A morte mais doce da qual jamais li.

   Confesso que eu não esperava receber uma resposta para o anúncio que coloquei num site de vendas e encontros. Nunca consegui acreditar totalmente naquele macabro caso em que um canibal procurava uma vítima voluntária nas camadas mais profundas da deep web e de fato alguém o respondeu oferecendo-se para ser sua refeição, mas havia em mim um fascínio por essa coragem de deixar-se matar, ainda mais quando se pensa recorrentemente em suicídio. O fato é que imaginei que deveria existir alguém em algum lugar com o instinto, a coragem e o gosto por tirar vidas, algum serial killer que gostaria de dar seu pontapé inicial em seu morticínio, era exatamente esse alguém a quem eu buscava em meu anúncio. Sempre temi as consequências que aguardam aos transgressores suicidas no pós-vida, então pensei que se ao invés de eu tirar minha própria vida, outrem o fizesse estaria livre das sequelas espirituais. E no mais seria uma boníssima ação unir o útil ao agradável, para dar de matar a quem o desejasse e morrer para livrar-me deste inferno que chamam de vida. 

A intenção depositada no anúncio não fora explícita, afinal, qual plataforma permitiria uma barbaridade daquelas? Nenhuma! E ademais eu queria ser morto por um profissional, eu não queria que o seu ato ao satisfazer meu desejo o prejudicasse depois, logo, teria de ser alguém de percepção sagaz e de grande sutileza para decifrar ao verdadeiro motivo por detrás de uma postagem de encontro homossexual. 

Uma semana se passou, nenhuma resposta relevante, dois meses se passaram e nada, três meses após renovar a publicação e nada de surgir uma resposta significativa. Nesse ínterim, acabei por me esquecer e perdi minhas esperanças de encontrar alguém. Segui com o fluxo de minha vida, dividindo meu tempo entre o trabalho no restaurante onde eu era garçom e o curso de administração à noite. Se eu lhes dissesse que minha vida era ruim eu estaria mentindo descaradamente, pois mesmo com o constante desejo de morrer que surgiu ainda em minha infância, eu não poderia ficar parado, se eu o ficasse certamente atentaria contra minha vida, então procurei viver uma sub-vida centrada em mim, isso é, sem estabelecer laços profundos com as pessoas, mesmo eu sendo um poço transbordante de sentimentos, eu me continha para poupar as pessoas, sobretudo as que eu mais amava, pois se eu concretizasse o meu sonho, isso lhes trariam uma dor tão forte que me faria acovardar-me diante de meu desejo. Me era inconcebível fazê-los sofrer por mim, por isso sempre fui essa pessoa pouco sociável que dolorosamente amava as pessoas e nunca se permitiu ser amada plenamente por ninguém, de pouquíssimos amigos reais e muitos outros virtuais. Pois o que os olhos não veem, o coração não sente

Enfim, quase completando um ano de postado, eis que recebo a resposta que eu esperava, alguém que aceitou tirar a minha vida e estava disposto a me encontrar, não para me matar imediatamente, mas para vivermos um mês inteiro numa relação amorosa e que ao término desse tempo, a culminância seria a morte mais doce da qual jamais li. 

Francisco Grandiel
Enviado por Francisco Grandiel em 05/04/2023
Reeditado em 05/04/2023
Código do texto: T7756392
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