Reconhecimento criminal
[Conclusão de "Um raio em céu azul"]
- Já está com o seu suspeito, inspetor Pembroke?
Pelo telefone, a voz de Ellery Queen soava descansada.
- Sim, - aduziu o policial, sentado à sua mesa na chefatura da Scotland Yard - mas estou começando a achar que o caso é menos simples do que parece.
- E por isso resolveu me ligar - prosseguiu o detetive novaiorquino.
- Naturalmente, senhor Queen - Pembroke sentiu-se ligeiramente incomodado pela calma do interlocutor; até parecia que o detetive estava aguardando pela ligação.
- Fabian Doyle foi preso?
- Está detido para averiguação. Não confessou o crime, mas o álibi que apresentou é fraco: estava em casa, sozinho, e alega não ter saído naquela noite.
- Vai se complicando a situação do senhor Doyle - filosofou Queen. - Mas o que ele teria contra o morto, além da ojeriza por supostos paranormais? Digo, do ponto de vista pessoal?
- Doyle fez várias críticas públicas sobre as atividades de Ayan Patel, - discorreu Pembroke - muitas delas publicadas em jornais de grande circulação. Mas não me parece que tivesse algo pessoal contra a vítima.
- Até porque, assassinando Patel daria voz aos que consideram preconceituosa a atitude dos homens de ciência quanto aos chamados fenômenos paranormais - ponderou Queen.
- De fato - assentiu o inspetor. - Eu já havia chegado à esta conclusão, mas recebemos uma ligação de Levi Reid... outro suposto paranormal que se ofereceu para ajudar a Scotland Yard na resolução do caso.
- Sim, me recordo dele. Foi procurá-lo na chefatura.
- Este mesmo. Reid nos deu uma informação que não havíamos divulgado para a imprensa, e que portanto ele não teria como saber: a localização das roupas e da arma usadas pelo assassino na execução. Explico: não encontramos estas provas na casa de Doyle, mas Reid previu que elas estariam numa lixeira na rua, por trás da residência do suspeito.
- A arma confere?
- Sim, é do mesmo calibre usado para matar Patel, duas balas faltando no pente. Ainda não recebi o resultado da balística, mas tenho quase certeza de que se trata da arma do crime. Sem impressões digitais, naturalmente; o assassino usava luvas. Mas havia respingos de sangue no sobretudo.
- Tudo se encaixa - filosofou Queen. - Patel é morto por um descrente do seu trabalho e um outro paranormal ajuda a polícia a encontrar as provas que incriminam o crítico. Caso encerrado.
- Crê nisso? - Pembroke sentiu-se um tanto decepcionado com a resposta.
- É claro que não - Queen riu do outro lado da linha. - É hora de chamar Levi Reid para um interrogatório. Saber onde ele estava na hora do crime, por exemplo.
Horas depois, Pembroke ligou novamente para Queen. Tampouco, Reid tinha um álibi convincente para o momento do assassinato.
- Afirma ele que estava em casa, que mora sozinho e que só saiu horas depois para vir à chefatura oferecer seus préstimos - concluiu.
- Perfeito, - aduziu o detetive novaiorquino - mas creio que temos uma testemunha que poderá deslindar o mistério.
- Fala de Cora Mason, a secretária de Patel? - Inquiriu Pembroke. - Mas ela afirma que será difícil reconhecer o homem que assassinou o chefe dela. Ele estava de gorro, óculos escuros, cachecol... fez um grande esforço para que seu rosto não ficasse visível.
- O rosto sim, - ponderou Queen - mas há outras características que ele não poderia esconder: voz, estatura e compleição física, por exemplo. Reúna alguns homens vestidos como o assassino, inclua Doyle e Reid, e peça para que a secretária faça o reconhecimento. Algo me diz que a tarefa não será difícil, nem exigirá habilidades paranormais.
Na manhã seguinte, Levi Reid foi preso pelo assassinato de Ayan Patel. Descobriu-se posteriormente que o morto havia ameaçado denunciá-lo publicamente por charlatanismo e que Reid decidira livrar-se do incômodo, aproveitando para jogar a culpa num adversário declarado de videntes e paranormais.
- Só não havia previsto em seu futuro, que iria deparar-se com Ellery Queen - concluiu acidamente o inspetor. Em seguida, ordenou que o suspeito fosse levado para a cela onde, horas antes, estivera preso Fabian Doyle.
- [11-05-2023]