A Fuga - parte 2
Ser chamado à sala de Wilson pela manhã é decair no seu conceito. Significa que, em termos de comportamento, a nota fora a pior possível e isto quer dizer ter os movimentos vigiados as vinte e quatro horas do dia. Para Bruce, que tem em Jordan seu companheiro de cela, um grande aliado para a fuga que tenciona realizar, isto não foi nada produtivo. Terão, talvez, que abortar, por hora, a ideia, visto já não mais dormirem juntos na mesma cela. É esta a razão principal do seu ódio por Wilson. Para o diretor, pouca diferença isto faz, porque lidar com prisioneiros difíceis é sua especialidade. Bruce olha-o com desdém. Sabia que o fato de deixá-lo passar a noite no refeitório porque era o seu aniversário não passara de um blefe. A noite inteira não desgrudaram os olhos de Bruce.
De propósito encheu a cara e deixou-se encher pelo sono mais do que pela bebedeira. Que ficassem lá os guardas, muito despertos e atentos. Ele nãos lhes daria esse gosto de tentar algo diferente; entende a psicologia de Wilson, por isso o mau humor desse dia culminando com o chamamento a sua presença. Bruce já se encontra sentado e encara Wilson dentro dos olhos fazendo aumentar ainda mais a sua irritação. O café da manhã de Wilson costuma ser tomado ali em seu gabinete e ele geralmente o faz antes da visita aos presos, bem cedo pela manhã. Mas, como acordara virado e sem apetite, decidira inverter a ordem nesse dia. Portanto, ali está a mesa posta e, a lembrança do estômago vazio, aliada à visão das guloseimas que, intactas, o esperam, só faz piorar o seu estado. Todavia, a fome e a irritação não o impedem de manifestar sua frieza característica, em que prevalece a superioridade sobre aqueles homens privados de liberdade. Levanta-se, indo até a mesa posta e, tomando nas mãos um bule prateado de porcelana e uma xícara de vidro transparente, serve-se de um café no qual pinga algumas gotas de adoçante e retorna para sua poltrona; novamente senta-se, cruzando as pernas.
-Não vou tolerar manifestações de liderança nesta casa. Conheço cada um dos condenados que aqui se encontram muito mais do que podem supor. A festinha de ontem à noite transcorreu em clima bom e pacífico o que, confesso, me deixou surpreso em virtude do que ocorrera na véspera; e não pensem que esqueci e muito menos que deixarei passar em branco e os responsáveis sem a devida punição. Se procuraram se comportar exemplarmente na noite passada com o intuito de me fazerem mudar de ideia, então precisam me conhecer melhor.
Todos encaram Wilson com muita atenção em suas palavras, mas sem alterar suas posições. São, com exceção de Bruce, como subordinados militares sob uma chuva de sermões. Bruce, ao contrário, já não fixa Wilson enquanto este fala. Seus olhos, como se movidos por um propósito a contra gosto, procuram se distrair, passeando sobre os objetos da sala. Vão, do armário de alumínio ao lado de Wilson, para a mesa do café e, desta, para a fisionomia de cada um dos rapazes. Examina, como que pasmado, o rosto de cada um deles, o que deve, talvez, enchê-lo também de uma sensação de superioridade. Daí, divisa, entre a cortina e uma das janelas, entreaberta, uma parte do enorme pátio ainda vazio àquela hora. Volta a olhar para o armário e suas enormes gavetas, repletas, por certo, de arquivos dos incansáveis e reveladores relatórios de Wilson. Este esforça-se para não demonstrar, no teor das palavras, nem no tom de voz, a real sensação que lhe causa aquela indiferença e aquele sarcasmo de Bruce. Na sua visão de líder, sabe e fará o possível para que o outro venha a ter o que merece por seu jeito arrogante diante de uma autoridade. De proposito, não se dirige a ele pessoalmente, embora, em suas palavras, deixe claro a sua mensagem e sua desconfiança em relação às intenções de Bruce.
-Qualquer menção ou intenção que seja de uma tentativa de fuga deste presídio não tardarão a ser do meu conhecimento. Logo, estejam precavidos, pois poderão estar trazendo a mim as informações que julgavam confidenciais; pensem nisto antes de conversarem sobre fugas. Não só aqueles que julgarem de bom comportamento poderão estar do meu lado. Portanto, cuidem-se ao transmitirem um segredo, pois podem ser surpreendidos na última hora. Da mesma forma, antes de entrarem numa briga, pensem nas consequências; estas farão sua permanência aqui bem mais dolorosa do que poderia ser na realidade. Para começar e saberem que não estou brincando, estão cortados, para este grupo, o carteado noturno, bem como os cigarros e os livros, até segunda ordem. E, alegrem-se, pois vou manter o banho de sol, mas previno: uma reincidência na quebra das normas e irão se arrepender de terem vindo parar neste presidio sob o meu comando.
O relacionamento com a pessoa do diretor Wilson é para Bruce muito mais recente do que para os quatro restantes envolvidos na confusão da antevéspera. Embora já tenha testemunhado as aplicações dos seus castigos a outros detentos, não passou ainda por eles. Dos quatro anos que ali se encontra, somente seis meses, ou pouco mais, vêm sendo sob o comando de Wilson. Parte do descontentamento de Bruce deve-se, sem dúvida, à saída do anterior e ao retorno de Wilson, de cuja fama já cansa de estar inteirado. Com Scott, o outro, Bruce conseguia impor uma forma de comportamento que o mantinha confiante e convicto de que levaria a bom termo suas intenções de fuga. Não apenas Jordan, mas dois outros já haviam formado com ele um quarteto entrosado para a execução perfeita dos planos de fuga. Não fosse a tuberculose ter tirado a vida de um deles e a repentina transferência de outro, talvez já não mais ali estivessem. Resta agora o plano e o segredo - ao que indicam as evidencias - muito bem guardado entre Bruce e Jordan. Mas, até quando? A separação de celas tem trazido a Bruce dias de incerteza.