ROMANCE INESPERADO
Fazia quatro décadas que o casal Oliveira vivia numa espécie de oásis na conturbada Copacabana. O bairro do Peixoto conseguia reunir no entorno da Praça Edmundo Bittencourt, que com seus oito mil metros quadros, garante espaço para todos os gostos.
E foi nessa área verde, dentro do festival de concreto que bem caracteriza o bairro que viram seus três filhos crescer, e posteriormente criarem suas próprias asinhas para voarem em busca de seus sonhos.
Da pequena varando do terceiro andar onde residiam, desfrutavam da agradável vista do coração da localidade. Afinal, era na praça que tudo acontecia, dos bebês e idosos pela manhã, a bagunça dos adolescentes que se prolongava até o início da noite.
Nos dias de feira, aquela paz interiorana era momentaneamente perdida, pois bem cedo se acordava não mais com o canto dos pássaros, mas sim com o falatório dos feirantes descarregando mercadoria e montando suas bancas.
Outros dias a agitação ficava por conta das festas sazonais, promovida pelos próprios moradores, com música, barraquinhas de quitutes e bebidinhas.
O casal Oliveira super participativo em eventos promovidos na praça, sempre vivenciou com alegria essas oportunidade de convívio com a vizinhança. Pessoas de fora do local não acreditavam ser ainda possível conciliar a vida de cidade grande, com laços de amizades fraternos entre vizinhos.
O tempo passou na janela, as crianças partiram com suas novas famílias e o casal sentiu na carne aquele sentimento dilacerador de corpos e mentes, a síndrome do ninho vazio, que contribuiu para desmoronar muitos casamentos, principalmente sob os efeitos da perversa depressão, que retira a vontade de viver de muita gente.
Não sei se foi exatamente assim que a coisa aconteceu, mas Helena da noite para o dia começou a engordar rapidamente. Olha que já passara por três gravidezes e mesmo assim, mantinha o corpicho com seus 55 quilinhos desde a época do casamento com Ronaldo.
Preocupada, ela procurou especialistas, mas foram várias tentativas em vão, enfim se transformara numa idosa obesa.
Seu marido, que sempre prezou sua companhia, e fazia questão da sua presença até nas tardes que gostava de passar no hipódromo da Gávea, onde adorava ver aquela correria de cavalos puro sangue, tendo como pano de fundo o encantador cenário da lagoa com as montanhas praticamente definindo seu entorno. Ele sempre fazia questão de permanecer na arquibancada até o anoitecer, para assim rever aquele espetáculo de luzes e cores que permeia o por do sol.
O esfriamento do relacionamento era patente, Helena agora evitava o convívio com o marido nos finais de semana, e a desculpa era a de ajudar pessoas carentes da igreja metodista local, que frequentava esporadicamente, mas que agora ocupava integralmente tanto seu sábado, como também o domingo.
Por outro lado, Ronaldo também contribuía com esse esfriamento do relacionamento do casal, alegava sobrecarga de trabalho, que o obrigava a trabalhar até mais tarde, a empresa não ia bem das pernas, e ele com um bom salário, poderia ser um dos escolhidos para redução da folha salarial.
Nunca mais chegava cedo a casa, e olha que o casal durante anos adorava passear pela praça, onde invariavelmente encontrava alguém conhecido, terminando a noite no árabe da galeria Menescal, onde cerveja e quitutes do oriente prolongavam aquele papo furado com confissões à bessa.
Outras noites, no conforto da poltrona da casa, pediam uma pizza, enquanto escolhiam um filme alugado em locadora.
Chateada com a situação, Helena resolveu que levaria adiante a desconfiança de que o marido transferira seus sentimentos para uma amante, mas precisava de provas concretas. Na busca pela internet, encontrou a empresa Com-tato, no centro comercial de Copacabana.
Marcou uma hora para conversar com o detetive Fagundes, um ex-policial civil aposentado, que complementava sua aposentadoria com essas investigações, e o que não lhe faltava era experiência no ramo.
Fagundes, de posse de todas as informações, virou a sombra de Ronaldo. Em pouco tempo sabia onde almoçava, seu hábito de pedir um lanche duplo no final do dia e o momento que deixava o trabalho, às vezes cedo, outras mais tarde. Interessante, era sempre a mesma pessoa que o acompanhava, tanto no almoço, como nas saídas noturnas.
Para surpresa de dona Helena, não era uma amante, e sim um possível amante, bem mais jovem e colega de trabalho que partira de uma só vez o coração de Ronaldo.
O que Fagundes não sabia, era que ele também estava sendo observado por outra pessoa diretamente interessada na trama sentimental.
Roberto era idoso como Ronaldo, e tinha sido jogado literalmente para escanteio, depois de um longo e conflituoso relacionamento com Tiago, que optara por um novo relacionamento com seu chefe.
Como dormiam em quartos separados, Helena nem notou a ausência de Ronaldo naquela noite. Como sempre levantava mais cedo, e ainda se dava ao trabalho de preparar diariamente o café da manhã para ambos. Quando se atrasava, ela ia até seu quarto para reforçar o chamamento. Ele não tinha hábito de dormir fora de casa.
Como para quase tudo tem uma primeira vez, não se preocupou muito com sua ausência naquela manhã. Mesmo assim, no início da tarde ligou para o detetive, preocupada com a ausência de notícias do marido, já tinha ligado para o trabalho, e por lá ele ainda não dera as caras.
Fagundes ligou para seu colega, o delegado da 12ª, para saber de alguma ocorrência mais séria. Apenas um relato de latrocínio, mas a vítima, um idoso, tinha sido removido diretamente para o Instituto Médico Legal – IML, ali próximo ao abandonado terminal da Leopoldina.
Lá também Fagundes conhecia funcionários e conseguiu uma foto do presunto, que teria dado entrada com dois disparos na têmpora. Era Ronaldo realmente, e Helena deveria ser informada não só do óbito, mas também precisaria fazer o reconhecimento da vítima in loco.
Como apenas 1/3 dos latrocínios são resolvidos no país, este ocorrido a noite, sem câmaras que pudessem identificar o assassino, provavelmente será mais um a ser arquivado.