POEMAS MORTAIS | CAPÍTULO 7

Sabrina buscou em sua playlist algo que a faça relaxar e esquecer por pelo menos uma hora de sua realidade torturante. Demorou, mas valeu a busca. Quem sabe Led Zeppelin não consiga fazê-la caminhar por um mundo onde não haja a presença de Roberto e nem de Lúcio Paixão. Fones enterrados nos ouvidos e cabeça apoiada delicadamente nos travesseiros. A voz de Robert Plant ecoou como um bálsamo em uma ferida aberta. Melo já caminhava pelo seu mundo de faz de contas onde só ela e mais ninguém existam, quando algo a fez voltar. Um cheiro. Ou melhor, um perfume, amadeirado. Esse aroma ela conhece muito bem. Roberto. Mais que merda. De onde isso está vindo? A policial abriu os olhos ainda incrédula. Pegou um dos travesseiros e o cheirou. Lá estava o culpado pelo crime de tirá-la de seu delicioso transe. Incrível como Roberto se faz presente mesmo ausente. Lógico que o pobre do objeto foi parar longe de suas narinas, Sabrina quer distância de tudo que possa lembrar seu marido.

E por falar em Roberto, o que ele deve estar fazendo agora? Como se ela não soubesse. Claro, é dia útil, de manhã ainda, provavelmente ele deve estar de pé, lecionando sua maravilhosa aula na faculdade e ela está ali, curtindo um som pesado esparramada na cama que um dia serviu aos dois. A vida a dois é de fato um desafio. Conviver com alguém que é totalmente diferente de você, que possuí uma criação muitas vezes ao contrário a sua, é sem dúvida algo que precisa ser administrado com bastante cautela. Coisa que não ocorreu entre eles. Roberto vem de uma família complicada, acostumada a escândalos como por exemplo, traições por parte de seu pai e em consequência disso, sua mãe o fez provar do próprio veneno. Isso gerou outros fatores. Roberto e seus irmãos, ainda em suas tenras idades tiveram que presenciar agressões quase que diariamente. Hoje em dia, Roberto não é um homem violento, porém há dentro dele uma bomba atômica na iminência de explodir. Mais que porcaria, porque estou pensando nessas coisas? Chateada, a policial aumentou o volume e voltou a fechar os olhos.

*

Palhares seguia em sua indecisão sobre ligar ou não para Sabrina. Deixou para decidir isso mais tarde, no momento ele precisava de sua cabeça cem por cento focada no trabalho. Ele voltava para o departamento quando Amaral ligou.

— Fala comigo.

— Novidades e das boas. Essa nova vítima foi vista na companhia de um sujeito num bar perto de onde foi deixado o corpo.

— Prossiga.

— Segundo os frequentadores, ela havia chegado com amigos e deixou o lugar com esse cara.

— E no que está pensando?

— Estou juntando as peças ainda, mas penso eu que avançamos muito.

Hamilton se pegou rindo da situação.

— E aonde você está agora?

— Há uma quadra do bar.

— Checou as imagens das câmeras de segurança?

— Pois é, essa é a parte chata. Às câmeras só estão lá de enfeite.

Palhares bateu no volante.

— Tudo bem, você fez um bom trabalho. Volte para a delegacia...

— Se me permite, Palhares, eu gostaria de conversar um pouco mais com as pessoas, tentarei falar com um dos amigos.

— Vá em frente.

— Positivo! Eu te ligo assim que terminar aqui.

Hamilton Palhares não estava se reconhecendo. Como pode um agente do cacife dele ter deixado passar coisas tão óbvias numa investigação. Precisou um novato como Amaral assumir para que ele enxergasse isso. A paixão é perigosa, mas agora chega de brincar com coisa séria. Há famílias chorando. Três vidas já se foram e o que é pior, o assassino se encontra livre leve e solto. Acorda, Palhares. Pensou pegando o retorno.

*

Às quinze horas e alguns minutos, Roberto entrou na cozinha e toda casa se encontrava num silêncio sepulcral misterioso. Acometido por uma leve dor de cabeça, ele buscou no armário do banheiro algo que a fizesse cessar. Uma aspirina o aguardava no canto reservado aos comprimidos. De repente a voz de Sabrina ecoou pela casa vinda do quarto.

— Mas, que merda é essa?

Sabrina cantava aos berros — fora do tom — um grande sucesso da década de oitenta. “Take Me”, da banda norueguesa A-HÁ foi absurdamente destruída na voz desafinada da policial. Ao chegar de surpresa, Roberto surpreendeu sua esposa bastante a vontade e uniu-se na voz com ela.

— Nunca mais faça isso. – vociferou Sabrina retirando os fones.

— Me desculpe, eu também não esperava te ver em casa essa hora.

— E se eu estivesse armada? Quer acabar de vez com a minha vida? – se levantou.

Roberto foi para o meio do cômodo bastante sem graça pelo ocorrido. Sabrina colocava o celular para carregar se mostrando bem irritada.

— Quando vamos resolver nossa situação? Acho que, o que aconteceu aqui e agora, serviu para mostrar que já não há saída. Não é mesmo?

— Sério? Precisou ser desenhado para que o grande Roberto Sampaio enxergasse algo que estava o tempo todo diante do nariz dele? Estou pasma.

— Tá legal. Não nos suportamos mais, então. Vou pegar algumas peças de roupas, meu material de trabalho e sair de casa. Está bom pra você?

Sabrina deu de ombros.

— Hoje devo alugar um quarto lá perto da universidade, mas...

— Isso não me interessa nem um pouco, só me deixe em paz, pelo amor de Deus.

Roberto deixou o quarto em silêncio e cabisbaixo. Agora sim ele tem provas o suficiente de que seu casamento chegou ao fim. Em parte ambos se encontram aliviados, esse lance de empurrar com a barriga só adiaria uma inevitável tragédia.

*

Amaral tem apenas vinte e três anos e desde quando entrou para o setor de investigação já havia mostrado a que veio. Hamilton não quer admitir, mas desde o início gostou dele. Seu modo de conduzir um caso o faz lembrar de si mesmo em sua fase inicial. Palhares e ele conversam com um dos amigos da última vítima. O nervosismo do rapaz não o permite completar duas palavras inteiras antes de puxar a respiração.

— Fique calmo. – Disse Amaral. — então ela ficou conversando com esse cara. Quanto tempo mais ou menos, você lembra?

— Uns vinte minutos ou mais. Não me lembro. Me desculpe.

— Sem problema. – Agora foi a vez de Hamilton. — me diga uma coisa. Como era esse sujeito, tipo, altura, cor da pele, tatuagens, aspecto, aparência...

— Nossa! Deixe-me ver. – apertou os olhos. — Branco, boa pinta. Estava bem vestido...

— Ele possuía veículo? – Palhares se mostrou impaciente.

— Não. Saíram de lá a pé.

— Em qual direção? – Amaral ajeitou os óculos outra vez.

— Lado direito, sentido a ponte.

— Legal, obrigado pela cooperação. – Hamilton saiu andando em direção ao carro.

— Ei, aonde vai? – o novato precisou correr.

— Resolver essa merda de caso.

*

Criar filhos nunca será uma tarefa fácil ainda mais quando esses filhos carregam traumas não tratados dentro de si. Famílias complicadas geram filhos rebeldes e homens e mulheres melindrosos. Os Coutinhos sempre foram pais dedicados, preocupados até demais no que se refere educação. Leonardo cresceu sendo pressionado pela mãe e muito mais pelo pai que fazia questão de fiscalizar diariamente seus cadernos e livros escolares. Quanto ao assunto religião, por ordem extrema da mãe, Leo frequentou a catequese muito contrariado e devido a isso o pirralho cometeu alguns pecados, como: pular o muro da igreja ou se esconder em suas dependências. Claro que isso lhe rendera algumas surras e dias de castigo. Leonardo Coutinho cresceu e não só isso, ele apareceu. Seu caráter foi sendo exposto de forma gradativa chocando os pais.

— O que o futuro tem preparado para esse menino? – questionou o pai.

Com lágrimas nos olhos a mãe respondeu.

— Se é que há algum futuro para ele.

O pai não conseguiu segurar às lágrimas também.

— Aonde erramos? – segurou às mãos da esposa.

— Em tudo.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 11/03/2023
Código do texto: T7737971
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