QUEBRA DE PARADIGMA

Essa história se desenrola num pequeno município serrano fluminense que dista mais de 200 km da capital, e, que, portanto, fica livre das interferências boas ou más, que os grandes núcleos exercem em seu entorno. Madalena como é denominada por seus moradores conta hoje com pouco mais de 10 mil habitantes, e desses pouco mais da metade reside na área urbana.

É nesse contexto que acontece a história de Maria Aparecida, a agora popular Dona Cida, uma esbelta morena, que do alto dos seus 1,75 metros de altura, meia centena de idade e muita agitação para uma única vida, mas que interferiu de forma sui generis no cotidiano de sua cidade de nascimento.

Mal completara dezesseis anos quando engravidou do filho da principal autoridade da cidade, o capitão Geremias, um latifundiário que sempre exerceu com mão de ferro, o papel de prefeito, independente se eleito ou não, afinal nossa legislação eleitoral não permite legalmente a permanência de um prefeito no cargo por três mandatos consecutivos, porém, apenas em teoria. Por outro lado, nada impede que um fantoche eleito, seja manipulado por seu mentor durante os quatro anos de mandato.

Seu Geremias, com seu um metro noventa de altura e noventa quilos de peso, nunca foi um sujeito para brincadeiras, seu olhar carrancudo e a forma de se expressar, lembrava em muito, a artista destaque da cidade, a pornográfica Dercy Gonçalves.

O capitão era a própria figura do cão chupando manga, fazia o que bem queria, numa cidade totalmente submissa a sua autoridade. Essa característica objetiva de levar adiante seus projetos, claro, foi absorvida por seu único filho legal, o Tiago, que desde cedo herdara, pelo menos em parte, aquela arrogância típica do capitão, como seu pai era popularmente conhecido na região, mesmo sem nunca ter passado perto de um quartel.

Assim o casal Tiago e Cida se transformou numa espécie de casal 20 de Madalena. Eram eles que promoviam as maiores festanças da localidade, viajavam com constância à capital para assistir a eventos culturais, e pelo menos uma vez por ano, passavam uma temporada na terra do Tio Sam, e não negavam para ninguém, que adoravam a tal da american way of life.

Após desavença política com um fazendeiro do vizinho município de Trajano de Morais, seu Geremias sofreu uma emboscada no caminho da fazenda para a cidade. Tiago naquele momento, gozava férias com a esposa amigos locais, no espaçoso apartamento da família, de frente para o mar de Copacabana.

O suposto crime foi tão bem executado, que ninguém sabia do paradeiro das três vítimas, Geremias, seu contador e seu motorista, que acumulava também o papel de segurança do patrão. O veículo de luxo da família apareceu queimado em Campos dos Goytacazes. E o pior, nenhum pedido de resgate feito à família.

O delegado de polícia da 156ª delegacia de polícia assustado com o fato, pediu reforço a central da capital, dada sua inexperiência em lidar com seqüestro, a primeira suposição em relação ao crime.

O casal voltou às pressas da capital e teve que conviver com o desaparecimento de seu Geremias. Bom, a polícia não sabia o que fazer. Tiago foi à mídia local, informando que daria R$ 50 mil por qualquer informação sobre o paradeiro do pai. Nada acontecia, por mais tentativas que a polícia investigativa levasse a cabo, tudo persistia na estaca zero.

Nesse desespero de causa quem acabou assumindo a direção dos negócios da família foi Cida, um mês se passara lento por um lado, e muito rápido pelo outro. Ela então convocou advogados e contadores que trabalhavam com Geremias, para uma série reuniões, sem prazo de encerramento, precisava organizar o quanto antes as finanças da família. Para sua sorte, mesmo com pouco estudo, sempre fora boa no trato com números.

Tiago que fora o lado forte do casal, entrara em profunda depressão, e por conta dos medicamentos ingeridos, não conseguia retomar a vida normal.

Enquanto isso, Cida agora ganhara um adicional de respeito, agora recebera a alcunha de Dona Cida, tanto por parte dos empregados, como do restante dos conhecidos.

A profunda depressão de Tiago acabou o levando ao suicídio, aliás, muito bem planejado. Com dois tiros de armas distintas, que ele próprio apontou para a cabeça.

Dizem que a situação faz o ladrão, mas com Dona Cida a situação fez nascer à patroa, e que patroa!

Em pouco tempo, ela incorporou a figura de herdeira: de fato e de direito, e se tornou uma espécie de Geremias de saias, aliás bem cortadas, e ai de quem não comparecesse para o beija mão dessa autoritária mulher, que já botara na rua sua campanha para prefeita de Madalena.

Tanto em reuniões da casa na cidade, como aquelas mais reservadas na sede da fazenda, enlouquecia seus interlocutores, com suas roupas sensuais, coloridos salto altos e perfumes inebriantes.

Invariavelmente tomava supostas batidas, porém a servida aos convidados vinha carregada de muita vodca, o que favorecia e como, a anuência de seus projetos, fossem eles de caráter pessoal, ou empresarial. Outro detalhe importante, dificilmente alguém saía desses encontros sóbrio, ela até disponibilizava um motorista, para evitar acidentes no trajeto de volta à cidade.

Logo, todo mundo da cidade passou a saber dos métodos empregados por Dona Cida no processo de convencimento de seus interlocutores, e parece que seus desejos sexuais eram insaciáveis.

Nesse ritmo de encontros quase escancarados, muita gente passou a saber de maridos que pulavam o muro, afinal Dona Cida passou a ser uma espécie de sonho de consumo, pelo menos da elite local.

Casamentos começaram a ser desfeitos em série, e outras mulheres mesmo sem ter o charme, a grana e o poder da viúva, também passaram a querer mais de seus cônjuges. Com separações em série ocorrendo na cidade, muitas mulheres ficaram à deriva em termos financeiros, pois até a justiça julgar os casos, boa parte delas já não teria o que comer, onde morar e etc.

Então, surge o lado humano de nossa líder carismática, num primeiro momento oferece emprego em sua assessoria e posteriormente na sua fazenda. Mas isso não foi suficiente, e ela precisa usar sua influência: primeiro empregando essas mulheres nas secretarias de governo, e mais tarde, exigindo fidelidade de comerciantes e das poucas firmas de prestação de serviço locais.

Dom João, o pároco da cidade, então resolve procurá-la, com a ideia de afrouxar seu ímpeto feminista, que passara a abalar os princípios da família cristã. A resposta da transgressora veio seca e direta: o senhor deve se restringir ao lado espiritual do rebanho, do lado físico, o senhor sequer tem autoridade masculina no assunto, quiçá da feminina. Pense bem por favor, a respeito, antes de tomar uma decisão desastrosa como essa. Passar bem!!!!

Não demorou muito para que também um representante evangélico solicitasse uma audiência com a prefeita. Pastor Nelson, já sabendo da bronca levada pelo padre João, não se fez de rogado, resolveu enfrentar a prefeita.

Ela a princípio pensou que seria mais um pedido de verbas para as ações sociais da igreja, a tolinha se enganou: o pastor veio com um discurso conservador e ao mesmo tempo culpando Dona Cida pelo fechamento de algumas igrejas da linha neopentecostal e também ao esvaziamento de boa parte de seus fieis, em função de tudo que vinha ocorrendo na cidade.

Chateada com a pressão desses cristãos retrógrados, a prefeita foi a forra, assinou decreto revogando todas as mordomias que a prefeitura outorgara às igrejas nas gestões anteriores.

Na cidade, o assunto das rodas de moradores passou a ser: até onde vai essa falta de harmonia entre a Igreja e o Estado?

Assim como existe fanáticos nos EEUU, que volta e meia saem atirando a esmo, e acabam matando muita gente. O medo hoje em Madalena é do surgimento de algum xiita radical de alguma igreja dessas mais retrógadas, que resolva com as próprias mãos, espantar em definitivo, o satanás da cidade.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 14/06/2024
Reeditado em 14/06/2024
Código do texto: T8085594
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.