A Fuga - parte 3
Dias de agonia têm sucedido à última reunião com Wilson. Privado de suas leituras e, principalmente, dos cigarros, Bruce sente sobre si o peso do estresse e da solidão. Ocupa agora uma cela menor, individual; com nada além de uma cama estreita e um vaso sanitário. As duas saídas diárias para o pátio não são longas o suficiente para lhe trazerem recuperação. O que são dois turnos de quarenta minutos em vinte e quatro horas de sofrimento, posto que não venha dormindo à noite? Mas, representam alguma coisa: um pouco de conversa, alguns cigarros que precisa fumar às escondidas e revistas pouco interessantes conseguem preencher um pouco o vazio das horas alucinantes. Há dias não cruza com Jordan. Por arranjo de Wilson saem de suas celas em horários diversos, tanto para as refeições quanto para os banhos de sol e também de chuveiro; os grupos são distintos e onde está um o outro não se encontra.
Na cela com Jordan há mais dois detentos que, não facilmente, cairão em sua simpatia. Não por haver qualquer motivo aparente, mas, por ser o caráter de Jordan não muito sociável e talhado para amizades, especialmente para amizades dentro de uma cela de prisioneiros. Há poucos dias fora Jordan parar ali e sabia diferenciar um relacionamento casual de pátio, de uma mesa de baralho, de um caso real de convivência íntima. Os outros parecem compreender esta característica de Jordan e pouco a ele se achegam. É ele um negro alto e musculoso, mas esforça-se para não permitir que esta vantagem lhe tire a cortesia e a simplicidade. Por ser cuidadoso nos relacionamentos e de poucas falas desperta uma forma diferenciada de simpatia. No entanto, dias seguidos de um recinto fechado, limitado por três paredes e uma grade; parco de luz e de esperança é capaz de desfazer todo e qualquer paradigma no que diga respeito a relacionamento humano. Se os doze anos de claustro serviram de algo a Jordan, isto se deu, certamente, na sua personalidade. A falta de perspectiva para o futuro que deixara de existir para ele tornara-o insensível. A união com Bruce e a possibilidade da fuga trouxeram-lhe um novo ânimo, da mesma forma que a separação um banho de água fria. De pouco falante tornara-se mudo e cabisbaixo. Apenas semanas mais tarde e dado a um fato particular, mostrar-se-ia novamente entusiasmado, mas com reservas.
O tempo de reclusão, a depressão continuada e outros fatores coligados a um apenado perpétuo acabaram por afetar a saúde de Jordan e ele precisou de internação. A enfermaria do hospital para onde o levaram abriga detentos de outros presídios em condições semelhantes. Há ali Curtis, com quem Jordan se afeiçoara e que fora prisioneiro em Blue Mount.
-Conheço aquilo ali como a palma de minha mão. Perdi amigos nas rebeliões de que tomei parte, mas, hoje não mais me arriscaria; não tenho mais idade para tal espécie de aventura.
Curtis também cumpre prisão perpétua por assassinato em presidio especial devido a sua idade e condição física.
-Você é jovem e ainda pode se arriscar. É certo que ali nunca houve fugas, mas não creio que isto seja impossível. -Fala com dificuldade devido a sua doença. Por sua aparência e gravidade não deve ter pela frente muitos anos de vida. A mão esquerda treme incessantemente por causa do Mal de Parkinson. A direita, já não a possui, pois perdera parte do braço ao ficar preso na cerca eletrocutada quando tentara a fuga em Blue Mount.
Jordan ouve-o em silêncio. Uma ponta de esperança parece brilhar em seu íntimo vinda das palavras daquele velho. Conseguirá, ao deixar o hospital, transmitir a Bruce o conteúdo de sua conversa. Não o fará pessoalmente, mas terá o auxílio de um de seus companheiros de cela.
Bruce aparenta uma palidez mais acentuada do que nos últimos dias e, tem nos banhos de sol um bálsamo para o seu castigo. Não está muito a fim de conversa e dá o seu jeito de isolar-se no pátio. Mas, a percepção de um olhar insistente o desconcerta; e o homem fuma, o que faz aumentar a ansiedade de Bruce.
-Aceita um cigarro? -diz o outro, se aproximando. O sujeito sabe da proibição, pois é um dos companheiros de Jordan. Todavia, prefere manter o suspense, obviamente. Wilson não é nenhum idiota e sabe ser impossível proibir alguém de fumar e, os próprios guardas, responsáveis pela vigia de Bruce, não veem ou fingem não ver as tragadas furtivas em ocasiões especiais, já que, nas outras, Bruce se faz valer das generosas doações. Pega de um maço que lhe é estendido.
-Aí não tem apenas cigarros – diz o que se aproximou. - Cuidado! Vem vindo um dos guardas. -Enfia, rapidamente, as mãos em um dos bolsos de Bruce.
-O que tem aí? -pergunta o carcereiro, num tom quase rude e ameaçador.
-São apenas cigarros, chefia. Nosso amiguinho tem vontade fumar e não custa fazer uma caridade, correto?
-Errado! Este prisioneiro está proibido de receber cigarros; devia saber disso.
-Desculpe, chefia! Eu não sabia da tal lei.
-Pois, agora o senhor já sabe; onde está o maço?
-Aqui está, gente boa; voltando para o meu bolsinho ̶ dizendo isto, se afasta.
O carcereiro, após um olhar de desdém e superioridade em direção a Bruce, também faz o mesmo, sem desconfiar que fora, sutilmente, enganado. Vendo-o já pelas costas e com um leve toque no próprio bolso, confirma Bruce a esperteza do outro. O pateta caíra no truque da mão mágica de um assaltante. Já em sua cela e certo de não estar sendo observado, desvenda Bruce o real conteúdo do maço. Contém cigarros, sem dúvida, que é o que, há muito, vem necessitando ultimamente. Mas, o que realmente importa é o papel em forma de envoltório que ali está. Bruce retira-o, sacode alguns resquícios de cinza e o desdobra. É um bilhete escrito à mão, cuja caligrafia ele não reconhece mas tem a assinatura de Jordan ou, antes, o seu nome, ao final da mensagem.
“Acho que podemos recolocar em prática nossas ideias anteriores. Sei que me arrisco, mas Norton parece de confiança. Conheci um ex-detento de Blue Mount que aceitou ajudar-nos, mas, as condições, saberemos mais tarde. Porém, não me importo; faço de tudo em nome da minha liberdade. Aguarde domingo, teremos visita; não posso entrar em maiores detalhes, por hora,