A Vingança do Canibal Ceará - Parte I - Inimigo Ou Aliado?

É magnifico ver o Fragata forte e pujante depois da pandemia de merda que matou muita gente. E tudo graças ao trabalho infatigável de meu senhor.

Mário Roichovsk Mosk, o monarca do Fragata que voltou do inferno. Um título cabível pra ele. Lembro-me das tristezas que meu mestre passou quando criança, quero dizer, pelo que me contaram depois. Mataram os pais dele a tiros e quase fui jogado no lixo por um daqueles vagabundos, mas aí veio o tal do Coalhada que fez uma macumba com uns relâmpagos me dando vida e um propósito que não troco nem se a Jenna Ortega dançasse nua na minha frente.

De proteger meu mestre e amigo. Sabia que meu destino estava ligado ao dele para sempre.

Quanta coisa a gente fez junto. Fizemos uma puta zona nesse bairro e botamos os vagabundos todos pra correr nesses dez anos. Pelo menos meu mestre ficou fora dessa porra toda aí que o pretenso Ceará fez de ser imperador de Pelotas. Ainda bem que o tocaio do meu mestre jogou o filho da puta São Gonçalo adentro, mas dizem as más línguas que o desgraçado tem o diabo no corpo, ou melhor, dizem que voltou a cidade graças as lendárias Três Bruxas, que falam a boca pequena que são muito gostosas, tenho que admitir.

Estava andando lá na Cidade de Lisboa com meu mestre que estava observando as obras do novo entroncamento e supervisionando o trabalho dos operários. Todo mundo parou pra tirar foto com ele e conversar. Tenho muito orgulho dele pelo homem que se tornou e pelo respeito que adquiriu do povo fragatense.

Lembro-me de que o Fragata era um bairro caindo aos pedaços por falta de recursos, aí então meu mestre trabalhou feito burro de carga até conseguir fazer que o Fragata se reerguesse.

Foi por sugestão dele que cada bairro teria seu próprio subprefeito e a prefeita aprovou a ideia com a ressalva de que ela daria a palavra final.

Meu mestre, e claro, ficou com o Fragata de forma legal como fez o tal do Francis Drake ao ganhar a carta de corso da rainha da Inglaterra, ou seja, poderíamos continuar com nosso trabalho sem ser incomodado por ninguém.

A ideia era boa. Impediria algum usurpador de tentar tomar o poder e quem sabe, não sairia um bom sucessor nas eleições daqui a alguns anos.

Meu senhor estava muito preocupado com o babaca do Marcelo que o matou naquela barragem. Dizem por aí que virou concubina do imperador. O tal do Ceará fez gato e sapato dele.

Quanto a mim, as preocupações são outras. Fomos vergonhosamente derrotados no octógono pelos autoproclamados Defensores de Pelotas e meu mestre cumpriu a palavra de soltá-los depois da luta. Ao menos temos duas coisas boas: um Corolla possante e aqueles malucos que farão o trabalho sujo por nós.

No entanto, vou ter que aturar o crioulinho e seus amigos principalmente depois que ele me jogou na cerca eletrificada do octógono. Me deixou parecendo o Blanka de tanto choque que tomei.

Justiça seja feita, tenho que tirar o chapéu pra ele. O crioulinho é foda na arte da luta a ponto de me dar um pontapé na cara forte o suficiente pra deixar-me mais feio do que o Frankenstein. Tanto que nem as barangas chegam perto de mim.

Continuamos nosso passeio já na Duque de Caxias e todo mundo parava pra cumprimentar a gente. Como é bom a gente ser amado e respeitado. Nada mau pra quem viveu uma vida de aventuras, assaltos e lutas com a polícia, mas agora meu mestre está mais amadurecido e responsável.

Ao chegarmos a fortaleza, a Natasha estava esperando a gente pra dizer que o Luiz Otávio iria nos brindar com sua “humilde” visita. Esse filho da puta que fodeu Pelotas até sangrar e matou um monte de gente.

E ainda por cima, devorou todo mundo. Pelo que ouvi por aí, dizem que o cara se masturba com “troféus” que são nada mais nada menos que peitos e croquetes e ainda tem a capacidade de foder com cadáver, colocar cabeças em formol e tantas outras bizarrices dignas daqueles livros lá do tal do cara do Maine que meu mestre lê, o Stephen King.

Nessas horas agradeço aos céus que sou um urso de pelúcia. Sabe, a fofura me salva e o excesso de gostosura me dá um gás legal.

Esse Luiz Otávio é um cara-de-pau. Por mim, incineraria o desgraçado. Minha baforada de fogo não falha nunca e certamente seria um prazer transformá-lo em picanha bem passada.

Mas, meu senhor deu a palavra de que o recepcionaria. As vezes a nobreza é uma merda, mas foi com isso que ele reconstruiu o Fragata depois da pandemia.

A única coisa boa desse trabalho é quando a Natasha aperta minhas bochechas e faz um cafuné em mim o suficiente pra dar umas boas risadas. Ela me deixa contente e excitado pra caralho.

Meu mestre é um cara de sorte. A Natasha o ama de paixão e ele corresponde da melhor maneira possível.

Mas a brincadeira acabou e é hora de calçar o macacão e botar o capacete porque o verme humano está chegando.

Meu senhor não pode vacilar.

É foder ou ser fodido.

* * *

- Uau, que faca legal, mestre!!

- Não é uma faca, Diana. É uma peixeira que pertenceu ao meu avô e a minha avó levou consigo debaixo das saias. Essa arma liquidou muito soldado e muito coiteiro metido a valente que abria a boca pra denunciá-lo. Dizem que meu avô era um dos cangaceiros mais temidos do Nordeste e um dos mais fiéis a Lampião. O prazer dele era pegar o pobre infeliz e arrancar o olho com a peixeira comendo-o bem na sua frente. O azar é que o avô do Nêmesis era um dos combatentes da Coluna Prestes e uma escaramuça ocorreu. Foi pego covardemente e executado na frente da minha avó que era uma jovem tão bonita como tu. Cortaram a cabeça dele e o levaram como troféu. Certamente iriam estuprá-la e matá-la, mas foram dispersados por um reforço de cangaceiros que a resgataram do perigo. Graças a Maria Bonita, minha avó conseguiu fugir e com uma sorte incrível, conseguiu embarcar de forma clandestina em um navio rumo a Pelotas que era uma das cidades mais pujantes da época. O problema é que ela estava grávida da minha mãe quando chegou a cidade e ela morreu no parto com minha mãe nascendo. Anos depois, ela conheceu meu pai e se casou. Logo descobriu que era alcóolatra e que batia muito nela. Assim que tive consciência do que acontecia, eu o matei com essa peixeira e o devorei com um prazer indescritível. Foi minha primeira vítima.

- Então foi daí que veio seu apelido Ceará?

- Exatamente.

- Com todo respeito, senhor, mas é um nome tão cafona para um homem tão respeitado e temido por todos.

Luiz Otávio riu alegremente e ao convocar as jovens bruxas para o encontro com Mário Roichovsk Mosk no Fragata, percebeu que Savanna estava furiosa pelo roubo de seu carro.

- Eu pego aquela desgraçada da Nara. Ela vai se arrepender de ter roubado meu carro.

- Acalme-se, Savanna. Deixe isso pra mais tarde. Agora temos uma missão a cumprir. Leopoldo, prepare a limusine. Vamos fazer a nossa entrada triunfal na fortaleza dele e veremos por nós mesmos se o monarca que voltou do inferno faz jus a fama.

- Sim, senhor.

Assim que entrou na limusine junto com as três jovens, falou:

- Vamos ver quais são as cartas que tens na mão, senhor Mosk.

E soltou uma gargalhada aterrorizante.

* * *

- Senhor Mosk, o senhor Luiz Otávio chegou.

- Mande-o entrar, Natasha.

Tenho que admitir. O cara sabe como fazer uma entrada triunfal. Todo mundo parou pra ver sua elegância. Parecia o Al Capone redivivo aquele filho da puta. No entanto, sabe escolher mulher muito bem.

Aquelas três tinham um par de pernas que deus me livre. Se as circunstâncias fossem outras e se a Natasha não fosse tão ciumenta, eu as levaria pra uma noite daquelas.

Os dois pareciam meio que esgrimistas querendo enfiar a espada um no outro. Mas é hora de parar com meus urros e deixar os artistas principais entrarem em cena.

- Estou impressionado, senhor Mosk, por seu brilhante trabalho no Fragata nestes dez anos. A pandemia devastou meio mundo e só agora as coisas estão começando a voltar ao normal.

- Mas não podemos deixar a guarda aberta, senhor Luiz Otávio, contra aproveitadores e bandidos que só querem fazer mal a cidade. Lembro-me muito bem de que um pretenso imperador queria apenas um reinado de terror, não é mesmo? Espero que tenhas entendido que a democracia é maior do que tudo.

- Entendo, senhor Mosk. Passei dez anos pagando pelos meus crimes e agora sou um homem mudado. Acredito que muita coisa mudou na minha ausência e atualmente a cidade é dividida em subprefeituras onde cada um governa um bairro. Estou bastante curioso por conhecer esse novo sistema.

- Depois dos lamentáveis acontecimentos de dez anos atrás, a prefeita decidiu que cada bairro tivesse um subprefeito que tem a autonomia necessária pra governar e cuidar do local. No entanto, as decisões finais cabem a ela e cada um de nós apresenta o relatório de suas atividades a cada mês.

- Interessante, senhor Mosk. E tu és o subprefeito do Fragata, não é isso?

- Exatamente.

- Devo admitir que o Fragata está mais bonita e pujante do que antes. Parece que estou caminhando nos Campos Elísios. Estou muito impressionado mesmo e posso te ajudar com mais recursos. Estive na África recentemente e consegui boas prospecções de diamantes.

- Diamantes? Deve com certeza ter bom trânsito com os ditadores locais.

- Negociações fazem muita diferença em conseguir progredir na vida ou não, senhor Mosk. Tenho algo a lhe mostrar assim que terminarmos nosso passeio.

Assim que os dois chegaram, o metido a cangaceiro mostrou seu trunfo ao meu senhor. Jogou um saco na mesa e o abriu. Tava cheio de diamantes de todos os tipos e tamanhos.

Fiquei boquiaberto. Pensei que o cara tinha matado um monte de gente lá na Crioulolândia. Quando disse isso, o Jorge me deu um safanão que voei longe. Preciso parar de falar besteira pros atores principais poderem seguir sua história.

- Com esses diamantes, poderia conseguir mais recursos para meu povo, mas devo relatar a prefeita a respeito disso, senhor Luiz Otávio. O que quer em troca?

- Quero apenas uma casa, senhor Mosk. Aquela que nós vimos na Vidal de Negreiros que vivi na minha infância e adolescência. Me traz tantas lembranças aquele lugar. Pense nisso como uma embaixada. Tenho ainda interesse em participar desta experiência revolucionária me candidatando a subprefeitura do Laranjal. Seria uma ótima forma de selar nossa aliança, o que acha?

- Está certo, senhor Luiz Otávio. Terá sua casa de volta. Mas me pagará em diamantes. E prometo apoiá-lo em seu intento de candidatar-se a subprefeitura do Laranjal.

- Trato feito.

Os dois assinaram o tal acordo e fiquei mais puto ainda com a historinha de lembranças da infância. Pode ter enganado meu mestre, mas essa não engulo nem que o filho da puta desse uma semente dos deuses pra eu ressuscitar.

Assim que todos saíram, meu mestre me chamou de canto e pediu os conselhos do seu bom amigo ursinho de pelúcia.

- Mestre, com todo respeito, a gente só perdeu nesse acordo estúpido. Tu abrisses as pernas pra ele nos foder até sangrar. Sem dúvida, todo nosso trabalho vai pro espaço. Por mim incineraria o infeliz aqui mesmo.

- Misha, precisa entender uma coisa. Aliados perto, inimigos mais ainda. Eu não confio neste homem que destruiu o espírito pelotense, mas esse bairro precisa crescer e mantendo boas relações com meus colegas subprefeitos, estamos garantidos. E temos dois trunfos importantes: os Defensores de Pelotas e o próprio “Elliott Ness” que está prestes a voltar a Pelotas. Por que acha que permiti a eles patrulharem meu território? E por que quiseram lutar contra nós? Pela justiça e por aquilo que acreditam estar certo. Mas tens razão, meu querido ursinho, o Luiz Otávio é uma cobra que precisa ser vigiada e é aí que tu entras. Quero que fique de olho também naquelas moças que se intitulam de bruxas. Elas são tão ou mais perigosas que ele. Vá logo e tome muito cuidado.

- Deixa comigo, senhor. Missão dada é missão cumprida. Se for pro Simões Lopes, manda um abraço no Luisão por mim.

- Mandarei com todo prazer.

Tenho que admitir de novo. Meu mestre é o cara na estratégia e certamente mandará aquele cangaceiro de merda de volta a caatinga.

E eu farei qualquer coisa pra conseguir isso.

* * *

- Mandou me chamar, Vossa Excelência.

- Temos boas notícias, Mário. Tu e o Davi terão uma importante missão em Pelotas. Fiquei sabendo pelos meus assessores de imprensa que aquele homem está de volta e temo pela segurança da população. Ainda estou traumatizado pelo sequestro de dez anos atrás e não quero que isso se repita. E quero que vocês protejam a prefeita como fizeram naquela vez.

- Farei de tudo para protege-la, Vossa Excelência. E pensar que aquele crápula voltou pra se vingar de mim. Pelo menos temos algo de bom dessa vez. Ele terá que enfrentar outros adversários como meu tocaio Mosk.

- Quem é ele? Um inimigo ou um aliado? Pelo pouco que sei, era um bandido que tinha morrido em um combate e acabou sendo ressuscitado. Desde então, ele aparentemente se regenerou e agora tornou-se subprefeito do Fragata.

- Sim, Vossa Excelência. Dizem que está fazendo um bom governo. Ele expulsou a bandidagem de lá e se tornou muito popular no bairro. O problema é que o Marcelo é o inimigo mortal dele e essa rivalidade pode botar tudo a perder.

- Bom, seja como for, tente deter o canibal Ceará de qualquer modo. E ainda tem mais esse caso destes misteriosos vigilantes que todas as noites surram criminosos e que agora estão atrás de um não menos misterioso homem de preto que espalha cartas por toda Pelotas. As coisas não podiam ser mais complicadas.

- O Márcio me contou essa história. São cartas aparentemente sem pé nem cabeça e cada uma delas contêm uma palavra. Parece mais uma espécie de quebra-cabeças do que qualquer outra coisa. Ninguém sabe quem ele é ou de onde vem. Vamos ajudar a resolver também esse caso, Vossa Excelência. Quanto aos vigilantes, vou ficar de olho neles, mas com todo respeito, Vossa Excelência, não serei obstáculo na luta deles contra o crime. Acabaram com aquela gangue que incomodava os estudantes da Católica durante anos e hoje aquela área está bem mais tranquila.

- Eu sei. O problema é político. Daqui a algumas semanas, teremos eleições e o meu oponente acha que esses vigilantes devem ser banidos das cidades por serem “terroristas subversivos” que ameaçam a família brasileira e os homens de bem. Veja o absurdo disso, Mário. Mas falando entre nós aqui, os jornais relatam que são quatro os vigilantes, não é verdade?

- Na verdade, são cinco. Pelo que sei um deles trabalha por conta própria e de vez em quando, ajuda os outros quatro nas patrulhas que fazem.

- Isso é bom. Seja o que for, vá cumprir sua missão. Boa sorte, meu amigo.

Apertei as mãos do governador e voltei logo pra casa arrumar as malas já esperando a chegada do Davi pra contar a novidade. O Barba logo se entusiasmou e também começou a arrumar as suas.

- O pesadelo vai recomeçar, Mário. O que faremos agora?

- Fazer o que a gente sempre faz, Barba. Lutar contra o crime. Mas agora temos aliados muito importantes que podem fazer a diferença nessa luta.

- Estou ansioso por conhecer esses vigilantes, Mário. Mal posso esperar pra voltar a terrinha.

- Eu também, Barba. Eu também. Mal posso esperar pra dar um abraço no Márcio e na Cris enquanto a mãe ainda está na Europa com o Jean-Pierre.

Depois dessa conversa, fomos dormir um pouco.

Dormir era eufemismo. Estava sem sono preocupado com a volta daquele filho da puta a Pelotas. Era preciso proteger o Márcio e a Cris de qualquer modo.

Bem como resolver todos os mistérios que rondam a Princesa do Sul.

Menos mal que Marcelo está na cidade para nos ajudar.

Ainda temos esses vigilantes, os Defensores de Pelotas, que serão nossa carta na manga.

Juro que irei ajuda-los em sua luta contra o crime.

* * *

Bar do Zé. Um lugar de tantas lembranças para mim. Era um bom lugar pra ouvir meu walkman e tomar umas cervejas de vez em quando na época da graduação. Mas agora os objetivos são outros e estou a procura daqueles quatro pirralhos.

Quando cheguei lá, fiquei pasmo com o veículo deles. Um Corolla genuíno. Tenho que admitir, a pirralhada tem bom gosto pra carros.

Mas aqueles malucos ficaram de queixo caído quando estacionei a minha querida Testarossa vermelhinha. Dizem que carro roubado é mais gostoso de dirigir e não tiro a razão de quem falou isso seja quem for.

Apesar de preferir trabalhar sozinha, gosto muito deles. Cada um tem uma característica marcante.

Eu conheço bem Adalberto. O pai dele é um advogado que defende causas nobres e as vezes a gente se cruza nas altas rodas. É um piadista de primeira, do tipo que perde o amigo, mas não perde a piada.

No entanto, quando está num tribunal, muda completamente de semblante. O cara é focado nos casos e muitos deles foram resolvidos graças a grande atuação dele tanto na acusação como na defesa. Também é antenado em política, não é à toa que ele é um dos líderes do grêmio estudantil.

A Trida é uma batalhadora. E tem um fôlego invejável porque além de trabalhar no Bar do Zé por meio expediente, ainda estuda a noite e consegue ter tempo pra escrever seus artigos tanto pro Diário Popular quanto pro Diário da Manhã. Dizem que manda alguns pra Zero Hora também. Escreve sobre diversos assuntos e é uma das defensoras da legalidade dos vigilantes em todas as cidades porque acredita que seria um auxílio crucial para uma polícia tão depauperada em recursos e armas.

O Vítor é um cara que carrega um passado trágico. Perdeu os pais muito cedo e acabou indo a um orfanato. Dizem que o incêndio que devastou o local foi criminoso e o Vítor inclusive acabou sendo entrevistado pela RBS TV ganhando não só notoriedade como também uma bolsa de estudos para medicina. Estudou com tanto afinco que se tornou um dos melhores da turma, apesar de enfrentar todos os preconceitos possíveis por ser negro. Esse eu respeito e compreendo sua dor. Sei muito bem o que é isso.

Afinal de contas, aquele verme humano matou minha mãe e canibalizou meu pai. E como se não bastasse tudo isso, dizem que usa o cadáver da minha mãe pra “treinos sexuais”. Isso é uma coisa nojenta e humilhante pra mim. Se tiver uma oportunidade, um dia acabo com aquele maldito.

Voltando um pouco ao Vítor, teve seu batismo de fogo durante a pandemia e se saiu muito bem salvando várias pessoas de morrer de COVID-19. Foi considerado um dos melhores médicos do país por seus esforços em prol da ciência.

Já Aurora é um enigma ambulante. Muito quieta, calada, com cara de sonsa e distante dos outros. Mas sei muito bem que é uma máscara para disfarçar sua verdadeira personalidade. O olhar dela é frio e penetrante. Observa bem o ambiente e tem um gosto que me assusta.

Armas brancas. Facas e punhais bem afiados pra ser mais exato. Dizem que tem a capacidade de atirá-las sem precisar usar as mãos. E é capaz de estripar um oponente com a alegria de um açougueiro cortando carne e a frieza digna de um toureiro das arenas de Pamplona.

Um dia descobrirei seu segredo, garota.

A reunião foi boa e trocamos informações importantes a respeito dos assassinatos ocorridos na cidade. O mesmo modus operandi de dez anos atrás: pancada na cabeça, corpos estripados e carne humana a granel. Mas ficaram surpresos a respeito das novas variações de assassinato feitos por aquelas três vadias: elas atraem rapazes e até mesmo garotas pra mansão depois da balada, fazem amor com eles/elas, tomam um café da manhã com eles/elas e acionam um alçapão onde as outras duas usam seus poderes para entorpecer os infelizes e matá-los com uma pancada na cabeça. Usam ferramentas pra estripar os corpos e tirar a carne para seu mestre almoçar e jantar.

Que plano macabro.

Fiquei sabendo de antemão pelas minhas assessoras que Mario Vianna chegaria a Pelotas dentro de dois dias e fui convocada pelo pessoal do Dunas Clube pra preparar a festa em homenagem ao “Elliott Ness” e ao seu amigo “Barba”.

Mandei o convite a eles que ficaram muito contentes de irem a uma festa de arromba. Para mim, é uma grande honra. Me espelhei muito nele durante meu treinamento pra ser vigilante e li tudo sobre seus feitos na cidade.

Quem sabe um dia ele não me aceitaria como sua pupila.

Sonhar não custa nada.

* * *

Depois de uma longa noite de patrulha e da reunião com Nara, os quatro vigilantes conhecidos como os Defensores de Pelotas se reúnem na entrada da casa de Aurora para reunir as cartas que coletaram na sua busca pelo homem de preto e até agora a situação estava ainda enevoada e longe de uma solução.

- Só palavras desconexas até agora, mas creio que amanhã á noite podemos resolver tudo isso, pessoal – disse Trida.

- Amanhã, o professor vai tirar meu couro. Vou ter que estudar todo o código penal pra fazer uma apresentação diante dos colegas. Mas o bom é que daqui a alguns dias vai ter o simpósio na faculdade e então a gente pode pensar melhor nessa coisa aí enquanto surramos um ou dois vagabundos.

- Isso não é nada, Adalberto. Amanhã vou trabalhar em dois turnos no bar porque é fechamento do mês.

- Todo aquele dinheirão e só ficas com uma mixaria. É triste isso.

- É que como ainda temos restrições devido aos casos de COVID, o pessoal não vai tanto ao bar. Ao menos, estão bombando meus artigos que mando pros jornais semanalmente. E ainda tem o Facebook como um ótimo canal de ideias.

- Dizem que o Mario Vianna voltará a cidade dentro de dois dias para nos ajudar a resolver o caso do homem de preto e acabar com o tal do canibal Ceará. Pelo que estou ouvindo, só se fala dele lá no curso de Medicina. – disse Vítor.

- Por isso que a Nara nos deu esses convites para a festa que farão em homenagem a ele no Dunas Clube sábado a noite. Vai ser o evento do ano em Pelotas.

- Divertido. – disse Aurora.

- Teu vocabulário precisa melhorar, Aurora. – disse jocosamente Adalberto.

- Idiota.

- Parem de brigar, vocês dois. Vamos nos divertir com certeza, mas temos que ficar de olho em qualquer movimento suspeito. Pessoal, a roupa será a caráter. Vestidos, ternos, essa coisa toda.

- Pois é, Trida, terei que alugar um terno pra mim até sábado e vou me atrasar um pouco devido a algumas cirurgias no hospital. Me juntarei a vocês depois.

- Certo, Vítor. Eu ficarei com essas cartas e vou coloca-las em um lugar seguro. Ainda temos mais cinco cartas pra buscar nas nossas próximas patrulhas. Até mais, pessoal.

- Até – disseram os demais.

Um novo dia está prestes a começar e os dois velhos inimigos estão de volta a Pelotas após dez anos.

Uma coisa é certa.

Aconteça o que acontecer, os Defensores de Pelotas estarão prontos para proteger sua amada cidade de quaisquer ameaças que surgir.

MarioGayer
Enviado por MarioGayer em 28/12/2022
Código do texto: T7681452
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