudo ia de vento em popa, mesmo sem concorrentes diretos, buscava trabalhar com pequena margem de lucro, ganhando no movimento diário, sempre intenso, tirava seu lucro na quantidade comercializada.

Quando correu um boato na cidade, de que outro supermercado iria abrir as portas na semana seguinte, Seu Matias nem se preocupou, pois sabia da fidelidade de sua clientela e também da quase inviabilidade de ter um concorrente em espaço tão precário e apertado, anteriormente no local funcionou uma loja de tecidos.

Na euforia da inauguração, com direito a bandinha e distribuição de balas, pipocas e algodão doce, praticamente paralisou a cidadezinha. Nesse dia, as vendas de Seu Matias sentiram o baque no movimento, pela primeira vez.

A ficha demorou a cair, pois passada uma semana, ele que vivia para tocar o negócio, viu seus clientes minguarem. E ao final do mês, sentiu que alguma atitude precisaria ser tomada, e com urgência.

Agora, ele precisaria averiguar o que estava acontecendo com o supermercado de seu novo concorrente. Abriu sua loja no horário tradicional, comprou jornal, e foi se sentar num dos muitos bancos da Praça São João, que tem como pano de fundo a igreja de São João Batista na sua parte alta.

Matias escolheu um banco em lugar estratégico, que assim lhe permitia assistir de forma privilegiada, o movimento de clientes do supermercado Arrozal. Nunca seu estabelecimento assistira a um fluxo tão intenso, como aquele que acontecia ali, bem diante de seus olhos.

Esse comerciante usava e abusava de propaganda em painéis externos divulgando ofertas especiais do dia. Seu Matias ficou impressionado com os preços praticados, principalmente para carnes brancas e vermelhas.

Mais tarde, após o almoço, continuou sua busca por informações de seu concorrente, que estava conseguindo esculhanbar o seu tradicional negócio. A visita foi a Eduardo, o gerente do Banco Itaú da localidade, que conhecia como ninguém de onde vinha o dinheiro, que movimentava a economia local.

Eduardo, que já era chegado a uma fofoca financeira, não se fez de rogado, deixando Matias em estado de choque, ao detalhar o perfil de Pedro Raimundo, seu concorrente direto.

Nesse dia inteiro, que Matias se dedicou a levantar informações sobre seu oponente, se encerrou de forma melancólica, tivesse tendência à depressão, teria se emburacado, pois foram tantas notícias ruins a chegar aos seus ouvidos, que só mesmos uns drinquesinhos para pelo menos dar uma relaxada, e posteriormente dormir o sono dos justos.

Foi difícil assistir àquelas filas intermináveis à porta do estabelecimento. Depois ouvir relatos, de que ele mesmo fornecia muito dos produtos vendidos (carne de boi e de porco, derivados do leite e ainda variedade grande de frutas, legumes e verduras), sem atravessadores, tudo vinha direto de sua fazenda, localizada ali nas proximidades de Areal.

Depois foi duro, saber que ele era amigo do dono da RICA, granja e frigorífico gigante também estabelecido nas proximidades, e que fornecia a mercadoria, por uma espécie de caixa Dois, claro, tudo por debaixo dos panos.

Outro informante relatou que Pedro Raimundo também era receptador de furtos de cargas envolvendo alimentos super processados. Até aquele momento, tudo que se falava sobre ele, ainda carecia de provas factuais.

O próprio Matias, através de terceiros já tinha feito algumas denúncias à vigilância sanitária, baseado em fatos concretos, porém, o nobre empresário, através de sua assessoria corporativa, conseguia amolecer os fiscais que por lá deram as caras.

Matias chegou a solicitar ao Delegado Freitas da 94ª Delegacia de Piraí, padrinho de casamento de um de seus filhos, uma investigação na folha corrida de Pedro Raimundo, inclusive relatando fatos, que corriam na boca do povo, sobre irregularidades cometidas pelo concorrente.

Algumas diligências foram levadas a cabo por um detetive destacado especialmente para pesquisar o caso. Passados dois meses, nada foi constatado e a investigação informal foi suspensa.

Em síntese, a coisa realmente ficara insustentável, para desespero de seu Matias, que transformara aquele estabelecimento no seu prazer de viver, pois era lá que recebia parentes e amigos em seu requintado escritório no primeiro andar, com vista panorâmica do estabelecimento, e que dispunha de uma infraestrutura que lhe permitia comer e dormir nesse cômodo quando se fizesse necessário.

Seus dos filhos, que eram profissionais liberais e residiam na capital, com suas respectivas famílias, já tinham sugerido uma mudança de ramo, porque não migrar para o ramo de material de construção?

Em viagem de negócios ao Rio de Janeiro, Pedro Raimundo se envolveu num grave acidente descendo a Serra das Araras e ficou tetraplégico. Seus três filhos, que gozavam de uma boa vida e nunca foram lá muito chegados ao estudo e muito menos ao trabalho, tiveram que assumir o negócio, sem tempo sequer de pensar a respeito.

Com a recente interdição do pai, devido à forte depressão, os três olharam pela primeira vez para o fluxo financeiro diário, e nem se preocuparam com a gestão do estabelecimento. Agora, abandonaram de vez a vida espartana adotada pelo pai por tanto tempo, podiam finalmente saciar a fome de consumo, e logo cada um podia ser visto desfilando com seu jipão e roupas de grife, recém adquiridos na vizinha Volta Redonda

Sem as mãos de Seu Pedro Raimundo para tocar o barco, em poucos meses aquela fábrica de fazer dinheiro começou a fazer água e foi a pique.

Como as coisas podem ser efêmeras.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 17/06/2024
Código do texto: T8087562
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