A Vingança do Canibal Ceará - Prólogo - Sobre Vigilantes e Bruxas

Cai a noite em Pelotas. Uma cidade com uma pulsante vida noturna, mas cheia de perigos. Nenhum lugar é considerado seguro, nem mesmo para o casal de jovens que namoram despreocupados na praça Cipriano Barcelos, conhecida popularmente como Praça dos Enforcados devido não apenas as execuções de criminosos e escravos como também aos suicídios por enforcamento em tempos idos.

A praça estava às escuras devido ao jogo de empurra-empurra entre a prefeitura e a companhia de energia. No meio disso tudo, havia a polêmica da taxa de luz que é paga pela população, mas nenhuma nova lâmpada era entregue para a iluminação não somente das praças como das ruas.

O jovem casal estava tão apaixonado que nem perceberam que cinco homens mal-encarados estavam cercando-os.

Quatro deles estavam já surrando o rapaz enquanto o quinto havia jogado a moça no chão e já arrancando as roupas dela visando estupra-la na frente do namorado.

- Hoje vou passar a noite de núpcias com minha esposa, ah, ah, ah!!

Nenhum dos marginais, contudo, percebeu a chegada de quatro vultos vindo das sombras com o mais alto deles já acertando um golpe de sua Colt na nuca do estuprador e apontando a arma para os outros quatro.

- Lamento informar, mas o casamento está anulado porque falta documentos para seu trâmite – disse o vigilante conhecido como Adalberto, um jovem estudante de direito bastante politizado.

Virou-se para o estuprador e deu um tiro certeiro em seu pênis, arrancando-o pelo impacto. O bandido ficou no chão gritando e estrebuchando-se feito um boi de abate.

Os outros tentaram atacar Adalberto pelas costas, mas não perceberam que uma das jovens vigilantes estava fazendo gestos com as mãos invocando punhais e os arremessando neles conseguindo matar dois dos bandidos com este golpe.

Ela se chama Aurora Ventichionne, filha de uma das espiãs mais conceituadas da Europa cujo golpe foi patenteado como “Despertar da Aurora”.

O terceiro bandido estava tonto pelo ataque e acabou surpreendido por Vitor, um jovem estudante de medicina cuja característica é usar o poder oculto objetivando aumentar a potência de seus socos e chutes o suficiente para matar um elefante de porte médio.

Logicamente acabou sendo surrado quase até a morte pelo jovem vigilante.

O quarto bandido ainda tentou agarrar a moça com o objetivo de fazer o que seu colega não conseguiu e estava pronto para estupra-la quando foi surpreendido pelo ataque inesperado da outra vigilante conhecida como Trida, a líder do grupo.

Ela tentou acertá-lo com uma voadora, mas errou o bote e caiu no chão dando tempo suficiente para Adalberto levar a moça e seu namorado para um lugar mais seguro.

O marginal cometeu um grave erro ao tentar atacar Trida deixando-se exposto para um ataque por trás. Aurora não se fez de rogada e passou o punhal no infeliz primeiro perfurando suas costas e depois degolando-o com a habilidade de um açougueiro.

O bandido que teve o pênis decepado por Adalberto estava com a virilha estraçalhada. O jovem vigilante não teve dúvidas. Pegou novamente sua Colt e arrebentou a cabeça do coitado com um tiro. Como se não bastasse tudo isso, usou as balas restantes para escrever “Vacilão” em sua testa.

Depois, com a ajuda de seus colegas, dependurou o cadáver do criminoso em uma árvore na parte central da praça e fugiram quando a polícia chegou, com eles interrogando o rapaz e os vigilantes levando a moça a Santa Casa para tratar de seus ferimentos.

Esses não eram apenas jovens em busca de aventura. Eles lutam por algo mais do que isso. Juraram limpar Pelotas dos bandidos, estupradores e assassinos que a maltratam todas as noites.

Não são apenas meros vigilantes. São temidos e admirados por toda uma cidade.

Os Defensores de Pelotas.

* * *

Estava saindo de uma reunião do Colegiado e depois de buscar a Cris no curso de Letras, passei pela Praça dos Enforcados e os vi de relance já dependurando em uma das árvores próximas o cadáver de um dos criminosos mais procurados de Pelotas, João Martins, conhecido como João “Pinto Duro” muito famoso por seus constantes estupros ao redor da praça.

Lembro-me bem de uma dessas noites. Esse vagabundo atacou a Cris quando voltava pra casa. Sorte que eu estava por perto e surrei o filho da puta quase até a morte.

Ao menos, temos pessoas destemidas que fazem o trabalho que a polícia deveria fazer, mas a politicagem não deixa.

Sinto falta do Mário, mas sei que está fazendo um bom trabalho em Porto Alegre, ajudando o governador a combater a criminalidade que aumentou durante a pandemia.

A Cris e eu estamos com a pulga atrás da orelha para saber quem são esses Defensores de Pelotas que arriscam a vida todas as noites com o intuito de garantir nossa segurança.

Eram quatro e não cinco como Mário argumentou.

Em uma coisa estava certo.

Eles são bons no que fazem.

* * *

Os chopes estavam cremosos como sempre no Lilliput. Barba e eu estávamos lendo as edições da Zero Hora e do Correio do Povo bem como os Diários Popular e da Manhã da minha cidade e em todos tinham artigos a respeito dos feitos dos autointitulados Defensores de Pelotas.

Disseram que na noite passada, haviam liquidado um dos maiores estupradores de Pelotas, depois salvaram vários transeuntes de assaltos no Centro, impediram um roubo de um minimercado nas Três Vendas e ainda salvaram a esposa e o filho de um antigo ladrão de carros ao derrotar o “subprefeito” do Fragata em um combate no seu octógono particular.

O que me chocou foi o editorial do Correio do Povo que simplesmente não só os criticou acintosamente como ainda falou que eu deveria deter estes baderneiros que ameaçam a paz de uma cidade como Pelotas.

“Ah, vão a merda esses editores!!” – pensei eu. Não sabem nem da missa a metade da situação de Pelotas que já era caótica antes da pandemia e agora com ela em andamento, a coisa piorou muito.

Vários estabelecimentos fecharam as portas e a bandidagem tomou conta de vários bairros. Mesmo com os esforços redobrados da prefeita em seu Pacto Pela Paz tentando colocar um pouco de ordem neste caos, a cidade estava devastada economicamente.

O problema é que este ano tem eleições e muitos desses candidatos simplesmente querem a supressão desses vigilantes por ser “baderneiros comunistas” que prejudicam o “bom trabalho” da polícia.

Aquilo me deixou exasperado. Claro que se tivéssemos mais recursos e o direito de usar as mesmas armas que os vagabundos, os vigilantes não seriam necessários. No entanto, isso não acontece.

As vezes me dá vontade de chutar tudo pro alto e ir embora. Mas lembro de meu pai me aconselhando a nunca desistir da profissão em nome das pessoas que não podiam se defender por si mesmas.

E continuo lutando mesmo com as dores atrozes em meu corpo. O tempo passa pra todo mundo e não sou exceção.

Parece mentira, mas já faz dez anos que joguei o crápula na Ponte São Gonçalo depois de uma luta terrível. Tinha feito o diabo com meu amigo Marcelo e colocou toda minha família em perigo.

Fico feliz pela mãe ter se casado com o Jean Pierre e agora estão em lua-de-mel pela Europa. As vezes me mandam fotos dos lugares onde passaram. Um dia quero conhecer também esses países que só sei pelos livros do Márcio.

Nem quero me lembrar daqueles dias de horror. Acredito que aquele maldito contribuiu decisivamente para a queda econômica de Pelotas com essa palhaçada de imperador e seus gastos exorbitantes.

Mas os pensamentos foram cortados quando Davi me mostrou uma reportagem da Zero Hora falando da chegada de um barco vindo da África que atracou no porto de Pelotas com uma multidão o esperando.

E quando o homem desembarcou, senti meu sangue gelar.

Era ele.

O filho da puta retornou e o pior de tudo é que foi entusiasticamente acolhido por boa parte da população.

Não estava sozinho. Vi na foto três jovens garotas que são tão perigosas quanto ele, os jornais a chamam de As Três Bruxas.

Não sei o que isso significa, mas sei o que representam: o caos encarnado.

Preciso voltar a Pelotas o quanto antes.

* * *

Que noite mais enfadonha pra patrulhar. Poderia estar lendo um romance histórico ou ficar jogando na minha máquina de arcade, mas jurei a mim mesma que limparia minha amada cidade desses cretinos que a maltratam.

Gosto de lutar sozinha. Muitos acham a solidão uma merda, mas pra mim é bem relaxante.

Ajuda-me a pensar um pouco. No entanto, dou uma força de vez em quando pra aqueles quatro pirralhos.

Fiquei sabendo que nas últimas seis semanas, uma devoradora de homens estava nas casas noturnas próximas a Católica em busca de outro trouxa.

Dez vítimas ao todo. E o décimo-primeiro já estava bem encaminhado.

Entrei no ambiente. Música a todo pau e a balada correndo solta. Havia na entrada um traficante que vendia umas droguinhas ou algo do tipo pra fazer a garotada se excitar.

Fiquei na mesa ao lado ouvindo meu walkman quando a moça veio. Ela não andava, mas desfilava como se estivesse numa passarela.

Era de estatura mediana e tinha um corpo capaz de fazer o cara cair de quatro por ela. Usava um tubinho preto e os cabelos estavam presos. Roupa de viúva negra.

Papo vai, papo vem e os dois saíram no carro dela, uma Ferrari Testarossa. Já vi carros esporte nas festas que minha mãe participava, mas nunca um vermelho desse tipo.

Era a deixa pra ir atrás dela. Primeiro peguei um taxi e depois um uber pra não os perder de vista.

Cheguei ao Laranjal. Tenho que admitir que a nossa amiga devoradora de homens tinha um bom gosto pra mansões. Ela pertenceu ao miserável que matou meus pais e os canibalizou sem piedade. Quando vi os corpos dos dois, chorei sem parar e fui consolada pelo lendário “Elliot Ness” e seu amigo Barba.

Desde então jurei a mim mesma que caso o canalha do Ceará sobrevivesse, teria minha chance de vingança. Usei o dinheiro pra treinamento sonhando ser igual ao Batman e depois de dez anos, tornei uma vigilante muito temida pelos vagabundos.

Tive que nocautear os dois vigias na maciota e consegui chegar perto da mansão.

Mas o pior ainda estava por vir. Ainda fui obrigada a ver aquela pouca-vergonha com os dois se esfregando, beijando e se preparando para o rala-e-rola. Pelo menos, a trilha sonora tava boa. Música anos 90, do jeito que gosto.

Quando os dois finalmente foram pro quarto, pude ver um movimento suspeito no porão e vi mais duas moças junto com um senhor de idade, provavelmente Leopoldo, o mordomo que devia estar apodrecendo na cadeia e estavam trabalhando freneticamente em produção de... carne humana!!

Então esse era o plano todo. A devoradora de homens tem duas amigas que fazem o serviço sujo matando os coitados no dia seguinte ao sexo. E o Leopoldo fotografava todo o processo pra deleite daquelas duas.

Foi exatamente assim que aconteceu com meu pai e minha mãe. Assassinados e canibalizados por aquele monstro travestido de empresário bem-sucedido.

Pelo menos, a noite não foi tão ruim. Se estavam produzindo carne humana, certamente o desgraçado estava vivo.

E pelo que ouvi da conversa, estão preparando um banquete pra chegada dele homem que seria dentro de poucas horas.

Não me fiz de rogada e surrupiei a Testarossa da viúva negra. A pé é que eu não ia ficar mesmo.

Vida de vigilante é uma merda, mas é sempre um prazer andar pelas noites afora fazendo justiça.

Tenho pena do infeliz que morrerá amanhã. Fiz de tudo pra salvá-lo, mas foi inútil.

Juro por tudo que é mais sagrado que matarei o filho da puta com minhas próprias mãos.

Mas pra isso não poderei ataca-lo sozinha.

Precisaria de reforço. E dos bons.

Na forma de quatro pirralhos imprudentes e ousados.

* * *

No dia seguinte ao seu retorno, Luiz Otávio estava lendo os relatórios escritos por Savana com um sorriso de satisfação e com sua mente afiada já pensando nos próximos passos para sua vingança contra Mário Vianna e sua família pela derrota sofrida a dez anos atrás.

- Aqui está o relatório, senhor.

- Como é bom voltar pra casa, meninas. Mas temos trabalho a fazer. E uma cidade a recuperar dos estragos da pandemia. Faremos Pelotas pujante de novo eliminando todos aqueles que se opuserem a mim.

- Gostou do que fizemos na mansão, senhor?

- Sim, Diana. Arrumaram bem o porão e conseguiram novas ferramentas para as matanças. Mal posso esperar para voltar a causar terror nesses infelizes.

- A carne tava ótima. Nunca comi tanto em minha vida.

- Kazadi faz uns pratos excelentes. Além do básico, ele faz pratos especiais da sua terra. A propósito, o plano de vocês foi brilhante. Atrair moças e rapazes para cá e mata-los para conseguir a carne jovem deles é simplesmente fascinante. Dizem que isso dá forças a quem a devora.

Mas nem tudo era flores para Ceará. No relatório, Savana apontou várias ameaças para seu mestre.

Além dos misteriosos vigilantes conhecidos como Defensores de Pelotas agindo em vários pontos da cidade, no Fragata outra ameaça surgia na forma de um antigo bandido que se tornou o monarca do local graças a seu grande trabalho em prol dos moradores do bairro.

Seu nome era Mário Roichovsk Mosk, um descendente de ucranianos que tem a seu lado um incomum braço-direito: o urso de pelúcia Misha, que ganhou vida através de um ritual.

Ao saber disso, Ceará teve um ataque de fúria jogando a cadeira na parede.

- Outro Mário na minha vida. Parece uma praga que não tem fim, maldição!!! Mas não importa agora. De qualquer maneira, acabarei com todos eles.

- Podemos marcar um encontro com o senhor Mosk, senhor Luiz Otávio?

- Marque na agenda para amanhã, Savana. Vamos ver o que aquele Zelensky de araque tem para mostrar. E a propósito, podem prosseguir com o plano de vocês. É o mínimo que posso fazer por ter trazido Leopoldo de volta e por dar uma nova oportunidade de me vingar do meu mais odiado inimigo. Faremos um brinde a essa nova era que começa agora.

Após um suculento jantar regado a um bom vinho tinto, as três jovens vão aos seus aposentos e Ceará ficou muito satisfeito ao saber que suas cabeças em formol não só se mantiveram intactos como ainda ganhou novas onze graças ao plano das Três Bruxas.

Depois de masturbar-se diante de seus novos troféus e transar com o cadáver da socialite na cama, Ceará disse ainda ofegante depois do ato:

- Eu voltei pra te assombrar, Nemesis. Pelotas será minha, toda minha.

E soltou uma sonora gargalhada.

MarioGayer
Enviado por MarioGayer em 08/10/2022
Código do texto: T7622980
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