O rei do Recife - Um roteiro para cinema freestyle

Personagens:

João tem 23 anos, um tipo “caboclo”, filho de negro com índio, usa cabelos alisados com (brilhantina) ou gel. Uma de suas características é usar-se de artimanhas para se safar de situações “complicadas”, é um legítimo “espertalhão”, gosta de rir alto, tirar sarro dos amigos, falar sobre futebol (torce para o Sport Recife), de fumar (CIGARRO COLUMBIA). Fala orgulhosamente de seus feitos amorosos. É um beberrão de cerveja preferencialmente, ocasionalmente, toma “destilados” também. Administra um dos açougues do pai. Tem dois filhos bebês.

Bombeiro tem 30 anos, homem branco, cabelos com gel, penteados para trás, possui uma calva evidente, personalidade megalômana. É bombeiro militar, antes, fora policial militar, carreira que foi obrigado a abandonar, porque de lá foi expulso, anda armado. Veste-se com elegância, usa paletó, chapéu de feltro, e tem o bigode sempre feito. Tem um rosto escanhoado. Charmoso, voz “de locutor”, absolutamente sem escrúpulos, herdeiro de família importante do Recife. Envolve-se com muitas mulheres ao mesmo tempo, tem filhos, mas, não sabe contar quantos são.

João e Bombeiro se conhecem de antigas pândegas, em três cenas, encontram-se para conversar e emitir suas opiniões sobre a vida, sempre no mesmo bar em recife, são meus avôs paterno e materno. No tempo em que se passam as cenas eles são jovens, meus pais ainda não existiam, portanto, trata-se de uma memória ficcional, baseada em suas personalidades e forma de vida, conforme os relatos de familiares.

Cena:

No bar, um imenso balcão, cadeiras, bebidas em garrafas, copos arrumados em prateleiras. JOÃO espera sentado numa cadeira de madeira de pés cumpridos, vê-se cadeiras idênticas na mesma cena. Olha para trás, enquanto consulta o relógio, no balcão diante dele estão garrafas de cerveja (Antártica) vazias, um copo americano cheio, com cerveja, cinzeiro e caixas de fósforo, cartazes colados nas paredes, de produtos do período (anos 1950).

BOMBEIRO entra apressado, fumando, olhando para trás, quase assustado. Veste um elegante paletó e usa um chapéu de feltro com abas redondas. João avista-o e sem cumprimenta-lo, fala em voz alta:

“Rapaz, tu me deu um chá de cadeira danado!”

Bombeiro, com um sinal chama o barman, pede um copo e outra garrafa de cerveja, brinda com João. Bombeiro responde que se atrasou porque estava com uma moça casada, sabia que o marido traído andava a persegui-lo. João lhe diz que também gosta de mulheres casadas. João diz à Bombeiro que o sucesso que tem com as mulheres casadas se deve a sua farda de bombeiro, que tem o efeito de acender o fogo das mulheres. Diz que tomava rumo na vida, iria morar com uma namorada, duvidava que estava novamente grávida, seria o seu terceiro filho. Bombeiro lhe diz que filho só é bom quando é muito. Grita ao garçom por duas doses de conhaque Dreher para comemorar o rumo que João decidira tomar na vida.

João sorri e acende um cigarro. João pergunta:

“E tu, homem, quando vai tomar jeito?”

Bombeiro responde:

“Enquanto tiver vigor, vou continuar me deitando com mulher casada, a sensação de perigo é arretada de boa!”

João diz:

“Pois, tome cuidado homem, marido chifrudo, quase sempre não responde pelo seus atos, e podem ferir gravemente o amante!” Bombeiro, moderadamente bêbado, levanta o copo e diz em voz alta:

“O diabo que carregue todos os maridos, se algum corno se meter a valente comigo vai tomar bala no bucho!” Põe a mão na cintura e apalpa seu revolver.

(Aqui, um elemento fantástico aparece na história, um objeto, que pretensamente seria um telefone celular, a presença deste elemento, faz referência ao futuro, ao legado moral, físico e espiritual que os homens deixarão aos seus descendentes, o aparelho simboliza a comunicação com os que ainda virão e que receberão, alheios à sua vontade, consequências cármicas, vindas dos dois homens.)

João menciona que apareceu no açougue que ele administra, que pertence ao seu pai, (no bairro Casa Amarela em Recife) o mesmo caixeiro-viajante que, anos antes, lhes oferecera testar segundo o caixeiro-viajante “uma nova tecnologia vinda do estrangeiro” tratava-se de um estranho aparelho telefônico, tão pequeno e preto, que podia ser levado na algibeira do paletó, não tinha fio, era uma coisa do futuro que teriam o privilégio de testar. No entanto, eles não ficaram satisfeitos, porque o telefone apesar de prático, não funcionava, pois o som que saía do outro lado, levava muito tempo para chegar, com eco, e ninguém se entendia falando naquele “troço”. Explica que dessa vez, o caixeiro-viajante lhe oferece para bulir uma pequena nave espacial que voa controlada por um aparelho com botões e manches.

Bombeiro diz com desdém:

“Aquele cabra safado me ofereceu uma miudeza de telefone fuleiro, como pode!? Não escutava era nada, a voz da pessoa do outro lado demorava uma vida para chegar, não tenho paciência para estas coisas, hoje, quando quero falar com mainha, vou na casa de seu Rubens em Camaragibe, ele tem um telefone antigo, que se fala e se escuta perfeitamente.”

Bebem mais cerveja, João diz:

“Rapaz, eu me arretei com esse cabra, disse para ir embora e que nunca mais me oferecesse geringonças do futuro, porque eu vivo o aqui e agora!” Seguem bebendo e fumando. Sons de copos, vozes, foco no ato de fumar.

De súbito, Bombeiro gargalha, João diz:

“Tá rindo de que abestalhado?”

Bombeiro diz que se lembrou quando deu uma carreira fugindo do marido de Rozilda,

“Me lembrei uma vez que fiquei que só Adão quando veio ao mundo, tive que fugir assim, pelado, pelado…se não tivesse meus conhecidos lá na cidade, estava lascado, já fui expulso da Polícia, só me faltava me enxotarem também dos Bombeiros do Recife!”

João pergunta: “Por que tu fosse mesmo expulso da PM rapaz?”

Bombeiro responde: “Arruaça, vadiagem e o que foi de lascar o cano de vez, dei um cacete no sargento do batalhão!”

Seguem bebendo e fumando, música toca “João Valentão” de Dorival Caymmi.

Um tempo depois, ouve-se sons de gritos, e vozes de pessoas assustadas, ouve-se ao fundo uma voz feminina dizendo "Ele tem uma peixeira na mão!”.

Outra voz, de um homem, que grita:

“Vou rasgar o bucho de um tal Bombeiro e de quem mais estiver ao lado dele, cadê?”

Bombeiro segue fumando e bebendo, impassível. João está encolhido, assustado.

Após um longo gole de cerveja, Bombeiro saca sua garrucha e aponta ao homem, a câmera permanece em Bombeiro e em João, não mostra o homem que os ameaça. Bombeiro pergunta com um aspecto sádico no rosto:

“Atiro no quengo ou no bucho, João?

João demonstra hesitação e bombeiro repete mais alto, mais sádico,

“No quengo ou no bucho, João?

João gaguejando, assustado, responde:

“Que, que, quen, go!”

Bombeiro dispara e sorri satisfeito, os olhos estão absortos, esbugalhados.

João o observa admirado. Bombeiro diz, como uma declamação final, pronunciando todas as letras:

“Ninguém ameaça, ninguém pode matar.... O Rei do Recife, o Rei do Recife!” FIM DA CENA.

Homem de preto
Enviado por Homem de preto em 27/07/2023
Código do texto: T7847685
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