UMA NOITE INESQUECÍVEL

— Sirva-me um pouco mais de vinho, seu tolo.

Margot estava linda. Não. Adjetivo pequeno para definir aquela mulher. Estava perfeita. O buquê do Barolo — intenso e concentrado — tomou conta da nossa mesa. No entanto, esforçava-me para fixar o olfato no perfume dela. O colar dourado no pescoço esguio, emoldurado pelo vestido vermelho. A pele alva intensificando o verde dos olhos. O neon vermelho vivo na janela, deixava-a ainda mais atraente. E um sorriso sensual e despreocupado, insinuante.

— Avisei você, não é? Será uma noite inesquecível — Sorri travesso ao lhe devolver a taça.

— Niko, você é incorrigível!

Sorveu um gole e fixou os olhos verdes em mim. Custava a crer, mas os sinais estavam claros. Finalmente a teria por inteiro. Ajeitou-se na cadeira antes de continuar.

— Bastou uma chance e você me arrasta para um jantar desses. Sou refém dos seus encantos, outra vez.

— Bem, não é um restaurante da Quinta Avenida. Mas pelo seu prazer ao experimentar a vitela do Louis, pareço ter acertado mesmo.

— É, tenho que concordar contigo: é a melhor vitela de Nova York, sem dúvidas.

— Todos os clientes recomendam. Vitório é um mestre!

— Você conhece o chef?

Quem se ajeitou na cadeira dessa vez fui eu. Inclinei-me sobre a mesa e baixei o tom de voz.

— Vitório é italiano mesmo, sabe? Da Toscana. Em Nova York, há muitos italianos, você sabe. A maioria nasceu por aqui, mas tem raízes lá. É melhor não falar muito sobre eles.

Fiz um gesto com os olhos, indicando a demais pessoas no restaurante. Aquele par de esmeraldas vagou além dos meus ombros, parecendo contar os demais clientes. Se abaixou, com um riso maroto nos lábios e, juntando o indicador e o polegar, selou as palavras. Aprumei o corpo e chamei o garçom. O sorriso sensual voltou.

— Para onde vamos agora? — perguntou-me após o homem levar os pratos.

— Gostaria de levá-la para dançar. Ou quem sabe ...

— Quem sabe ...

Ela sorriu com o rosto inteiro. Não foram só lábios e dentes. Seu rosto pareceu brilhar. O desejo se anunciava. Por um segundo tive certeza de que Margot concordava com meus galanteios e resolvera-se a baixar a guarda. Há tempos vinha cercando-a de mimos e olhares. Acreditava piamente existir uma conexão mágica entre nós. A insistência dela em evitar-me só aumentava meu interesse.

Ela estava além de apetite sexual para mim. Aquela mulher representava muito mais. Além de uma simples noite. A queria ao meu lado, como esposa. Estava disposto a mover todas as montanhas necessárias para romper o preconceito da sociedade em relação a uma mulher “descasada” e independente como Margot. Declarar meu amor por uma mulher como ela, seria um choque difícil para meus pais e minha família absorverem. Preocupava-me com minha felicidade. Estava disposto a loucuras, mesmo se nessa noite, ela insistisse em manter-se na defensiva.

Construí o ambiente perfeito para nós dois. Um jantar maravilhoso em um restaurante aconchegante e discreto. Bebida e comida de primeira, as flores repousando na cadeira ao lado e o anel com o pedido, aguardando o momento certo de surgir nessa noite dos sonhos.

Enquanto nos entretínhamos com o olhar fixo um no outro, aconteceu! Como poderia prever algo assim? Não havia maneiras de controlar coisas dependentes de outros agentes. O barulho de uma cadeira sendo arrastada, talheres e copos se chocando e o estampido de um tiro. Margot arregalou os olhos, sufocando um grito de pavor com as mãos. Agi rápido e por instinto. Girei para a esquerda, ficando ao lado dela. Abracei-a pela cintura, enquanto empurrava sua cabeça para debaixo da mesa. Outro estampido e mais outro.

Por baixo da mesa, protegendo minha amada com o corpo, vi Michael Corleone de pé, observando os espasmos de sua segunda vítima. Braço direito ereto, segurando o revólver fumegando. Ainda agonizando, o homem caiu sobre a mesa, quebrando-a. Copos, louças, bebida e comida foi ao chão. O garçom entrou na cozinha de costas, com o uniforme manchado de sangue. Michael olhou para ele e também para um casal — ocupavam uma mesa no fundo do restaurante, antes de tudo acontecer. O homem levou a dama para dentro do banheiro, com olhos arregalados de medo. Protegeu-a com seu corpo. Os dois senhores que conversavam em outra mesa lateral, vieram na nossa direção, agachando-se junto a parede. O assassino girou o corpo e antes de deixar a cena, jogou a arma no chão. O revólver bateu no assento de uma cadeira e escorreu para o chão, parando aos pés de Margot.

Minha mão estava sobre sua boca, colaborando para o silêncio dela. Louis levantou-se detrás do caixa e um silêncio perfumado de pólvora, molho, vinho e morte tomou conta do restaurante. Virgil Sollozzo continuava em sua cadeira, com a cabeça tombada para trás, com uma bala enfiada na testa. Diante de seus pés — em meio a cacos de vidro, restos de comida e outras coisas quebradas — o corpo do Capitão McCluskey.

Retirei a mão da boca de Margot. As lágrimas correram pelo seu rosto. Esboçou um riso nervoso, mas estava em choque. Tremia quando a envolvi nos braços. Larguei uma nota de cinquenta em cima do balcão e partimos.

Vladimir Ferrari
Enviado por Vladimir Ferrari em 23/01/2023
Reeditado em 11/02/2023
Código do texto: T7702458
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