ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA
Essa história começa com um telefone tocando na mesa do delegado titular de Ricardo de Albuquerque, subúrbio da zona norte da cidade.
Dagoberto Pereira, o delegado foi acionado para uma operação secreta na madrugada do dia seguinte em domicílio dentro da sua jurisdição. A convocação veio diretamente do Palácio da Polícia Central, não permitindo escolha.
Depois de anotado local de encontro e horário, Pereirinha como era carinhosamente conhecido por todos na 31ª delegacia, não conseguiu sossegar o facho o restante do dia, evitou transmitir essa preocupação para o restante da equipe, mas todos notaram sua falta de concentração quando acionado por alguém da assessoria
Acabou confessando que problemas familiares o teriam tirado do sério, enquanto avaliava que opção tomar, não conseguia se concentrar na rotina daquele dia de trabalho. Pediu ao grupo que resolvessem eles mesmos situações que fossem acontecendo ao longo daquele dia, e se trancou no escritório o restante do dia.
Foram várias tentativas, pelo menos no campo das ideias, de acionar alguém do comando central em busca de mais detalhes sobre a diligência da madrugada seguinte, no entanto desistia logo que começava a digitar os primeiros algarismos no celular.
Na convocação matinal, fora expressamente orientado a se manter em silêncio até o encontro com os membros da diligência, que tiveram também seus nomes omitidos.
Poderia essa ligação ser um bem elaborado trote da turma do tráfico? Ou mais provavelmente da milícia, que por contar em suas linhas ex policiais, que muito bem dominavam essas estratégias empregadas pelo aparato de repressão ao crime?
Horas passavam cada vez mais lentas, enquanto o nível de ansiedade crescia sem limites. Dirigiu até em casa praticamente no automático. Tentou demonstrar para a família que passara um dia de cão no trabalho. Avisou que não jantaria, apenas tomaria um bom banho quente, em seguida tentaria dormir cedo, pois precisaria despertar bem cedo e disposto para uma ação conjunta da polícia civil.
O que menos fez naquela noite foi dormir, mal conseguia relaxar, voltava a abrir os olhos, olhava para o relógio à beira da cama e constatava que os ponteiros pareciam cada vez mais preguiçosos, andando propositalmente em câmara lenta. E isso se repetia a cada meia hora.
Quando o alarme tocou às quatro da manhã, sua vista abriu, mas continuava embaçada, não adiantou de nada molhar com água fria, tanto o cabelo, como o rosto. Sua disposição depois dessas intermináveis horas de tensão era quase nula, se sentia um bagaço humano.
Ainda no banheiro, sentiu as primeiras cólicas, ele conhecia bem esse processo, logo viria uma diarreia, e não teve opção, a estada no banheiro foi prolongada.
Já saiu de casa atrasado, correu como um louco para dessa forma não atrasar a reunião marcada com o grupo na Praça do Granito, a menos de quinze minutos de sua casa.
O dia começava a dar os primeiros sinais que estava para nascer, naquela hora as cores ficam difusas, enquanto estacionava no local combinado. Estranhou não visualizar logo seus colegas, pois a essa hora não tinha viva alma na praça, mesmo assim desligou o carro e apagou faróis antes de sair da viatura.
Demorou um bom tempo vasculhando possíveis locais onde a equipe estaria reunida. De repente, a ficha caiu de maneira brusca, seus três colegas já estavam lá há algum tempo, todos mortos com muitos disparos de armas pesadas.
Não titubeou, acionou imediatamente sua delegacia, que ficava bem próxima ao local do crime. Para simplificar o atendimento se identificou como delegado titular. Em seguida, acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU.
Com o cenário montado, depoimentos sendo tomados, apenas uma testemunha teria acionado todo aparato do estado para o assassinato em série de policiais da Central de Polícia.
E agora Pereirinha como explicar essa situação: o que estaria você fazendo a essa hora num lugar ermo? Que história é essa de chegar atrasado numa ação próxima tanto a sua residência, como a sua delegacia? Porque todos estão mortos e você ileso?