Bárbara Castro | Pela Lei - Capítulo 1

Bárbara Castro

Pela Lei

Karina passou boa parte do dia pensando em Cláudio em tudo que o seu relacionamento se tornara. Como pode algo que começou muito bem, de uma hora para a outra se transformar num pesadelo que, a cada dia parece não ter fim? Ela sempre achou que ele seria o homem que a faria feliz, que a fizesse esquecer dos seus fracassos amorosos do passado, que a tratasse com carinho e principalmente com dignidade. Não! Nada disso aconteceu. Cláudio se revelou um ser hostil, violento e perigoso. O amor que ela sentia por ele deu espaço ao medo e ao receio. Karina tem pavor do seu olhar para ela e sinceramente isso é algo que ela não gostaria mais de sentir.

— Oi! amor, cheguei. — ele entrou em seu quarto segurando um pacote. — eu trouxe comida japonesa daquela lanchonete que você gosta.

— Ah! Oi! Amor. Pode colocar aí em cima da escrivaninha, depois eu como.

— Depois nada, vamos comer agora. — abriu o pacote liberando ainda mais o aroma da iguaria.

— É que eu acabei de lanchar e...

Cláudio se virou para ela com aquele mesmo olhar ameaçador.

— Eu disse que vamos comer agora. Entendeu?

Engolindo seco Karina levantou-se da cama e se juntou a ele na escrivaninha. Ela não mentiu quando disse-lhe que já havia lanchado e mesmo assim, por medo ela empurrou a comida sem ao menos sentir o seu sabor. Ao término da degustação tudo o que Karina queria era que Cláudio fosse embora ou que se comportasse como antes, mas isso não aconteceu.

— Tranque a porta. — Cláudio deitou-se esparramado.

A vontade foi de sair daquele quarto gritando pedindo por ajuda. Imagina negar fazer sexo com seu namorado violento? Seria o mesmo que assinar sua sentença de morte. Karina não estava a fim de transar e o que era pior, sua menstruação havia chegado um dia antes. Ela engoliu seco, respirou fundo e falou.

— Poxa, amor, hoje não vai dar.

— Posso saber por quê? — lançou-lhe novamente aquele olhar horripilante.

— Estou menstruada.

Palavrões e mais palavrões. Cláudio a puxou pelo braço e a fez se deitar ao lado dele.

— Tudo bem, mas sua mão e sua boca não estão, então, mãos a obra.

Se isso ocorresse num passado recente, Karina o satisfaria com todo o prazer do mundo, mas hoje, tudo o que ela sente é nojo e pavor. A sessão de sexo oral foi regada a xingamentos, puxões de cabelo e a inúmeros tapas em seu rosto. Novamente as lágrimas ajudaram a deixar aqueles momentos ainda mais tenebrosos.

*

Bárbara e Robson estão se beijando a horas acomodados no sofá da casa da investigadora. Ele precisa acordar cedo no outro dia, mas estar ao lado da nova namorada é simplesmente encantador. A troca de fluidos terminou e o professor de educação física e jogador de basquete precisou de um tempo até sua excitação diminuir.

— É melhor colocar o travesseiro na frente, vá que o Isaque acorda e veja isso. — ela disse aos risos.

— Caramba! — pegou o travesseiro. — e o pior não é isso. Sentirei dor a noite toda.

— Lembre-se, você está em fase de preparação, sexo e treino não combinam. — Bárbara riu.

Robson ficou de pé.

— Espera só essa fase acabar, gatinha, vou lhe pegar de jeito. — voltou a beija-la.

— Ansiosa por isso. — o segurou nas partes íntimas.

— Por favor, não comece o que você não vai terminar. Preciso ir embora.

— Tudo bem. Te levo até o portão.

Há um ano a detetive Bárbara Castro precisou comparecer a uma academia para colher novas informações sobre um caso complicado de venda de produtos ilegais nas escolas, centros de treinamentos e principalmente nas grandes academias de musculação. Logo de cara, a policial recém-divorciada bateu de frente com um negro alto, lindo, corpo atlético na recepção do estabelecimento. Muito educado, o professor de educação física a conduziu até o escritório e ali em meio a perguntas formais de uma investigação, Bárbara e Robson se viram apaixonados um pelo outro. Ao final da conversa, um novo encontro fora marcado, porém, longe da academia e também sem compromisso algum com a investigação em curso.

Robson Mota foi embora levando com ele sua excitação. Bárbara também estava louca para se desestressar na cama, mas respeitou o momento de preparação do namorado. Ao voltar para dentro de casa ela deu de frente com Isaque parado no meio da sala.

— Ainda acordado?

— Não estava conseguindo dormir.

— Sério? Você não estava conseguindo dormir ou não queria dormir sabendo que sua mãe namorava aqui na sala? — perguntou ajeitando o sofá.

— Às duas coisas. Como a senhora consegue ficar com esse gigante de carvão...

— Esse gigante de carvão tem nome: Robson Mota e é melhor você criar o hábito de respeita-lo mocinho, ou terá sérios problemas.

Eles se encararam.

— E o meu pai? — Isaque cruzou os braços.

— O que tem seu pai?

— O que ele acha de tudo isso?

Bárbara se acomodou na ponta da outra poltrona se controlando ao máximo para não explodir.

— O que seu pai acha ou deixa de achar não me interessa, ouviu? E pare de ficar se metendo no assunto de adulto, fui clara?

Silêncio.

— Ótimo, acabamos por aqui, agora volte para cama.

Se tem algo de que Bárbara jamais pode se queixar é sobre falta obediência. Apesar da idade, Isaque é sim um menino bastante obediente. Assim que sua mãe deu o assunto por encerrado ele correu para o seu quarto e se enfiou entre as cobertas. Bárbara ainda permaneceu sentada ruminando o mal-estar entre o filho e ela chegando a uma conclusão: Alex, seu ex marido. Ele sim, é o pivô desses conflitos.

*

Não foi uma noite muito boa para variar. Karina passou boa parte do tempo suplicando aos céus em silêncio pela saída de seu namorado de sua casa. Infelizmente a companhia de Cláudio vem lhe fazendo bastante mal. Fora as agressões e humilhações, a jovem estudante de design digital vem percebendo mudanças drásticas em seu namorado, principalmente no que diz respeito a parte financeira que melhorou muito. Cláudio já não reclama como antes por não conseguir comprar o celular dos seus sonhos, hoje, simplesmente ele vai até à loja e o compra. A última vez em que saíram juntos, ele a levou num dos melhores restaurantes que fica situado no maior shopping da cidade e diga-se de passagem, não gastaram pouco. Quando questionado Cláudio faz questão de enfatizar a fase próspera que vive a empresa onde trabalha.

Cláudio esvaziava sua bexiga cantarolando um sertanejo universitário provando para Karina o seu péssimo gosto musical. Ela olhou para o seu celular em cima da cama que se encontrava aberto numa conversa com um tal de Suíço no WhatsApp. Não havia foto de perfil. Ofegante, Karina esticou o braço e se apossou do aparelho passando a ler o conteúdo da conversa.

Suíço: Meu parça, quando foi que falhei com você? Se eu estou dizendo que no dia combinado sua grana vai estar em mãos é porque vai estar.

Cláudio: Se liga, mano, eu já fui longe demais para voltar então, dá seu jeito.

— O que meu celular faz em sua mão? — Cláudio apareceu na porta do banheiro ainda com a braguilha aberta.

Com o susto Karina deixou o telefone cair aumentando a fúria do rapaz.

— Me perdoe, eu...

— Eu não lhe dei a liberdade de mexer no meu celular. — a segurou pelo braço.

Karina foi içada da cama tamanha a truculência com que Cláudio a puxou. A menina ainda tentou se defender dos sacolejos, porém ficou apenas na tentativa seu namorado é infinitamente maior e mais forte do que ela.

— Nunca mais toque no meu celular, você está me ouvindo?

— Quem é Suíço?

Só após fazer tal pergunta foi que Karina percebeu a besteira que havia feito. Cláudio a empurrou na cama já segurando em seu pescoço com às duas mãos a estrangulando.

— Pelo amor de Deus, Cláudio, não faça isso comigo, eu sou sua namorada, lembra?

Cego, surdo e louco de ódio, Cláudio deixou ser possuído por uma raiva que o incendiou de dentro para fora. Karina já havia perdido as forças quando ouviram-se as insistentes batidas na porta do quarto.

— Filha, tudo bem aí? — perguntou sua mãe.

O ar lentamente voltou a circular pelas vias respiratórias de Karina. Vendo o estado em que se encontrava a garota o covarde mesmo respondeu.

— Ela está no banheiro dona Carmem. Está tudo bem sim!

Tossindo bastante Karina olhava para Cláudio e em seu coração ela já havia tomado sua decisão. Ele se vestiu correndo, recolhendo seus pertences e antes de sair ele lhe deu um último aviso.

— Tem amor a sua vida? Então em hipótese nenhuma comente o que aconteceu aqui com ninguém, você entendeu?

Karina anuiu.

— Boa menina. — saiu do quarto.

*

Alex desembarcou do Uber em frente ao bar de olho no Logan marrom metálico parado em uma das poucas vagas existentes do estabelecimento. Assim que recebeu o telefonema de sua ex esposa, o professor universitário sabia que viria chumbo grosso para cima dele por isso fez questão que o encontro fosse em um lugar público. Alex empurrou a porta e sentiu o ar gélido esbofeteando seu rosto. Bárbara acenou preguiçosamente lhe entregando sua localização.

— Olá! — Alex puxou a cadeira. — tem muito tempo que chegou?

— Uns vinte minutos. Gostei da barba.

Alex ruborizou.

— Resolvi mudar. Já fez o pedido?

— Isso aqui não é um encontro, Alex, estamos aqui para alinharmos o que queremos de fato para o Isaque.

Lá vamos nós outra vez, pensou Alex chamando o atendente.

— Você tem enchido a cabeça dele com besteiras. Acredita que ele chamou o Robson de Gigante de carvão?

— Eu juro que não tenho nada a ver com isso. Prometo ter uma conversa com ele da próxima vez...

— Estou pensando seriamente em não deixá-lo ir mais para sua casa...

— Então temos que ajuizar isso. Quer mesmo passar por tudo aquilo outra vez?

O atendente se aproximou.

— Vou querer café puro e você Bárbara?

— Eu tomei café antes de sair de casa, obrigado.

Assim que se viram a sós, reiniciaram a conversa.

— Outra coisa, pare de colocar minhoca na cabeça do garoto sobre o meu namorado. Você não conhece o Robson, Isaque é ainda uma criança, não quero vê-lo se metendo em conversa de adultos, você me entendeu?

— Calma, capitão Nascimento...

— Capitão Nascimento é a...

Bárbara olhou ao redor e viu alguns dos outros clientes olhando na direção de sua mesa.

— Estou atrasada para o trabalho. — pegou a bolsa em cima da outra cadeira desocupada. — pense no que conversamos, para o bem do nosso menino. — se levantou.

Assim que pôs os olhos no corpo da ex mulher vestida com uma calça jeans colada e um blazer preto, Alex Campos não conseguiu conter o comentário.

— Você está cada dia melhor, Bárbara, cada vez mais parecida com Ivete Sangalo.

— Se liga, bobão, ela é quem é parecida comigo. Tchau.

*

Quando o loiro alto, de olhos cor de mel, com pinta de pegador assumiu o departamento de polícia da cidade há dois anos, ninguém levou fé que ele pudesse por às coisas em ordem em tão pouco tempo. Emanuel Dantas provou que conhece bem o meio e ser policial é mais que uma profissão.

Bárbara Castro havia acabado de chegar quando soube que Dantas a aguardava em seu gabinete. Ser solicitada pelo chefe logo no início do plantão não é nada legal, mas em se tratando de Emanuel Dantas, até que não é má ideia.

— Bom dia, delegado.

Emanuel não estava sozinho.

— Bom dia, Detetive Castro. Essa é Karina Lopes.

Karina tinha uma expressão fechada ornamentada por olheiras bem profundas. Bárbara e ela trocaram olhares rápidos.

— Ela veio denunciar Cláudio Barbosa, o namorado. Quero que cuide desse caso.

— Tudo bem, mas, violência contra mulher é com a Alexandra e...

Dantas retirou os óculos de leitura e apertou os olhos com os dedos.

— Esse caso vai além disso, Castro. Recomendo que a conduza até sua mesa e ouça o que ela tem a dizer.

Silêncio.

— Tudo bem. Com licença, senhor. Vamos, Karina.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 29/07/2023
Código do texto: T7848828
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