POEMAS MORTAIS | CAPÍTULO 5

Às cinco da manhã Hamilton Palhares já havia tomado seu banho frio e agora a terceira caneca de café o aguarda fumegante em cima da mesa de centro. Quatro horas de sono, somente isso. Ele sabe que um dia a conta chegara, ainda mais na idade em que está. Perto de completar cinquenta anos, Hamilton já sente o peso disso. Seguir em frente é preciso, e isso é um típico lema de alguém focado como ele. Desde jovem a determinação sempre o acompanhou. Aos dez anos ele treinou futebol na escolinha de um famoso clube da cidade. Sua força, vigor e principalmente inteligência lhe rendera a posição de titular absoluto no meio campo. A carreira como jogador só não foi adiante porque a de ser um policial falou mais alto e aqui está ele.

Às seis ele encontrava-se dentro de seu carro, em frente a uma sebo. A loja de livros antigos ainda estava fechada, mas isso não queria dizer nada. Palhares desceu do veículo e esmurrou a porta de ferro. Sem sucesso, ele ligou para o número de celular pintado mal e porcamente abaixo da placa.

— Alô? – soou uma voz masculina sonolenta.

— Bom dia, me chamo Hamilton, sou da polícia...

— Desculpe, senhor, só abrimos às oito.

— Pois é, só que estou no meio de uma investigação, eu só queria dar uma olhada em seu material.

— Qual exemplar está procurando?

— Poemas da Morte.

— Um minuto.

De um minuto foram quase cinco e após isso surgiu um idoso encurvado no portão ao lado da loja segurando um livro de capa azul escuro.

— Desculpa a demora. Você é mesmo da polícia? – a voz do velho era inaudível devido ao barulho dos veículos passando.

— Sim! – Hamilton afastou a jaqueta lhe mostrando o distintivo preso ao cinto.

— Ah, sim, polícia civil de Vila Velha. – estendeu o exemplar. – é presente?

— Digamos que sim.

Palhares começou a passar às páginas amareladas pelo tempo. Havia um bocado de poeira nelas também. O idoso o repreendeu.

— Não posso deixar que continue lendo. Se quiser lê-lo terá que tirar o escorpião do bolso.

— Quanto custa? – Hamilton estava começando a ficar sem paciência.

— Trinta e nove pratas. – o velho sorria.

O policial pegou o celular.

— O senhor aceita Pix?

— Não trabalho com isso.

O celular voltou para o bolso abrindo espaço para a carteira. Trinta e nove reais, Palhares achou um pouco caro por um material não muito atrativo. Porém pagou.

— Pode ficar com o troco.

O velho ainda o agradecia quando ele lhe deu às costas voltando para o carro. Antes de virar a chave, Hamilton abriu novamente o livro e sem muito compromisso passou a ler o primeiro poema dos vinte que havia. Magalhães estava certo, o tema morte era facilmente encontrado naqueles versos. Dando uma pausa na leitura, Hamilton olhou para o lado de fora onde o idoso seguia parado com os braços para trás e mastigando sua própria gengiva. Antes sair, vale uma buzinada de agradecimento.

*

Nunca uma saudade doeu tanto. Nunca mesmo. Sabrina se lembra — com muito arrependimento — de quando casou-se com Roberto e, ainda envolvida com as intermináveis novidades de um casamento, disse na presença dos pais que jamais voltaria para casa deles. “jamais” é uma palavra muito dura e antes de ser dita deveríamos pensar mil vezes. Tudo o que ela deseja nesse momento é o colo do pai, o beijo da mãe e a tranquilidade que era o seu quarto quando ainda era solteira. Ao terminar de se arrumar e dá de cara com Roberto sentado na copa, a vontade foi de pedir por socorro.

Muito bem barbeado e penteado, assim como vestido também, Roberto toma seu café a base de torradas e algumas frutas. Assim que sua esposa entrou na cozinha ele não pode deixar de notar o seu belo corpo e a linda mulher que ela é. A noite passada subiu no ranking das piores, e mais uma vez não aconteceu nada entre eles.

— Tem um minuto? – limpou a boca.

O relógio no pulso foi consultado. Sabrina assentiu.

— Não quero que o nosso casamento termine, muito menos dessa maneira, então, façamos o seguinte. Você pode ficar com a casa...

— Não quero nada acordado de boca. Acordo se faz no papel e na presença de um juiz...

— Quando decidimos nos casar não havia juiz algum, não fizemos acordo algum, então...

O relógio foi consultado outra vez.

— Tempo esgotado. Conversamos mais tarde.

Ao entrar no carro Sabrina foi acometida por uma forte onda de emoção que a deixou sem fôlego. Ela chorou pendurada ao volante sem se importar com a maquiagem. Que droga de vida. Roberto até então era sim o homem de sua vida. O cara escolhido para dividir seus dias. O que aconteceu? Ainda em prantos ela o viu sair de casa pelo retrovisor. Um homem alto, de boa aparência, profissional bem remunerado e a princípio bastante responsável. Ele se virou e a viu dentro do carro. Seu olhar soturno e os ombros caído confirmavam o que ele sentia no momento. O celular de Melo tocou, era Palhares.

— Venha direto para o departamento, copiado?

— Copiado.

*

Leonardo Coutinho passou a noite bebendo, mas sem ficar bêbado. Enquanto esquentava o acento de um bar tomando marguerita, ele não tirava os olhos de uma negra de traços delicados do outro lado do salão. Sozinha? Talvez. Ela também o fuzilava até que o viu sinalizar para ela. Sem acreditar no que estava acontecendo, a menina apenas sorriu. Leo insistiu para que ela abandonasse sua mesa e se juntasse a ele. Um sinal de aguarde e ele aguardou. Minutos depois lá está ela rindo ao lado dele.

— Gosta de poemas?

— Prefiro ficção científica. – respondeu ainda rindo.

— Posso te levar para conhecer minha coleção?

— Deixe-me despedir dos meus amigos e já saímos.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 27/02/2023
Reeditado em 27/02/2023
Código do texto: T7728731
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.