Trama Imperfeita-PARTE 3

Verônica abriu a porta do próprio apartamento e entramos, ambos exaustos, na pequena sala. Depositei a mochila no chão e me joguei no sofá como quem chega a um lugar confortável.

-Se quebrar meu sofá, arranco a sua cabeça.

-Parece até minha mãe falando...-Me endireitei no sofá enquanto ela foi em direção ao seu quarto. -Eu tô com fome!-Gritei para que ela pudesse me ouvir e fui caminhando para a cozinha.

-Sabe onde fica a comida...-Abri a geladeira e procurei por alguma coisa que não fosse comida de bebê e encontrei queijo e presunto. Montei um sanduiche com pão, queijo, presunto e manteiga e me servi de um gole de café que ainda restava na garrafa térmica sobre a mesa. Não era exatamente um jantar, mas serviria para silenciar o barulho que vinha da minha barriga. Peguei o sanduiche e a xícara e caminhei até o quarto dela.

-Está pelada?

-Não...-Ela estava com a filha no colo, amamentando. De todas as cenas mais bonitas que presenciei em meus vinte e poucos anos de vida, aquela certamente a melhor. Sorri involuntariamente enquanto mordia o sanduiche.

-Você a deixou sozinha aqui?

-Ela estava dormindo e não imaginei que demoraríamos tanto...

-Foi você quem quis ir até o meu apartamento...

-Tá bom, espertinho. Mas agora me deixa terminar de amamentar a minha filha?

-Eu vou ficar lá na sala...-Me afastei em silêncio e fui para sala. Sentado no sofá, comendo sanduíche com café, repassei os acontecimentos daquele dia. Talvez meu irmão estivesse certo quando dizia que aquilo tudo acabaria me matando. Bom, não se faz omelete sem quebrar ovos, afinal. Se a consequência daquilo tudo fosse a minha morte, estaria satisfeito por ter, finalmente, terminado com aquele ciclo de horror. Beberiquei o café e comi o último pedaço de sanduíche, depois peguei o meu notebook no sofá e abri. A matéria estava lá, aberta no word, pronta para ser publicada. Passei os olhos pelas linhas que escrevi e me dei conta que aquilo poderia ser o início de uma carreira brilhante ou a derrocada de um sonho. Sorri da minha própria tragédia e me encostei no sofá. Ouvi os passos firmes vindo em minha direção e me endireitei rapidamente.

-Está bem à vontade, né?

-Já me sinto de casa.-Ela já estava de banho tomado e roupa trocada. Não entendia a habilidade das mulheres para fazer tantas coisas e em tão pouco tempo.

-De casa, só rato e não vai se acostumando não, é só por uma noite!

-Você é sempre tão receptiva com as visitas?

-Só com as indesejadas.- Ela sentou ao meu lado no sofá e me empurrou levemente para o outro lado. -Agora que a Sophia já está dormindo de novo, pode me dizer o que deu na sua cabeça para querer me mostrar essa bendita matéria antes de publicar?

-Eu achei que você ia querer ver...

-E por que eu iria querer?

-Para dar sua opinião...

-Combinamos que você publicaria, independente da minha opinião.

-Me bateu insegurança de última hora.

-Tá, me mostra logo esse negócio...-Passei o notebook para ela e a observei enquanto lia. Algumas vezes, parecia satisfeita; outras, confusa. De repente, ela colocou o notebook sobre a banca a nossa frente e me olhou bem nos olhos.

-Então?

-Bom...

-Está uma merda, né? Eu sabia...

-Não, não é isso...-Ela suspirou.- Só agora me dei conta de que se o Álvaro ler isso, qualquer chance de retomarmos o nosso casamento vai pelo ralo.

-É com isso que está preocupada? – Sorri e balancei a cabeça.-Verônica, eu posso virar comida de jacaré na barragem do parque de Pituaçu e você tá preocupada com o Álvaro?

- Claro que sim! É o meu casamento, meus filhos...não se trata só de mim ou de você. Parou para pensar em como seu irmão vai reagir a isso?

-Já tínhamos conversado sobre isso...

-Sim, mas foi antes de ter certeza que chegaríamos a esse ponto.- Nos recostamos no sofá e ficamos por alguns segundos olhando para a parede quando, inesperadamente, levantei do sofá e a assustei.

-Já sei!

- Que foi, garoto?

-Pede para o Álvaro vir até aqui e podemos mostrar para ele.

-Que? Não...

-Pensa bem...se nós, ou melhor, você conseguir convencer a ele de publicar, não vai rolar dele, de repente, querer te matar...talvez ele queira me matar, mas acho que posso lidar com isso.

-Está sugerindo que eu convença o Álvaro de que jogar o sobrenome da família dele na lama é o melhor para todos?

-Você disse que ele mudou...

-É, mas...

-Se ele se tornou um novo homem, como você diz, vai entender que o bem comum está acima de qualquer desejo individual, não é?

-Por quanto tempo ensaiou isso em frente ao espelho?

-Liga...-Peguei o celular dela que estava em cima da mesa e estendi em sua direção-Não custa nada, vai.

Jennifer Hass
Enviado por Jennifer Hass em 01/04/2023
Código do texto: T7753964
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