O NOME DO TEU SÓCIO
O NOME DO TEU SÓCIO
Joãozinho Trinta e Oito, 19, está numa maré baixa. Entraram dois PM no ônibus antes dele resolver meter o cano do trabuco na moringa do cobrador. Desce apressado e tropeça no meio-fio, a correr. Os “hôme” militares, alertados pelo motorista, saem na captura, mas já não dá pra pegar as pernas compridas no pinote de fugir da polícia.
Injuriado, ofegante, jura que não vai dá mole pra mulher grávida, idosos, estudantes, ou quem quer que lhe pareça suficientemente fraco para não reagir a assalto a mão armada. Numa dessas calçadas aonde perambula com carteira profissional sem registro há nove meses ele reagiu e quase dançou. Cansou de catar registro profissional com salário mínimo. Tá injuriado nos quatro costados.
Agora vai cobrar de todo mundo que cruzar seu caminho e parecer suficientemente indefeso. Meses e meses de busca e frustração: das firmas só conseguiu um monte de nãos. De alguma forma tem de se safar. Tá ficando escolado com a malandragem em busca de se defender. Não caiu em cana nem uma vez. Tá limpo com os hôme milicos. Chega dessa comédia de pedinte. Afinal, tem de defender o leite das crianças.
No sufoco, se tiver de apertar, aperta. Por enquanto ele, o apertado. Esse tênis importado que ganhou ontem, após o homicídio daquele grunge bundão, tá ardendo no calcanhar. Dando no saco. Pega o metrô República, baldeação na Sé, direção Corinthians. Em uma hora estará na sinuca do Joaquinzão. Acerta um trampo: cheirar essa paranga de galo, sabe lá quanta mistura: sal de fruta, veneno de rato, pó de giz, tapioca, o diabo.
Paciência, enfim, desistiu de achar lugar para ganhar o sustento dos filhos, um salário. Assalariado, outro nome pra escravo. Caiu na real. As autoridades o empurraram pra danação social. Tá ruim, até pra quem quer sobrevida no mínimo. Ser honesto, nem por malandragem de salário mínimo. Depois de mil vezes rejeitado, sabe ao certo que nasceu pra estar por conta do capeta. Crack jura: nessa não embarca. No ponto de ônibus vazio, ele fica parado esperando. Esperando.
Esmaga com a pressão dos dedos as pelotas do papelote. “Essa coisa é quente”. Da nota de dez, faz canudinho. Encosta no muro, olhar para os lados paranoico e ameaçador. As pupilas saltam, ora para o canto direito, ora para o esquerdo ocular. Enfia as fuças no canudinho, cafunga com entusiasmo, de uma vez, a metade do bagulho. Tá doidão — “vamos nessa” — pronto pra aprontar.
Aí está o “bus”, meia dúzia de passageiros. Já mudou de jurisdição. Pode sujar que tá limpo. Vai sobrar para o cuzão do trocador e do motorista. Esses ganhos merrecas já michou: migalhas. Daqui pra frente vai aprender a ser gente. Fazer a feira nos postos de gasolina, nas lojas de conveniência, nos caixas 24 horas. Pra frente é que se anda. “Pra frente Brasil, salve a seleção. Precisa segurar o pique do progresso: ganhos de carro nacional tipo carroça. Com o tempo vai melhorar até chegar às Ferrari.
— Depois passa prus importado”. Tá aprendendo a ser gente, passou a frequentar as bocas quentes dos Jardins. É lá que está a grana, na conta bancária dessas merrecas gays. Eles adoram uma sacanagem. A maioria tudo frouxos. Tudo frouxo na busca de um arroxo.
Precisa aproveitar a idade e a suposta boa aparência para agilizar o pé de meia. Fazer com que, um pedacinho que seja, do bolo da riqueza desse país venha pra seu bolso. Em breve vai abrir uma conta bancária, investir em CDR. O que cair na rede é peixe, mano. Modernizar os malmequeres.
Cartão de crédito clonado, clonar celular e cartão de crédito é a onda de todo corrupto graúdo. Ouve dizer que todo mafioso alto escalão está fazendo isso, transação da hora. Um dia vai chegar lá. Não quer sentir-se isolado da modernização por que passa a nação.
O próprio presidente diz que o país está a se modernizar. Ele também. Aquele flozô, a sexta vez que olha delicado pra ele. Por hoje já tem por onde se safar. Depois é depois. Amanhã vai ver como é que fica.