POEMAS MORTAIS | CAPÍTULO 1
POEMAS MORTAIS
HAMILTON PALHARES
Durante o dia nada aconteceu como Sabrina gostaria que acontecesse. Pra começar, ela esqueceu em casa documentos importantes de uma investigação assim que pôs os pés na delegacia. A tarde, foi agredida por um suspeito de ter batido na ex mulher no momento da abordagem. Agora pela noite, Roberto e ela discutem mais uma vez e pelo menos motivo.
— A nossa vida parece uma novela, às vezes. – diz ele abrindo a geladeira e pegando uma latinha de cerveja.
— Às vezes? Putz, você só pode estar de sacanagem. – rebateu segurando a cabeça mexendo nos cabelos.
Sabrina Melo é uma mulher bonita, pele branca, cabelos recém cortados na altura dos ombros, não muito magra e nem muito baixa. Policial há dez anos, Sabrina conheceu Roberto assim que ingressou nas forças auxiliares. Foi amor a primeira vista para ambos. O que houve entre eles foi tão intenso, tão puro, que no período de um ano eles casaram-se e foram morar a princípio de aluguel.
Hoje a realidade do relacionamento é cruel, sufocante e desgastante. Não há um santo dia em que o casal não discuta. O motivo: rotina. Por ser peça chave na delegacia, Sabrina sempre é escalada para casos complicados que a ocupam por meses. Roberto é professor universitário e vez por outra ele anda envolvido até o pescoço com tarefas.
— Posso propor algo, aqui e agora? – Roberto bateu na mesa.
— Sou toda ouvindo.
— Que tal tomarmos um banho, juntos, e transarmos a noite toda, como fazíamos no início do casamento?
Sabrina arregalou os olhos.
— O que, eu não ouvi direito?
— Transar, sexo, você ainda sabe o que é isso? – deu outra golada na cerveja.
A policial desceu de uma das cadeiras de pés altos que ficam na copa.
— Pra mim já deu essa discussão. Vou tomar um banho sim, mas sozinha. Boa noite, professor.
— Boa noite, investigadora. – desdenhou.
*
O dia amanheceu nublado. A previsão do tempo noticiou que o dia seria abafado, mas que no final uma chuva fina aliviaria a sensação de estufa. Hamilton Palhares nunca foi fã do calor, Verão não é pra ele. O carro de sua parceira parou lentamente ao lado de uma das viaturas empoeiradas. Sabrina Melo desceu esbanjando beleza, chamando atenção de todos os outros agentes presentes.
— Nossa, hoje ela está irresistível. – Hamilton pensou alto.
— Desculpa o atraso, dormi mais que a cama.
— Relaxa, eu cheguei quase agora também. – Palhares ainda se encontrava hipnotizado pelo par de seios avantajados da parceira.
— O que temos aqui? – apertou os olhos olhando para frente.
— Um corpo, eu ainda não fui ver. Os peritos estão lá dentro.
— Esse lugar é bem afastado da cidade. Mato alto, construções inacabadas, cenário perfeito para um crime.
Hamilton pôs às mãos na cintura por dentro da jaqueta permitindo o distintivo aparecer preso ao cinto.
— Pois é, pode não parecer, mas Vila Velha é bem grande.
Um dos peritos acenou para eles deixando a construção.
— É uma mulher, e se eu não estiver enganado, ela dever ter no máximo dezoito anos. Foi morta por um único golpe de faca no pescoço e...
Os policiais se entreolharam.
— É melhor vocês darem uma olhada naquilo.
A dupla de agentes entrou na suposta cena do crime. Sabrina sentia seus batimentos acelerando a cada passo dado, diferente de seu companheiro de estrada que, ao ver o corpo jovial largado de qualquer maneira não permitiu que o seu lado humano interferisse no profissional.
— Vila Velha me surpreendendo a cada dia. – Palhares pôs às mãos nos bolsos.
O cadáver encontrava-se somente com a calça jeans e às sandálias. O assassino ou assassina retirou a blusa da vítima com a finalidade de deixar seu cartão de visitas. Havia algo escrito desde os seios até o umbigo. Algo escrito com sangue.
— Aonde vamos parar? – Sabrina tentava ler o conteúdo da mensagem. – consegue ler?
Hamilton sacou seu telefone, deu um zoom e fotografou somente o escrito.
— Me parece uma poesia ou poema, sei lá.
— Sem violência sexual, sem marcas de agressões, o assassino só queria mata-la mesmo.
O mesmo perito apareceu segurando o que seria a bolsinha da vítima. Tanto Sabrina como Hamilton esqueceram suas luvas na viatura.
— Um dos policiais que fazia a varredura do local acabou de encontrar isso. - Podem deixar comigo, eu abro.
Identidade, dinheiro, preservativos, celular, bala Halls de mente e uma esferográfica azul com a carga pela metade.
— Eu estava certo. – lamentou o perito. – ela mal completou dezoito anos, coitadinha.
— Pois é. – o agente olhou mais uma vez para o corpo. – vamos, hoje o dia promete.
*
Loira, linda, corpo impecável. Ela saí da academia no mesmo horário habitual. Sua bike presa ao bicicletário na parte externa a aguarda e ela não está sozinha nessa tarefa. Alguém do outro lado da rua não consegue tirar os olhos da loira suada. Como ele gostaria de saber pelo menos o seu nome. Assim que o espetáculo desaparece de seu ângulo de visão ele relaxa deixando os ombros caírem, “hora de continuar a boa obra”.