POEMAS MORTAIS | FINAL
Pior do que a perda de um filho, é tê-lo desaparecido. Um filho sumido faz com que toda uma estrutura familiar desmorone de uma só vez e tudo o que resta a fazer é ir em busca dele. Antes de deixar o departamento de polícia a mãe de Ariadna suplicou a Amaral pela volta da filha.
— Entendo seu sofrimento, senhora. Faremos o que estiver ao nosso alcance.
— Pelo amor de Deus, eu já não aguento mais.
— A senhora havia dito inicialmente que, sua filha saiu de um relacionamento conturbado faz pouco tempo...
— Sim, mas, não houve nada entre eles. Ariadna sentiu que o sujeito não era decente, então, com o perdão da palavra, ela deu um pé na bunda dele.
— Sim, mas, e depois disso? Não podemos descartar qualquer possibilidade, senhora. O nome dele pelo menos, aparência, altura, cor da pele...
A mulher limpou o rosto algumas vezes com seu lenço antes de responder.
— Lembro-me pouco dele. Só sei que era bonito, parecia ser de boa família...
— Um instante, senhora.
A primeira gaveta foi aberta e retirada de seu interior a foto de Leonardo Coutinho com sua última vítima a qual a entregou nas mãos da mãe de Ariadna.
— Meu Jesus. É ele.
*
Ariadna bem que tentou não se tornar uma presa fácil para Leonardo, mas acabou deitada e amarrada num canto qualquer daquele lugar horrendo. Para conseguir seu objetivo, o poeta assassino precisou fazer uso de sua força bruta aplicando na vítima um mata-leão. Ao conferir se Ariadna não ofereceria mais resistência, ele a levou para outro cômodo e ali a amarrou minuciosamente, mas antes lhe arrancou a blusa e o sutiã. Ao voltar a si a garota entrou em pânico e buscou de todas as maneiras de se libertar das amarras.
— Não gaste energia atoa. – Léo apareceu afiando sua faca.
— Você vai pagar por isso. – esbravejou.
— Eu não, você.
A mãe de Coutinho foi xingada nos inúmeros palavrões a plenos pulmões. Léo caminhou lentamente em direção a ela enquanto ainda era xingado. O murro dado na boca fez com que Ariadna perdesse por fração de segundos os sentidos.
— Fique quietinha e escute isso. Antes de sair, você não desligou a luz da minha vida. A deixou acesa. Tolo como fui, achei que fosse voltar...
— Ei, Léo.
Assim que olhou para ela, Leonardo teve o rosto cuspido. O sangue com saliva deixou o semblante do bandido um pouco mais tenebroso. Ele respirou profundamente controlando seu ódio.
— Nunca se esqueça disso também seu... – vociferou Ariadna.
Outra vez a mãe de Léo foi alvo dos xingamentos, mas isso já não importava mais, tudo o que ele queria estava ali bem na sua frente. Não foi nada fácil chegar até a esse ponto. Ao voltar a afiação da faça, Coutinho se recorda da época em que se declarou para ela e foi ridicularizado diante de uma roda de amigos. Seu nome ficou na boca da galera durante um bom tempo e Léo já não sabia como contornar toda situação. O que era amor e paixão se transformou em algo furioso e incontrolável. Ariadna só ajudou a trazer a tona o monstro que já existia adormecido dentro dele.
— Pensando bem, não farei isso ainda. Deixarei você aí, refletindo em tudo o que fez. Mais tarde nos falamos.
— Seu escroto, filho de uma cadela. – gritou chorando.
*
Amaral digita com uma rapidez e agilidade que poucos conseguem no mundo. É sempre bom ter um nerd na equipe. E em pensar que Hamilton quase o dispensou no início. Sabrina também faz buscas no Google em seu smartphone sobre antigos casos de sequestros enquanto que Paixão e Palhares conversam na sala anexo.
— Se tudo isso se concretizar, teremos o nosso poeta assassino em questão de horas. – Hamilton relaxou na cadeira.
— Se Deus quiser. Esse caso já foi longe demais. – Lúcio cruzou os braços e se recostou. — quando um suspeito não possuí ficha o trabalho se torna ainda mais difícil.
— Sim, claro, mas eu confio em minha equipe.
Amaral comemorou o seu feito tão alto que até quem não se assusta facilmente, como Paixão, sentiu o coração bater na cabeça. Sabrina quase que arremessou seu telefone contra o teto.
— Só espero que tenha sido algo grandioso. – Lúcio tentava se recompor.
— Maurício Brito. Prestou queixa contra um tal de Leonardo Coutinho por agressão e dois dias depois a retirou.
— Sério? – Sabrina se levantou. — e como não conseguimos achar esse arquivo?
— Pode ter havido falha no ato de arquivamento, alguém sem muita habilidade. Somente gênios, tipo, eu, quem...
— Tá ok, tá ok. Você é o cara. – Hamilton juntou-se a equipe. — vamos atrás desse tal Maurício Brito.
*
Amaral conferiu mais uma vez o endereço ainda mastigando o último pedaço do sanduba de frango. A seu lado, no banco do carona, Sabrina sente o estômago reclamar.
— Vou abrir a janela. Como consegue comer isso, garoto?
— Memória afetiva. Minha vó costumava me levar a essa lanchonete todos os finais de semana.
— Você alguma vez na vida já experimentou algo que não fosse industrializado? – pegou o papel conferindo a numeração das casas. — acho que chegamos.
— Vamos nessa.
Duas batidas no portão social já enferrujado e muita paciência até o surgimento de Maurício.
— Sim? – o jovem usa uma maquiagem discreta.
— Sou a investigadora Sabrina Melo e esse é o detetive Amaral. Você conhece Leonardo Coutinho?
O semblante de Maurício mudou drasticamente ao ouvir o tal nome.
— Aquele idiota? Quero distância desse sujeito.
— Você o denunciou por agressão e depois retirou a queixa. Pode nos dizer porque? – Amaral começou a fazer suas anotações.
— Nós tivemos um caso, faz algum tempo. Ele era muito possessivo e eu não sou exclusivo de ninguém. Eu queria um lance aberto, mas ele não, então...
— Ele te agredia. – Melo completou.
— Eu retirei a queixa por medo. Ele me ameaçou e não foi só uma vez. Léo é um cara perigoso.
— Com certeza. Mais um coisa, você sabe aonde ele mora, se é casado, solteiro.
— Olha, na época, ele morava com os pais, ele nunca me levou lá, nós ficávamos aqui em casa, motel ou num lugar o qual ele chamava de refúgio. Mas eu sei aonde é a casa dos pais daquele safado.
— Me passa os dois endereços. – Sabrina olhou para Amaral.
*
Sabrina sempre foi uma boa motorista. Antes de cursar a autoescola, seu tio a ensinava todas as tardes depois da escola. Melo ficou boa no volante, melhor até que o próprio instrutor do curso de direção. Ao término da conversa com Maurício ela assumiu a viatura deixando o investigador novato de queixo caído.
— Ligue para Palhares. Informe-o sobre o tal refúgio.
— Acha mesmo que a menina foi levada pra lá? – pegou o celular.
— Acho não, tenho certeza.
Em meia hora às viaturas deixaram a estrada principal e pegaram uma rua que corta a região de mata e brejos. A pedido de Hamilton, todos tiveram que desembarcar e seguir o restante do caminho a pé. Umidade e insetos, sem falar do cheiro de esterco. O tal refúgio foi localizado, uma espécie de casinha para fins de armazenamento de material e de ferramentas. Palhares sinalizou com um gesto rápido. Sabrina e Amaral se abaixaram aguardando ordens.
— Não podemos ser vistos. – Hamilton disse em voz baixa.
— Peço reforço? – Amaral tinha a testa suada.
— Não. Nós daremos conta. Temos que nos separar.
Não estava sendo fácil para nenhum dos agentes entranhados naquele mato, principalmente para Hamilton que, de uma certa forma tinha o dever de proteger seus companheiros. Há determinadas situações na carreira de um policial que, toda sua bagagem de anos na profissão precisa ditar as regras e Palhares sentiu que aquele era o momento.
— Quero que me dêem cobertura. Amaral, chegou ao meu conhecimento que você atira muito bem a longa distância.
— Sim, mas, tudo que tenho é uma pistola...
— Terá que se virar com ela, amigão.
Sabrina interviu.
— Hamilton, não acha melhor esperarmos a chegada do reforço...
— Mais que droga. E se ele a matar enquanto aguardamos a cavalaria? Pelo amor de Deus, gente. Nós estamos aqui, estamos em três, não podemos perder mais uma vida inocente.
Silêncio.
— Tudo bem. Amaral você me cobre daqui. Atire no desgraçado defensivamente caso ele saia da casa fugindo. – olhou para Melo. — o mesmo vale pra você, Bina.
Todos entenderam a missão e todos queriam completa-la. A voz da experiência mais uma vez falou mais alto e de maneira alguma Amaral e Sabrina se sentiram diminuídos com isso. Pelo contrário. Não se aprende a honrar tanto um distintivo assim na academia. Hamilton Palhares mostrou o que é ser um policial de verdade.
*
Com uma bofetada Ariadna foi acordada depois de um breve desmaio causado pela exaustão. Léo ainda amolava a faca emitindo um ruído infernal.
— Chegou a hora, bela adormecida.
— Vai mesmo fazer isso, Leonardo? Pense nos seus pais.
— Deixe meus velhos fora disso.
Coutinho a segurou pelos cabelos jogando a cabeça para junto do ombro esquerdo deixando o pescoço bem evidente. Ele finalmente terminará seu poema. Ariadna não parava de chorar e gritar quando alguém bateu na porta.
— Socorro! – berrou mais alto.
Léo a socou no rosto a deixando sem consciência.
— Merda.
O poeta assassino caminhou na ponta dos pés até a janela e viu através do vidro canelado um homem de cabelos ondulados, de barba usando jaqueta. Ele pôs a faca no cós da calça e puxou a camisa afim de esconde-la. Respirou fundo e abriu a porta.
— Oi?
— Olá, tudo bem? – Hamilton estava sorrindo. — eu comprei aquelas terras logo adiante e resolvi dar uma olhada por aqui. Você trabalha aqui?
— Não!
— Ah, tá. Conhece alguém que queira trabalhar como caseiro? Estou precisando mesmo.
— Cara! Acho que você só vai encontrar essa pessoa lá no centro. Por aqui é bem difícil, veja, só tem mato, insetos e bosta de vaca.
O pedido de socorro de Ariadna ao voltar a si saiu baixo, mas o suficiente para chegar aos ouvidos do agente que respirou aliviado. “ela ainda está viva”. Léo perdera de vez seu autocontrole e praticamente expulsou o estranho.
— Olha só, eu preciso mesmo voltar ao trabalho. Desejo lhe sorte.
Voltar ao trabalho? Mas qual trabalho, que ofício é esse? Assassinar pobres moças inocentes agora se tornou profissão? Como ele ousa chamar isso de trabalho? Hamilton Palhares permitiu que seu sangue chegasse ao ponto de ebulição sem hesitar.
— Fique onde está, Leonardo Coutinho. Você está preso.
Todo covarde age assim quando se vê sem saída. Ele corre. Foi o que Léo fez. Correu para dentro da casa com o agente em seu encalço. Agora a voz grave do policial se fundiu com os gritos agudos da vítima. Apreensivos em seus postos, Sabrina e Amaral aguardam o desenrolar da situação. A detetive sentiu seu coração pulsar ainda mais forte quando o som de um disparo ecoou.
— Jesus! – olhou na direção de Amaral há alguns metros.
Da porta da casinha surgiu Léo segurando uma pistola. Ele tem ferimentos no supercílio direito e sangue escorrendo do nariz. Ariadna já começa a perder a voz gritando. Leonardo abandonou o lugar correndo como louco para onde Amaral se encontrava. Sabrina ruborizou o rosto. Umedeceu os olhos e berrou.
— Mata esse desgraçado, Amaral.
Sem pensar duas vezes o novato puxou o gatilho alvejando o fugitivo três vezes. Sabrina andou apressadamente chorando e rezando.
— Não, Deus. Por favor.
Melo nunca perdeu um companheiro em operações, mas como tudo na vida tem a sua primeira vez, ela já havia se preparado psicologicamente para tal acontecimento. Mas justo com Hamilton? A polícial entrou e o viu debruçado sobre Ariadna a tentando livrar das amarras. Um grosso fio de sangue escorria manchado seus sapatos.
— Palhares! Meu Deus. – sacou o celular. — deite-se, eu a desamarro, estou pedindo uma ambulância.
Hamilton suportou até onde pode e caiu aos pés de sua colega de trabalho.
— Aí, meu Deus, ele morreu, moça? – Ariadna chorava.
— Espero que eu não.
A voz de Sabrina ficou embargada e seus olhos marejados. Amaral apareceu na porta ofegante e ao se deparar com o quadro precisou se manter forte.
— Sabrina, é grave o ferimento. Vou buscar o carro.
— Faça isso rápido, por favor.
*
Leonardo Coutinho foi sepultado diante dos pais e irmãos que não sabiam o que sentir direito. Claro que havia a revolta. Por mais que houvessem provas concretas de que o finado irmão e filho assassinou friamente as quatro jovens por puro ciúmes e loucura, existia entre eles um sentimento que os colocava contra a polícia. Com o desaparecimento do assassino poeta, às mães e pais das moças mortas por ele mobilizaram uma mega manifestação comovendo toda cidade.
Hamilton Palhares deixou o centro de terapia intensiva cinco dias depois de dar entrada. Realmente seu caso inspirava cuidados. Todo o departamento entrou em estado de apreensão e principalmente em corrente de oração pela vida do barbudo. Assim que foi para a enfermaria e liberado para visitação, o detetive pode ver o sorriso inconfundível de sua parceira e paixão de sua vida.
— Que susto você nos deu, hein. – Sabrina segurava um embrulho.
— Eu também achei que fosse morrer. E como estão todos?
— Estão todos aqui. Amaral, Paixão... – pôs o presente em cima da mesa.
— Putz! Até o Paixão veio? Estou bem na fita então.
Eles riram juntos. Sabrina o deixou por dentro de tudo o que aconteceu. Antes de sair ela o segurou pelas mãos.
— Você é um policial excepcional, Palhares. Nunca se esqueça disso. Vila Velha precisa de gente como você.
— Assim você me faz chorar, caramba. – beijou às mãos da parceira. — só me prometa uma coisa.
— Diga!
— Que assim que eu sair daqui, vai jantar comigo num restaurante bem bacana.
Melo ficou sem graça.
— Eu topo.
Quem é de fato responsável por toda maldade? Por que é sempre mais fácil fazer o mal? A vida é feita de escolhas. Na vida é preciso ter equilíbrio e bom censo. Faça isso. Um dia isso pode salvar sua vida. FIM.