Concierge de cães

No canil, localizado nos fundos da casa, os cães estavam latindo em cacofonia. Exasperado, Harvey largou as palavras cruzadas que estava tentando preencher, e foi até a cozinha, onde abriu a porta de tela e gritou:

- Não me façam ir aí de novo! Vai sobrar pra vocês!

Os cães aparentemente perceberam a intenção por trás das palavras agressivas, pois se não pararam imediatamente, reduziram o volume dos latidos. Como Harvey não deu sinal de que iria se mover, acabaram fazendo silêncio. Ele balançou o indicador na direção deles e fechou a porta de tela, retornando para a sala da casa alugada. Salvatore, o outro homem no recinto, ergueu os olhos da revista MAD que estava lendo e indagou:

- Por que esses bichos ficaram tão nervosos, de uma hora para outra?

- Não são só eles, - resmungou Harvey, recostando-se no sofá surrado e apanhando as palavras cruzadas e a caneta esferográfica que jogara no chão - estou ouvindo cães latindo por todos os lados da cidade.

Mordeu o canto da boca e acrescentou:

- Parece que estão pressentindo alguma coisa.

Salvatore deu de ombros.

- Espero que seja a chegada do Isaac. Já cumprimos nossa meta por aqui, e é hora de levar a carga para os compradores.

- Sim, seria bom se Isaac chegasse logo - assentiu Harvey, preenchendo uma coluna vertical com nove letras.

Momentos depois a atenção dos dois homens foi despertada pelo som de um automóvel que parara em frente à casa. Salvatore ergueu-se e afastou ligeiramente a cortina da sala para ver de quem se tratava.

- Isaac? - Indagou Harvey em voz baixa.

- Não - sussurrou Salvatore. - É a polícia.

- Mas que diabos... - grunhiu Harvey erguendo-se.

Dois policiais haviam descido da viatura e olhavam para a fachada da casa com ar de dúvida.

- Melhor você ir lá, ver o que querem - sugeriu Salvatore em voz baixa. - Parece que estão procurando um endereço.

- Desde que não seja o nosso... - redarguiu o interpelado. Mas acatou a sugestão e abriu a porta da frente.

- Olá! - Saudou-o o policial que dirigira a viatura. - Departamento de Polícia de Havana...

- Sim, deu pra perceber - respondeu Harvey, tentando parecer amistoso. - Em que posso ajudá-lo, oficial?

- Recebemos uma denúncia, - disse o policial - sobre um cão que teria sido furtado de uma residência na cidade. A informação que temos é que ele estaria na sua residência.

- Um cão? - Harvey ergueu os sobrolhos. - Bom, eu tenho vários na verdade... mas não são meus.

- Como assim? - O policial franziu a testa.

- Eu tenho um canil nos fundos - explicou. - É um hotel para cães... as pessoas os deixam comigo quando têm que viajar ou algo assim.

Os dois policiais entreolharam-se.

- Imagino que o senhor tenha a documentação dos cães que estão sob sua guarda? - Indagou o segundo policial.

- Naturalmente - afirmou Harvey. - De todos eles.

- Um destes seria um beagle de dois anos? - Questionou o primeiro policial.

- Ringo? Sim, claro. Um belo animal.

- Ringo... - murmurou o motorista para seu parceiro. - O tal cachorro fugido não era Skipper?

- Eu tenho o certificado do Ringo, - apressou-se em declarar Harvey - caso queiram ver.

- Iríamos precisar trazer a dona do Skipper até aqui para fazer o reconhecimento - ponderou o segundo policial.

- Eu não vou a lugar nenhum - assegurou Harvey. - Se há algum equívoco, ficarei feliz em esclarecer.

- Grato pela sua cooperação, senhor...

- Harvey. Harvey Alford.

- Certo, senhor Alford - prosseguiu o motorista. - Vamos localizar a dona do cachorro fugido e a traremos aqui para identificação... provavelmente amanhã pela manhã. Está bom para o senhor?

- Está perfeito, oficial. É um prazer poder colaborar.

Os dois policiais retiraram-se para a viatura e o motorista entrou em contato pelo rádio com o xerife Lawson.

- O lugar é este mesmo, xerife. O dono da casa tem um hotelzinho para cães. Diz ter um beagle, mas que não seria o que estamos procurando. Ficamos de trazer a dona do cachorro desaparecido para tentar identificar o animal.

- Um hotel para cães? - Questionou Lawson. - Deve ser um negócio muito novo, ou eu teria ouvido falar dele.

- O que fazemos, xerife? - Indagou o motorista. - Entramos para dar uma olhada?

- Sem um mandado? - Replicou Lawson. - Não, façam meia volta e se escondam no mato, mais abaixo na estrada. Fiquem atentos caso apareça algum outro carro indo para esse endereço, mas não tentem interceptar. Eu chego já.

E encerrou o contato.

- [23-11-2023]