Bárbara Castro | Pelo Lei - Capítulo 4

Poucas foram às vezes em que Alex pode retornar a casa onde um dia dividiu seus doze anos com Bárbara. Voltar ao lugar onde de uma certa forma ele fora feliz, ainda lhe causa desconforto e melancolia. O assunto poderia muito bem ser discutido entre ele e sua ex mulher, mas Bárbara fez questão de que a reunião fosse em sua casa e com a presença de Isaque. Alex, por força do hábito, ocupou a poltrona reclinável, mas não fez uso dessa função. Bárbara e Isaque ficaram lado a lado no sofá.

— Porque você quer ir morar com seu pai, meu filho?

O moleque seguia cutucando as unhas e mal erguia a cabeça.

— Isaque, responda sua mãe. — Alex cruzou às pernas.

— Eu não gosto de morar aqui.

— Fale a verdade, filho. Você não aceita o novo namorado da mamãe, não é? — disse Bárbara.

Isaque anuiu.

— E, porque você não aceita? — Alex retrucou. — quando mamãe e eu decidimos nos separar, nós tivemos uma conversa como essa e o que foi falado aqui?

— Mesmo separados vocês continuariam sendo meus pais. — disse bem baixinho.

— As coisas entre sua mãe e eu não deram certo, infelizmente. — nesse momento Alex e Bárbara trocaram olhares e ela tinha os olhos marejados. — precisamos seguir com nossas vidas, a mamãe tem todo o direito de ser feliz. Consegue entender meu filho?

Assentiu Isaque.

— Porém não queremos te obrigar a nada, se você quer ir morar com seu pai então, que seja assim. — disse Bárbara.

— Eu vou com meu pai, mãe. Tudo bem para a senhora?

Ela olhou para Alex e depois ajeitou os cabelos atrás das orelhas.

— Tudo bem, filho.

Minutos depois Isaque aguardava a volta do pai no carro. Alex terminava de acertar os detalhes com Bárbara no portão.

— Não fique preocupada, ele não está indo para a casa de um estranho. É só uma fase. Vai passar.

— Eu sei. Mas que é complicado isso é. — cruzou os braços.

— Você vai ver, semana que vem estaremos aqui novamente.

— Cuide bem do nosso filho, professor.

— Fique bem, Barbarete.

Fazia tempo que Bárbara não era chamada por esse apelido. Alex a chamou de Barbarete pela primeira vez na viagem de lua de mel e nunca mais parou. Até que foi legal ouvir isso novamente.

— Até mais, filho. — acenou para ele.

Enquanto estava reunida com Alex e Isaque a agente precisou ser forte para não se derramar em lágrimas, mas agora, solitária e deitada no sofá, seguir prendendo o choro seria burrice de sua parte. Bárbara chorou muito mais pelo fato de estarem juntos novamente e no mesmo lugar de antes. Eles formavam uma família linda e isso dói no coração. Por que não deu certo, porquê? Essa pergunta ainda grita dentro dela.

*

Foi difícil conseguir dormir. Na verdade, Bárbara apenas cochilou, isso porque recorreu ao remédio que há muito tempo ela havia deixado de escanteio no armário do banheiro. Isso explica o porquê dela se encontrar dentro de seu Logan às seis da manhã a cem metros do condomínio onde Cláudio e Suíço se reúnem. Aos bocejos ela relia suas anotações louca por uma caneca dupla de café. Concentração nunca foi um problema para Bárbara, pelo contrário, uma de suas principais virtudes sempre foi conseguir separar sua vida pessoal da profissional. Especificamente hoje as coisas estão desandando. Sua cabeça não parou um minuto sequer de pensar na atual circunstância vivida em família. A saída de Isaque de casa a deixou bastante mexida, mesmo sabendo que tudo não passa de uma má fase.

Antes de descer, ela deu uma rápida olhada em seu rosto e lá estava ela; linda como sempre, atraente como nunca e principalmente determinada. Determinação é a sua marca registada. Ela soltou os cabelos e os ajeitou com as pontas dos dedos e desceu. Calças jeans justa, sapatos fechados de saltos, camiseta preta por dentro da calças e um blazer azul-escuro. Bárbara Castro estava um fenômeno.

— Oi! Bom dia. O senhor Márcio Braga se encontra?

O porteiro devidamente uniformizado não conseguiu evitar os olhares maliciosos. Não são todos os dias em que uma gostosa aparece por ali.

— Bom dia! O senhor Márcio ainda não apareceu por aqui.

— Nem o senhor Cláudio?

— Não me recordo desse.

— É um rapaz branco, cabelos ondulados crescido com pinta de playboy.

O funcionário do condomínio forçou a mente um pouco mais até se lembrar.

— Não! Ele não mora aqui. Aliás, nenhum dos dois. O apartamento do senhor Márcio só é utilizado para os negócios dele.

— Ah! Então eu vim no lugar certo. Ele entrou em contato comigo ontem me pedindo para passar no escritório dele, nesse endereço.

— Hum! A senhora veio a negócios ou...

Bárbara sorriu dissimulando.

— Ou?

— Ah! Sei lá. Doutor Márcio Braga já recebeu mulheres aqui, sabe como é, mulheres...

Castro ajeitou os cabelos.

— Já entendi. Não. O meu lance com o Márcio é sério. Acho que dessa vez vamos nos acertar.

O porteiro se encostou na guarita apreciando a maravilhosa paisagem humana a sua frente.

— Infelizmente a senhora terá que esperar aqui, não tenho autorização para deixá-la entrar. Normalmente o seu Márcio me fala quem virá visitá-lo.

— Tudo bem. Faça o seu trabalho. Os negócios com ele requer uma certa urgência e eu só precisava pegar alguns documentos. Márcio ficará possuído ao saber que estive aqui, mas o nosso lance terá que esperar. Bom dia. — começou a andar.

O homem se desencostou da guarita, coçou a cabeça, fez careta e grunhiu.

— Ei, moça. Volta aqui!

— Sim? — Bárbara girou nos calcanhares.

Ele entrou na guarita e saiu de lá com uma chave.

— Bloco oito apartamento duzentos e um.

Foi preciso fingir mais uma vez.

— Muito obrigada! Você me quebrou um galhão.

Tudo precisava ser feito com rapidez, era óbvio que o porteiro está a serviço de Suíço e que o mesmo ligará para ele na primeira oportunidade. Não foi uma ideia inteligente, mas era o que Bárbara tinha no momento e bem ou mal deu certo.

Bloco encontrado e apartamento também, hora de saber o que estão aprontando. A detetive sacou sua pistola de dentro da bolsa e girou a chave. O apartamento encontra-se exatamente como ela imaginou; devastado. O sofá que um dia foi a estrela da sala é um show de marcas de molhos e de pés sujos. Há garrafas de uísque pela metade no chão. Ela avançou até a cozinha de onde vem um cheiro de comida estragada. Nada de suspeito lá. A porta do quarto estava aberta. Ela entrou, tudo em ordem. Ali deveria ser um quarto contudo havia uma mesa com cadeiras, o escritório do crime, pensou tentando abrir as gavetas.

*

Às gavetas precisavam ser abertas e rápido. Claro que para isso Bárbara teria que arromba-las, mas isso com certeza estragaria ainda mais a investigação. Por hora elas as deixou de lado e passou a procurar por qualquer coisa no raque. O tempo estava passando e sua ansiedade crescendo. Todo marginal, traficante, tem pelo menos uma lista de contatos ou algo parecido e é só disso que Castro precisa.

Bastante aborrecida ela fotografou tudo o que foi possível e depois disso ela decidiu trabalhar de verdade. Fala sério! Do que adiantaria correr todo esse risco e sair dali com às mãos abanando? O primeiro local a ser fazer busca foi o banheiro. Com nojo, porém com bastante determinação a policial destampou a caixa de descarga. Arregaçou às mangas do blazer e mergulhou seu braço na água fria. Nada, nem mesmo trouxinhas de maconha envolvidas num saquinho plástico. O desânimo foi grande e após mais esse banho de água fria — literalmente falando — Bárbara decidiu deixar o banheiro e reiniciar a procura na sala. Ao se virar para sair ela deu de frente com o porteiro que a socou no rosto.

*

Bárbara Castro caiu sentada no vaso sanitário vendo tudo rodar, mas ainda estava consciente. O porteiro avançou em sua direção na intenção de estrangula-la ali mesmo. Sem pensar muito a agente deferiu-lhe um potente chute nas partes íntimas fazendo seu oponente arfar. O homem caiu ajoelhado urrando feito um animal ferido. Espumando de ódio, Bárbara o chutou no rosto.

— Você está preso, fique quieto. — gritou.

— Sua vaca, olha o que fez comigo. — berrou ainda segurando suas partes baixas.

— Relaxa, você só não vai conseguir transar mais, seu otário. — sacou o celular. — sou a agente Bárbara Castro, preciso de apoio, anote o endereço.

*

Bem mais tarde Bárbara pressionava contra o olho atingido um saco com gelo na sala de repouso do departamento. Ela já havia recebido diversos telefonemas inclusive de Robson. Assim que encerrou a conversa com o namorado Castro voltou a ocupar a poltrona. Dantas invadiu a sala buscando por sua agente.

— Castro! Como você está?

— Me sinto como se tivesse levado um soco no olho. — brincou.

— O cara precisou ser internado, acredito que você tenha arrebentado a varicocele dele.

— Putz! Dessa eu não escapo.

— Fique calma, daremos um jeito. Assim que ele for liberado iremos interroga-lo. — enterrou às mãos nos bolsos. — e a senhora, por favor vá para casa e descanse, lhe darei o restante do dia de folga.

— Obrigada, senhor.

*

Paixão é algo avassalador que queima os corações de dentro para fora e se não for controlado pode ser o causador de muitas loucuras. Cláudio Barbosa é um dos milhares que sofrem por se deixar levar pela paixão por isso ele não mede esforços para estar outra vez com Karina. Mesmo sabendo que a casa de sua ex namorada encontrou-se protegida vinte quatro horas por dois ou mais polícias armados, Cláudio colocará sua liberdade em risco para estar ao lado dela.

Ele aproveitou o momento da troca de turno entre os agentes e pulou os três metros de muro como um felino habilidoso. Conhecendo bem o lugar, sabendo que não há a existência de cachorros ali, Cláudio deu a volta chegando a janela do quarto de Karina. A mesma encontrava-se sentada na escrivaninha digitando um trabalho do curso de inglês no notebook ao vê-lo o grito foi inevitável.

— Por favor, Karina, sou eu.

— O que você quer aqui, Cláudio, como conseguiu passar pela viatura lá fora?

— Posso entrar, eles devem ter ouvido o seu grito?

Apreensiva Karina autorizou sua entrada pela janela, sua mãe tocou na porta do quarto, mas não chegou a entrar. Novamente como um gato Cláudio pulou para o interior do quarto.

— Oi! Mãe, não se preocupe, eu só me assustei com algo que vi na internet. — falou olhando para Cláudio escondido ao lado do armário.

— Eu precisava te ver de novo.

— Fale logo o que você quer, Cláudio. — se sentou na cama.

— Você me denunciou para a polícia, não precisava disso.

— Como não? Você quase me matou estrangulada, veja, eu ainda tenho as marcas. — lhe mostrou o pescoço. — e outra, você anda envolvido com gente ruim.

Cláudio abaixou a cabeça.

— Quem é esse tal de Suíço, Cláudio?

O rapaz inspirou profundamente.

— É uma história bem complicada. Eu não tinha ideia de onde eu estava me metendo. Suíço é perigo e agora é um pouco tarde para desistir.

— Como assim, desistir do quê? — Karina estava realmente preocupada.

— O Márcio é um traficante de drogas bastante rico e conhecido no meio do crime. Ele me ofereceu uma boa grana para transformar a empresa do meu pai em um de seus pontos de lavagem de dinheiro...

— Jesus! E você aceitou? — Karina pôs às mãos na cabeça.

— Sim! Como meu pai não está mais a frente da firma, decidi aceitar e trabalhar para o grupo do Suíço. Se arrependimento matasse.

— E o que você pensa em fazer, fugir?

— Suíço iria atrás de mim em qualquer parte do mundo, com certeza. — tapou o rosto com às mãos. — por isso eu queria te ver. Vou desaparecer por um tempo até resolver tudo e também gostaria de lhe pedir desculpas. Eu te amo muito.

Karina chorou, por essa ela não esperava. Ela não conseguiu continuar sentada olhando para ele. Eles se abraçaram selando a paz.

*

Às duas pedras de gelo dançaram juntas no fundo do copo sendo afogadas logo em seguida pelo uísque. Às mãos trêmulas indicam o grau de nervosismo em que Suíço se encontra. Ele deu um curto gole na bebida e depois abandonou o copo em cima da mesa ao ouvir seu telefone tocar na sala.

— Essa linha é segura?

— Pode ficar tranquilo.

— Conte-me tudo. — andou lentamente até a janela contemplando o mar calmo.

— Aquele idiota do Jorge foi levado pela polícia e me parece que o seu apartamento foi vasculhado.

— Denuncia? — saiu de perto da janela indo até à cozinha.

— Acho que não. O playboy deve ter dado com a língua nos dentes e com isso a polícia agora está no nosso pé.

Márcio deu outro gole no uísque voltando para a sala.

— Sabe me dizer se encontraram algo lá no escritório?

— Nada! Somente o bosta do Jorge. É bem provável que ele passe por um interrogatório.

— Maldita hora que contratei esse merda. Precisamos dar um jeito nos dois.

— Já estou resolvendo isso. Recomendo que não volte ao condomínio até eu terminar todo o trabalho, está certo? Fique onde está.

— Tá certo! E quanto a carga?

— O negócio ainda está de pé. Fique tranquilo.

— Ótimo! Aguardo o seu contato.

Ligação encerrada e agora, mais do que nunca, o nervosismo bateu forte. Para compensar, o copo que estava pela metade foi abastecido até a borda. Suíço não está gostando nada de que está acontecendo.

*

Karina é o grande amor de sua vida. Uma pena Cláudio ter descoberto isso um pouco tarde. Voltando para casa ouvindo música num volume estridente dentro do carro, o reencontro com sua ex namorada o deixou com aquela sensação “solidão em meio a uma multidão”. Ele a entende, não é simples perdoar uma pessoa que a quase matou, não é como mudar de canal. Isso levará um tempo e mesmo assim...

O semáforo lançou a luz vermelha paralisando o fluxo dos carros. O rock pesado do Sepultura deu lugar ao som mais leve de Djavan mostrando o quanto Cláudio Barbosa é um jovem eclético com relação à música. Um Renout Duster preto com vidros filmados parou logo atrás e dele desceu um sujeito mascarado segurando um fuzil. Sem cerimônia e também sem se importar com a presença de testemunhas o mascarado disparou várias vezes contra o vidro da janela do motorista. Isso feito, o pistoleiro voltou para o Duster engatando uma marchar ré até ganhar uma rua secundária. Enquanto isso, dentro do veículo o corpo de Cláudio crivado de balas repousa tranquilamente ao som de “ Lilás”.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 20/08/2023
Código do texto: T7865688
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