Caso Karina del Pozo
Um brutal assassinato de uma jovem modelo que acabou motivando a criação do tipo penal de feminicídio, ou seja, mudou a lei do Equador.
“Você quer ver como uma prostituta é morta?” essa foi uma das frases proferidas por um de seus assassinos.
Um crime ocorrido há pouco mais de uma década, com três condenados, mas que até hoje é cercado de mistérios!!!
Uma investigação e um julgamento com tantos problemas que até hoje são discutidos nas mídias equatorianas.
Após esse crime, foi apresentada uma iniciativa cidadã que promoveu o debate legislativo para classificar o feminicídio no Equador.
Três condenados, porém um deles é considerado inocente por muitos que estudam esse caso… e, ao final do texto, você vai poder dar a sua opinião sobre essa história tão controversa e me dizer nos comentários…
A jovem de 20 anos teve a vida ceifada em fevereiro de 2013 e, mesmo, com três jovens condenados pelo crime, como tudo aconteceu ainda é nebuloso e cheio de interrogações, a ponto de levantar suspeitas até sobre as autoridades equatorianas!
1ª PARTE:
OS PARTICIPANTES
KARINA
Nelli Karina del Pozo Mosquera nasceu em Quito, Equador, em 14 de outubro de 1993.
Ela era a filha mais nova de María Teresa Mosquera e tinha como irmãos, María Cristina, Erik e Milton, seu pai faleceu devido a um câncer, quando ela ainda era uma bebê de 11 meses, e isso fez com que a menina estivesse sempre muito próxima da sua mãe.
A família residia Parque 23 de Junio no bairro de Cotocollao.
María trabalhava como professora na escola Manuelita Sáez, escola onde Karina foi aluna.
Durante o ensino médio a jovem demonstrou um caráter extremamente extrovertido e sociável.
No colégio, Karina conheceu Alejandra Ojeda, um ano mais nova do que ela, lá ela descobriu que Alejandra morava a apenas dois quarteirões de sua casa e as duas começaram a ir sempre juntas para escola, se tornaram unha e carne… mesmo depois das aulas, as duas davam um jeito de se encontrar ou conversar por telefone.
As duas foram escolhidas para a seleção de basquete e praticavam tanto na escola quanto nas ruas onde moravam, como o passar do tempo, elas formaram o primeiro time de meninas do bairro.
Para promover o time, elas espalharam panfletos por toda parte e elas ficaram bem conhecidas pela região, eram amigas da maioria dos jovens e passavam boa parte das tardes conversando com eles.
Bem, elas cresceram amigas de todos do bairro.
Quem conhecia Karina nessa época dizia que ela era muito alegre, uma alegria contagiante e grande senso de humor.
Mas em 2009 a vida da jovem Karina seria abalada de forma devastadora…
Sua mãe adoeceu de câncer e, em alguns meses, morreu.
Ela tinha apenas 16 anos e estava, agora, morando apenas com seu irmão, Milton, não muito mais velho do que ela.
Karina deixou de ser aquela jovem alegre cheia de vida, ela era uma tristeza constante misturada com um profundo desencanto pela vida que incluía um severo questionamento de sua fé. (Comentário)
Alejandra, como a boa amiga que era, estava sempre ao lado dela, e conversou com seus pais sobre tudo o que estava acontecendo com sua amiga.
Foi que eles decidiram oferecer para a menina morar com eles, pelo menos, até atingir a maioridade.
Karina ficou feliz com o convite, mas, ao mesmo tempo, não quis deixar seu irmão Milton sozinho, então rejeitou a oferta.
Eram dois jovens “sozinhos” no mundo, pela primeira vez..
Porém eles sabiam que não se vive de vento, ela começou a se preocupar nas despesas domésticas, começou a fazer bicos, serviços de freelance.
Como era muito extrovertida e comunicativa, conseguia trabalhos de promotora de vendas ou de modelo em eventos.
Mas, claro com todo esse estresse, dúvidas e anseios de um início repentino de vida adulta, ela acabou deixando seus estudos para trás.
David
Nessa mesma época conheceu Geovanny David Piña Bueno, conhecido por todos apenas como David, na época com 19 anos, e era um dos quatro filhos do casal Patricia Bueno e Eduardo Piña.
David já trabalhava como designer gráfico, e era campeão em artes marciais mistas, o famoso MMA, ele era forte, tatuado e tinha um estilo de vestir peculiar, digamos, que ele era intimidador.
Muitos pensavam que ele era membro de gangue, mas, na verdade, ele era conhecido por ser um cara calmo e até mesmo introvertido, que só mudava quando ele sentia que tinha que proteger algum de seus amigos, como aconteceu uma vez, que ele teve que confrontar alguns homens que queriam se “passar” com uma ex-namorada sua.
Então, quando ele conheceu Karina, eles tiveram alguns encontros, mas não chegou a rolar namoro e os dois se separam com o tempo sem drama ou brigas, apenas entenderam que não se gostavam o suficiente para namorar e continuaram apenas na amizade e com o tempo deixaram de ser ver.
CECÍLIA
Karina estava focada em melhorar sua situação econômica, procurava emprego e deixava cópias de seu currículo em todos os lugares possíveis.
E foi numa dessas procuras que se cruzou com María Cecilia Rivera Ortiz, ou, apenas Cecilia Rivera, outra menina de sua idade, não eram muito próximas, mas como tinham diversos conhecidos em comum, começaram a procura de emprego juntas.
JUAN PABLO
Foi Cecília quem apresentou Juan Pablo Vaca para Karina.
Ela de cara sentiu uma certa afinidade por ele, porém ele não demonstrou interesse amoroso por ela.
JOSÉ SEVILLA
Juan Pablo acabou apresentando ela para seu amigo José Antonio Sevilla Freire, (Marcos, se lê Rrosé Antônio Sevija Freire), um jovem de 21 anos, que ainda morava com sua mãe na cidade de Rumiñahui, graças a uma situação econômica favorável, o seu estilo de vida era descontraído, ou seja, festeiro.
Mais tarde se juntou a Karina e Cecília como eventual promotor de eventos, porém, logo as meninas ouviram rumores de que ele era vendedor de drogas, seus sinais de alarme dispararam.
Ela, imediatamente, sentiu antipatia por ele e queria se afastar, mas eles estavam no mesmo círculo de amizades, infelizmente.
Para piorar tudo, ela descobriu, ou melhor, notou que José Sevilla se tornava violento toda vez que bebia demais e costumava e se envolver em brigas em casas noturnas.
Nessas brigas, quase sempre ele estava com o seu melhor amigo, Manuel Gustavo Salazar Gómez, um ano mais novo que ele.
MANUEL SALAZAR
Manuel Salazar estudava na Universidade São Francisco de Quito e morava no bairro El Dorado, no centro da cidade, porém, era comum que ele passasse mais tempo na casa de José do que na dele.
Como disse, eles frequentavam quase que os mesmos círculos sociais, Karina não conhecia tão bem os dois, mas sabia que eles não eram, digamos, flor que se cheirasse.
2ª PARTE -
O ENREDO
Agora que já conhecemos os personagens dessa história, vamos voltar à Karina.
Mesmo com dificuldades, ela conseguiu concluir o ensino médio, de forma semipresencial, ela queria continuar estudando para conseguir uma vida mais segura, mais estável, economicamente falando, porém, ela sabia que com sua renda limitada como era, seria impossível pagar um curso de nível superior.
E para continuar estudando ela sabia que precisava de um emprego fixo, não dava mais para viver como promotora freelancer.
Ela tinha que arrumar um emprego e para logo!
Enquanto isso, o amigo de Karina, David também passava por problemas, era o ano de 2012, a mãe dele estava com câncer terminal e para pagar os tão necessários medicamentos para amenizar o sofrimento dela, ele resolveu dar aulas de MMA.
Começou a ensinar as técnicas marciais para José Sevilla, que ia ao treino em companhia de Manuel, é, como disse, os dois estavam quase sempre juntos..
Manuel também demonstrou um certo interesse em aprender o MMA, mas David não levou muita fé de que ele realmente teria o empenho necessário para aquela atividade física.
Foi que um dia, depois de uma aula, David comentou que precisava levar sua, então, namorada María, para casa e, do nada Manuel, talvez querendo ser legal com o professor, ofereceu seu carro para que David levasse a namorada.
E ele aceitou a oferta.
Como um roteiro escrito por algum maluco, não é que David, que já estava todo enrolado em razão da doença de sua mãe, capotou o carro de Manuel..
Ninguém se machucou gravemente, mas desmanchou o veículo, imediatamente David ligou para Manuel, que, apesar da situação, foi absolutamente calmo e até minimizou o assunto.
David não conseguia acreditar, que mesmo com o acidente, um pouco de sorte ainda restasse a ele..
Ou não, veremos….
E assim, eles foram aumentando os laços de amizade e confiança entre o trio.
A FESTA
Terça-feira, 19 de fevereiro de 2013, Karina falou para o seu irmão Milton que iria ao Ministério da Relações Trabalhistas para acertar os trâmites de seu último emprego e depois iria entregar alguns currículos com Cecília, pois não queria perde tempo desempregada.
Vestia uma jaqueta preta, blusa de couro marrom, shorts verdes e um colar no qual pendia uma coruja metálica, foi a última vez que seu irmão a viu com vida…
Depois de entregar os currículos, as jovens decidiram aproveitar um pouco o resto da tarde e foram até um barzinho.
Como a maioria dos jovens fazem, começaram a se comunicar e logo outros do grupo foram para lá, todos menos David.
David tinha ido até a oficina mecânica para saber dos danos do carro capotado de Manuel.
Lá ele foi informado que tinha sido perda total, não tinha mais o que fazer no carro, só enviar para o desmanche…
David conversou com Manuel que novamente disse a ele que não se preocupasse, e fosse encontrá-los para se divertirem, David aceitou.
Juan Pablo convenceu o pessoal a ir curtir o resto da noite em seu apartamento e no caminho compraram vodka e outras bebidas.
Não era muito tarde, mas Karina já queria ir embora, porém foi convencida a ficar mais um pouco, pois Juan garantiu que mais tarde levaria todos para suas casas.
E a noite foi se prolongando e eles cada vez mais alcoolizados.
David chegou mais tarde, pois depois da oficina tinha ido ver como sua mãe estava.
Fazia tempo que ele não via Karina e começaram a conversar sem parar.
Outro que chegou depois à festa foi Nicolás León, amigo de Juan Pablo e ex-namorado de Cecília.
Estava sendo uma noite animada pelo jeito.
Karina mandou uma mensagem para o irmão dizendo que estava tudo bem e que ele não se preocupasse e ainda detalhou com quem ela estava.
Dá para notar que eles eram bem unidos.
Entre todos que estavam ali, o único ainda sóbrio era David, pois, por seu estilo de vida esportista, ele não queria beber álcool, mas foi vencido pela insistência de Nicolás e começou a beber.
Fazia 18 meses que David não bebia, daí sabemos né?
Ele estava fraco para o álcool, não demorou que estivesse para lá de embriagado!
Durante a festa, toda hora Karina e José Sevilla desciam para o estacionamento para fumar, pois Juan não deixava que fumassem em seu ap.
Claro que, por esses sumiços, os outros começaram a desconfiar que não era apenas para fumar que o casal descia, mas que estavam, digamos, escondendo algum tipo de relacionamento mais íntimo entre eles.
O pessoal estava tão alcoolizado, mas, aparentemente, quem estava em pior estado era David, que mal conseguia se manter acordado.
A PARTIDA
Por volta das 2 da manhã, quando o pessoal já tinha ultrapassado todos os limites da sobriedade, Manuel se ofereceu para levar todos para suas respectivas casas.
Acho que o pessoal aceitou sem nem entender o que realmente estava acontecendo, pois eles estavam para lá de Bagdad… ou seja, muito loucos.
Até agora, o que contei foi baseado nos depoimentos dos envolvidos, a parte a seguir é baseada, além dos depoimentos, também nas provas dos autos do processo dos registros do GPS do carro de Manuel.
A primeira a ser deixada em casa foi Cecília, que chegou a convidar Karina para descer com ela, mas a amiga preferiu ir para sua casa.
Então Karina aproveitou e pediu a Manuel para ser deixada primeiro em sua casa para que depois os outros fossem deixados, mas ele explicou que ficaria meio fora de rota ir até a casa dela e depois voltar para deixar os demais.
E assim, Manuel seguiu seu percurso, em 15 minutos, deixou Nicolás na casa dele.
Manuel e o seu co-piloto José decidiram que era hora de deixar David, que dormia profundamente no banco de trás do carro, ao lado de Karina, que também dormia.
Prestem muita atenção nesta parte!
Manuel mal parou o carro na frente da casa de David, que saiu do carro sem nem falar nada e teve que ser ajudado por um de seus irmãos para conseguir entrar em casa.
No celular de David tem o registro de uma ligação de sua namorada María, isso foi próximo das 3 horas.
No carro estavam apenas os dois amigos Manuel e José, além de Karina que, como eu disse, dormia no banco de trás.
O carro foi até um bairro rural conhecido como Llano Chico (pronuncia-se LHANO TICO) a noroeste da cidade de Quito.
Bem, os dois tiraram Karina do carro e a levaram até uma área mais isolada de uma escura ravina, ali, eles abusaram da jovem e, por fim, bateram na cabeça dela até que ela perdesse a vida..
Eles cobriram o corpo da jovem com alguns galhos e algumas folhas e foram embora.
Manuel, por alguma razão nunca explicada, manteve o telefone de Karina com ele.
A AUSÊNCIA
Na manhã de 20 de fevereiro de 2013, Milton notou que sua irmã não tinha ido para casa, claro que tentou contato com ela, mas não obteve êxito.
Milton conhecia muito bem a irmã e sabia que algo estava errado, muito errado, pois não era atitude normal dela, fazer isso de sair e não voltar para casa.
Ele então tentou contato com os amigos que estavam com ela na noite anterior, mas não conseguiu descobrir nada.
No outro dia, Milton conseguiu registrar o desaparecimento da irmã.
Como eu disse no início do vídeo, Karina era uma pessoa muito querida por todos que a conhecia, não demorou que a notícia se espalhasse e as pessoas começaram uma enorme campanha com cartazes e publicações em redes sociais dizendo: “Ajudem-nos a encontrá-la! Vamos encontrar Karina!”
E o Procurador-Geral do Estado encarregado da investigação nomeou o procurador da unidade de pessoas e garantias da Procuradoria de Pichincha, Vicente Reynoso para chefiar a investigação do, até então, caso de desaparecimento.
AS INVESTIGAÇÕES
O Promotor Vicente Reynoso com toda aquela pressão social não demorou para buscar solução para aquele caso, inicialmente mandou intimar a todos aqueles que estiveram com Karina em sua última noite com paradeiro conhecido.
Cecília e Nicolás alegaram não saber o que poderia ter acontecido com a amiga, pois eles saíram antes dela do carro.
Depois Manuel e José contaram uma história estranha, mas parecida.
Eles disseram que a última vez que viram Karina foi quando ela pediu par descer do carro deles e subiu em um táxi, na artéria viária da zona norte da cidade.
O último a depor foi David, ele alegou não lembrar de nada, pois estava tão embriagado naquela noite que sua memória foi apagada!
Mas, logo depois, ele mudou sua versão, um erro que custou caríssimo para ele..
Sob a pressão das autoridades, ele confirmou a versão dos outros dois jovens sobre o táxi…
Agora eram três pessoas com a mesma história do táxi, uma história até que coerente, mas que caiu por terra assim que as autoridades revisaram o GPS do veículo de Manuel.
O verdadeiro percurso foi conferido e não era aquele indicado por Manuel e José.
Os investigadores revisaram o caminho marcado pelo GPS e terminaram em Llano Chico.
Como ali o GPS marcava que eles se mantiveram parados por bastante tempo antes de irem para casa, as autoridades desceram de seus veículos e começaram a vistoriar a área.
O ENCONTRO
Era 27 de fevereiro de 2013, sete dias depois do desaparecimento, quando os agentes Julián Salguero e Miguel Salas da Unidade Antisequestro entraram em um caminho de pedra até chegar a um miradouro rodeado de eucaliptos.
Naquele local, os agentes acharam pendurado em um galho um pingente de coruja, o pingente de Karina, isso ligou o sinal de alerta!
Mas não foi difícil encontrar o corpo em decomposição de Karina abandonado em um barranco, a pouco mais de um metro do pingente de coruja, estavam os restos mortais, cobertos de arbustos secos.
Ela faleceu no mesmo dia de seu desaparecimento, teve fratura em vários ossos da base do crânio, as unhas estavam vermelhas e encharcadas de sujeira e a epiderme inguinal estava descolada, sintomas de morte por hemorragia cerebral devido a grave traumatismo cranioencefálico, causada por pedradas, além de ter sido estrangulada.
A análise forense determinou que a jovem morreu devido a mais de 25 golpes em sua cabeça, que causaram múltiplas fraturas, o ataque foi brutal, além de foram encontrados também sinais de abuso sexual.
Foram emitidos mandados de prisão para os cinco que estavam no veículo.
Do pessoal da festa, apenas Juan Pablo Vaca não entrou na investigação, pois ele ficou em seu apartamento e nada demonstrava que ele tinha participado de alguma espécie de premeditação para o crime.
O caso tomou repercussão nacional, naquela mesma noite o Ministro do Interior José Serrano prestou declaração para esclarecer o que sabia sobre o caso.
UM CRIME DE MORTE QUE SALVOU VIDAS
E, em questão de horas, muitos equatorianos saíram às ruas para exigir justiça, vozes se elevaram.
Enquanto ocorria o velório, as autoridades prenderam Cecília, Nicolás, José, Manuel e David.
Os cinco foram acusados como supostos autores do crime de homicídio doloso premeditado.
Familiares, advogados, artistas, políticos, acadêmicos e ativistas apresentaram a iniciativa cidadã “Karina del Pozo” perante a Assembleia Nacional.
Tratava-se de uma carta pública dirigida ao então presidente do Legislativo, Fernando Cordero, na qual pediam que fosse incluído o feminicídio como crime, entendido como o assassinato doloso de uma mulher por ser mulher; que envolve o agressor, a sociedade e o Estado.
Esta iniciativa também exigiu o reforço das sanções e 35 anos de prisão por feminicídios.
Gina Godoy, que na época era vice-presidente da Comissão de Justiça da Assembleia Nacional, lembrou que organizações como o CEPAM Guayaquil e grupos feministas lutavam há anos para condenar judicialmente os assassinatos contra mulheres por causa de seu gênero, mas a morte violenta de Karina foi o impulso que deu origem ao Código Penal, que entrou em vigor em abril de 2014, incluindo o artigo 141, que estipula o feminicídio como crime.
Em um entrevista, a ex-deputada Gina falou:
“O assassinato de Karina contribuiu para que os cidadãos entendessem pelo que lutávamos. Não é que ela simplesmente apareceu morta. Ela foi estuprada, abusada, ferida e assassinada de forma extremamente cruel, estando em condição de absoluta desvantagem”.
E finalizou, dizendo que a cobertura midiática do caso nunca abriu espaço para conhecer a história de Karina, para saber o que ela fazia ou do que gostava. Depois de assassinada, foi publicamente condenada por ser bonita, por ser modelo, por ser mulher. (comentário)
O tratamento dado pela mídia afetou profundamente sua família e conhecidos.
A acadêmica, escritora e jornalista Cristina Burneo, professora de uma universidade de Quito em 2013, lembra que seus alunos eram amigos de Karina del Pozo e assim nasceu a coluna “la Palabra”, uma coluna de opinião que ela construiu com eles e que desmascarou uma visão discriminatória e misógina que a condenou por “sair sozinha à noite”, por “exagerar nas bebidas”, “por sair com qualquer pessoa”.
“Um crime de ódio que deve ser julgado como tal. Ela não aceita que a culpa seja da mulher agredida. Ela não aceita que sua palavra seja desvalorizada. Ela não aceita que seu direito de se expressar seja desacreditado. E ela recupera a sua memória e a sua palavra para que outros possam sair de casa. Ser mulher”, foi um dos fragmentos deste escrito, publicado no jornal Hoy em 17 de março de 2013.
A grande amiga de Karina, Alejandra, vive com se o tempo não tivesse passado.
Sua voz ainda falha quando ele revive o sofrimento que viveu há uma década.
Sua mente até apagou o discurso que ela fez no velório de sua melhor amiga, mas ela não parou de lutar para que mais mulheres não sofram e não sejam violadas ou abusadas.
É, realmente, alguns crimes mudam a vida de todos aqueles que vivem essa dor imensurável, mas alguns aprendem a lutar em razão da perda!
Em 2018, após a classificação do feminicídio no Equador, foi aprovada a Lei Orgânica Integral para prevenir e erradicar a violência contra as mulheres.
Um ano depois, o então presidente, Lenín Moreno, criou um bônus para crianças e adolescentes que ficaram órfãos por feminicídio, e que são muitos!
Enquanto muitos lutavam em nome de Karina contra violência de gênero, a opinião pública já havia escolhido o seu culpado número um, David!
De acordo com o apresentado em sua dissertação de mestrado criminal do jurista Joe Paul Ocaña Merino, que mais tarde se tornou defensor de David, houve uma campanha de ataques nas redes sociais e nos meios de comunicação contra os envolvidos.
E parte da sociedade já tinha considerado como culpado David, mesmo sem conhecer as provas, estavam culpando o rapaz principalmente em razão da aparência e estilo de vida, ou seja, David se enquadrava no estereótipo de criminoso, de membro de gangues, pandillero como se fala por lá.
Durante a prisão preventiva dos envolvidos, a mãe de David faleceu de câncer e, enquanto isso, os réus modificavam suas versões.
AS VÁRIAS VERSÕES DE UM MESMO CRIME..
Em um de seus depoimentos, Manuel afirmou que foi David quem lhes disse como chegar a Llano Chico.
Mais tarde, Manuel acusou diretamente David de ser o autor material e intelectual do crime.
Ele ressaltou em sua primeira versão que, ao sair da festa, Nicolás pediu que ele levasse o pessoal para casa e todos entraram no seu veículo; Primeiro deixou Cecília, depois Nicolás, e quando se dirigia para a casa de Karina contou aos jovens sua intenção de continuar bebendo. Karina não quis, desceu do carro e pegou um táxi.
Em um outro testemunho, ele afirmou que depois de deixar Nicolás em sua casa, David, que já tinha beijado Karina, guiou ele até um local para que pudessem continuar bebendo.
Enquanto isso David passava a mão em Karina, e ela, mesmo sonolenta, tentava impedir.
Ao chegarem ao local, a jovem acordou e saiu do veículo, David a seguiu.
Ele e José não saíram até ouvirem alguns gritos e foram ver o que estava acontecendo.
Quando se aproximou, ouviu David xingando Karina.
Vendo o que estava acontecendo, voltou em direção ao veículo enquanto ouvia Karina implorando por sua vida.
Quando ele voltou, a jovem estava no chão chorando e David pediu que ele a matasse.
Ele se aproximou dela e disse para ela se fingir de morta, mas David começou a sufocá-la e depois bateu com uma pedra na cabeça.
Já José Sevilla, tentou minimizar seu envolvimento com o fato, alegando estar muito bêbado, mas depois mudou a versão e disse que teve relações consensuais com Karina durante a festa no apartamento.
Em outra de suas versões das diversas que constam no processo, José disse que ele e Karina consumiram álcool e maconha e que viu Karina beijando David antes de saírem da festa.
Depois, todos partiram no veículo de Manuel e primeiro deixaram Cecília e Nicolás em suas casas.
E que viu que, quando David e Karina ficaram sozinhos no banco de trás, ele começou a tocar em Karina e ela começou a reclamar do abuso, ele se irritou e disse: “você vai ver o que acontece com você por ser puta”
Eles se dirigiram para um local abandonado, no caminho Karina adormeceu.
Na ravina, David disse para Karina descer, José e Manuel ficaram no carro até que, ao ouviram gritos, desceram e viram Karina no chão enquanto David gritava com ela: “é isso que acontece com você, sua puta!”
E David e Manuel decidiram matar Karina.
José disse que foi pro carro e ficou esperando.
Não viu o que aconteceu depois disso, mas lembra de ter visto Manuel chegando com uma pedra cheia de sangue.
Depois disso, os três saíram imediatamente do local.
Bem, essa foi uma das inúmeras versões que José Sevilla prestou, porém Ana Belén de Pozo, Alejandra Ojeda, Daniela Montiel e a própria Cecilia Rivera testemunharam sobre a má reputação de José, que possivelmente estivesse envolvido com drogas, armas e que era conhecido por embebedar mulheres e abusar delas.
Já David confessou que sua primeira declaração foi feita sob ameaça e por isso apoiou o que foi relatado pelos outros dois envolvidos.
Em sua primeira versão afirmou que todos entram no veículo de Manuel Salazar, que primeiro deixaram Cecilia Rivera e depois Nicolás León em casa, depois adormeceu devido ao álcool que ingeriu e acordou ao ver Karina zangada, chamando um táxi.
Em sua versão posterior, ele ressaltou que foi ele quem pediu aos amigos que fossem embora, pois precisava acordar cedo, e só se lembra de quando deixaram Cecília em casa e depois deixaram ele na dele.
No dia seguinte estava com a mãe no hospital e foi Manuel quem lhe disse o que deveria dizer no depoimento, porque não se lembrava do que realmente tinha acontecido.
Ele acrescentou, ainda, que nunca teve um relacionamento amoroso com a vítima, mas, se contradisse ao relatar que só se lembrava de quando eles deixaram Cecília, e depois disse que não se lembrava de quando a deixaram, porque estava dormindo o tempo todo.
Realmente, David só se enrolou em seus depoimentos!
Além disso, afirmou que, quando estava detido, ouviu José e Manuel dizerem que este a violou e que o primeiro a sufocou, mas como ela não morreu, bateu nela com uma pedra.
(COMENTÁRIO SOBRE OS DEPOIMENTOS CONTROVERSOS)
Por ordem do Ministério Público, foi feita uma batida nas casas de todos envolvidos.
A operação serviu para recuperar lençóis, travesseiros, sapatos e roupas que foram então submetidos a análise em 8 de março de 2013, o Ministério Público e peritos em criminalística realizaram uma nova inspeção na cena do crime.
Resumindo, as autoridades estavam fazendo tudo da forma como deve ser feita uma investigação.
O promotor Vicente Reinoso compartilhou suas suspeitas sobre o que tinha acontecido, e segundo ele, a jovem confrontou os três homens, um dos quais, especialista em artes marciais, e que ela não teve a mínima chance de defesa.
Vicente Reinoso nunca deixou de demonstrar que acusava David mais por sua aparência física do que pelas provas encontradas.
O Ministério Público e os agentes de criminalística, acompanhados dos cinco investigados e seus respectivos advogados realizaram uma reconstituição, com descrição detalhada das últimas 8 horas da vida de Karina.
Depois, em uma nova fiscalização em Llano Chico descobriram uma pedra com manchas avermelhadas, sangue de Karina.
Os resultados das análises genéticas confirmaram que tanto a pedra quanto as amostras na camionete de Manuel correspondiam ao DNA de Karina, então, as autoridades concluíram que David, Manuel e José eram os principais envolvidos.
Também na operação policial de busca de provas, a equipe concluiu que ambos, Manuel e José, tinham sujeira do local onde o corpo foi encontrado em seus sapatos e que suas roupas mostravam DNA correspondente ao de Karina e, se isso não bastasse, a memória do telefone da jovem estava dentro da carteira de Manuel.
No entanto, não foram encontradas tais evidências nas roupas ou sapatos de David, mas a promotoria especulou que ele pode ter limpado suas roupas e sapatos para apagar quaisquer vestígios incriminadores.
O JULGAMENTO
As investigações seguiram até que no final de junho, o juiz de garantias criminais Raúl Martínez recebeu a acusação da procuradoria.
Foram acusados David, Manuel e José.
Cecília e Nicolás colocados em liberdade e deixaram de ser considerados réus.
Em setembro de 2013, na primeira audiência a promotoria convocou 32 testemunhas, a maioria policiais e especialistas envolvidos no caso.
Então, em 3 de outubro desse mesmo ano, finalmente o processo judicial teve sua tão esperada sentença.
Foi concluída que uma das tantas versões apresentadas por Manuel, ele deu cerca de seis diferentes, era a verdadeira ou a mais próxima da verdade pelo menos.
David foi classificado como o autor material do crime, enquanto Manuel e José foram considerados coautores e cúmplices respectivamente.
Durante as audiências, Manuel foi descrito como um indivíduo com complexos de inferioridade submisso, colaborativo e dependente com comportamentos de desprezo e ressentimento em relação às mulheres.
Especialistas concluíram que José, além da propensão para a violência, exibia traços psicopáticos, não tinha princípios e tinha atitudes de ódio em relação às mulheres, a tudo isso se somou um comportamento que não conhecia os limites e portanto ele não os respeitou.
Quanto a David, nenhum sinal de rejeição foi detectado e discriminação em relação ao sexo feminino, muito embora tenham sido identificados traços de personalidade narcisistas e paranoicos.
Mas como já disse lá no início, esse é um caso cheio de interrogações, olha só isso..
A defesa de David sempre sustentou que nem sequer foi provado que ele esteve na cena do crime, só tinham os testemunhos dos outros dois envolvidos, que convenhamos, mudavam de versão a todo instante.
Mas de nada adiantaram as alegações da defesa, após longas semanas de julgamento, em 8 de outubro de 2013, Geovanny David Piña Bueno, Manuel Gustavo Salazar Gómez e José Antonio Sevilla Freire foram condenados à pena máxima de 25 anos de prisão pelo crime contra Nelly Karina del Pozo Mosquera, sem direito a modificação, sem qualquer circunstância atenuante, devido à convulsão social que causou este crime.
Da mesma forma, cada um deles foi condenado a pagar uma compensação financeira de 2.000 dólares para a família da vítima.
Enquanto ouviam a sentença, o único a chorar foi David, os outros mostraram uma frieza assustadora, digna de psicopatas.
Futuramente, se viu que essas lágrimas de David eram a externização da angústia, do medo, do pavor de alguém que nunca tido problemas com a lei antes.
E tudo ficou pior para David quando ele foi agredido fisicamente e ainda sofreu abuso dentro da prisão.
Mas David entendeu que chorar não iria adiantar, ele estudou, estudou e estudou.
David e seu advogado Joe Paúl Ocaña Merino começaram um luta incessante para provar sua inocência.
O primeiro recurso foi rejeitado em janeiro de 2014, pois foi considerado extemporâneo, ou seja, eles entraram com o recurso fora do prazo da lei.
Enquanto isso a família de Karina continuava sua batalha, uma batalha por todas as mulheres equatorianas.
Conjuntamente com várias organizações de defesa das mulheres em agosto de 2014, a morte de Karina ganhou um significado, óbvio que nada que encerra a dor, mas que ameniza e traz um propósito a todo esse caos, pois enfim o Equador criminalizou o feminicídio em seu abrangente código penal orgânico, com penas implícitas de 22 a 26 anos de prisão.
A morte de Karina realmente mudou a situação tão complicada das mulheres naquele país. (se quiser, pode fazer um paralelo com a Lei Maria da Penha)
Enquanto o Equador evoluía judicialmente e moralmente, David se dedicava por sua liberdade, cursava Direito e buscava por Justiça.
Em março de 2017, ingressaram com o primeiro recurso de revisão que alegava que tinha sido condenado com base em documentos de testemunhas falsas ou relatórios de especialistas maliciosos ou enganados, mas um ano depois o Tribunal Nacional de Justiça não admitiu o recurso.
Mas eles não desistiram, insistiram no pedido de revisão e, em 14 de janeiro de 2019, David foi ao tribunal constitucional, onde ele ingressou com uma ação protetiva extraordinária sobre a recusa do CNJ por se tratar do segundo pedido de revisão.
Em seus argumentos indicaram que o tribunal nacional violou os seus direitos constitucionais à proteção judicial efetiva devido a processo para garantir motivação e segurança jurídica, o caso foi revisado pelo juiz Agustín Grijalba que, em 16 de junho de 2021, declarou que sim, houve violação dos direitos de David e, por isso, consequentemente, ele aceitou a ação extraordinária de proteção após a decisão, a recusa do tribunal nacional ficou sem efeito e caberia, agora, ao seu tribunal criminal julgar o recurso de revisão.
Nessa ocasião, Joe Paúl, advogado David, disse que apresentaria 13 novas evidências, o que significa que pediria a inclusão de estudos realizados por novos especialistas em genética, investigação criminal, tecnologia e psicologia criminal.
Durante tudo isso, David obteve seu diploma de direito e, ao mesmo tempo, trabalhava no refeitório da penitenciária, mas sua dedicação, sua decisão em não desistir, enfim rendia frutos!
No dia 23 de maio de 2023, foi realizada uma audiência e, após ter cumprido 10 anos e 3 meses de prisão, foi determinado que ele poderia ser libertado da prisão mediante acordo de pré-libertação, com certas condições, tais como: ir a um centro de saúde de reabilitação uma vez por semana durante 5 horas; comparecer à unidade judiciária uma vez por mês e apresentar relatório psicológico semestral, e, finalmente, estava proibido de se aproximar dos familiares de Karina.
Claro, para toda ação a uma reação, o advogado de Nicolás soube do acordo, e aproveitou a oportunidade para expressar publicamente que, na sua opinião, todo o sistema judicial falhou com David e com seu cliente também.
Cada vez mais o sistema judiciário equatoriano mostrava sua fragilidade.
E aí, o que você acha, David ajudou, participou, foi o autor desse crime tão selvagem ou realmente foi vítimas dos dois reais autores do fato?
A vida de Karina foi curta e arrancada de forma abrupta e covarde, mas sua partida significou a inclusão do feminicídio na legislação equatoriana e um profundo debate sobre o tratamento que alguns meios de comunicação davam aos acontecimentos sem qualquer perspectiva de gênero ou mesmo respeito à vítima!
O caso de Nelli Karina del Pozo Mosquera é debatido e seguirá assim por muitos e muitos anos, não apenas nos meios acadêmicos devido às ações duvidosas da justiça, mas também nas ruas, dentro das casas dos equatorianos, pois gerou enorme repercussão social e deu voz àquelas que antes não tinham nem a quem pedir socorro!
A morte de Karina segue cercada de mistérios, mas temos uma certeza nada do que ela passou foi em vão!