Palhaços

Estava no metrô de Salvador, quando os vi pela primeira vez.

Na estação Aeroporto, entraram uns cinco caras e duas mulheres usando roupas, maquiagem ou máscaras de palhaços. Chamaram atenção. Alguns comentavam baixinho sobre as vestes extravagantes dos palhaços, mas não houve nada demais. Aliás, todos continuavam a prestar atenção mais em seus celulares do que em outras coisas. Duvido muito que a situação seria a mesma nos ônibus de Salvador. No metrô a gente se sente seguro. No ônibus, logo surgiria a hipótese de que ali era uma quadrilha, apesar da crença de que bandidos gostam de discrição. Acredite, em Salvador acontece de tudo. Gente fantasiada de palhaço metendo os canos em trabalhadores dentro do coletivo seria insólito, mas não seria tão impossível de acontecer.

Duas estações depois, um vendedor entrou no metrô. Vendedores são ilegais no metrô. O áudio que é reproduzido pelo alto-falante dentro do veículo repete toda hora: “é proibido pedintes, comércio ambulante, pregação ateísta histérica…”. Mas a situação econômica está feia, então pedintes, vendedores de tripé de celular e de livros de Nietzsche tentam a sorte. O rapaz que entrou vendia tripé. O cara tinha uma carreira de comediante, arruinada, pois os bares de comédia estavam falidos. Enquanto tentava vender, contava piadas, fazia trocadilhos, brincava com os passageiros… todo mundo ria. Até os palhaços.

- Esse tripé tem mil e uma utilidades! - ele repetia aos gritos, entre uma piada e outra.

Eu havia visto ele vender por ali, em outros dias. Fazia piada até com a voz do alto-falante e conseguia driblar seguranças que tentavam pegar ele.

Mas naquele dia ele não deu sorte.

Um segurança o pegou. Sabe o que acontece quando o segurança do metrô pega um vendedor ilegal? Ele toma a mercadoria do cara. Ou seja, ele ia tomar a mochila cheia de mini tripés para celular.

- Cara, isso é meu ganha pão. Pelo amor de Deus…

- Foda-se. Você sabe que não pode.

O segurança ia saindo com a mochila, quando um dos palhaços levantou e deu um soco no rosto dele. O segurança só fez botar a mão no rosto e recuar um pouco. Acho que ele nem sentiu dor alguma. Por outro lado, o palhaço valente estava visivelmente com a mão dolorida, pois ele gemia e reclamava, enquanto balançava as mãos.

- Puta merda, esse cara é de aço…

O segurança tirou o cassetete. Mas antes que pudesse acertar o palhaço de mão dolorida, outro palhaço tirou algo da mochila e acertou as costas do segurança. Dessa vez ele caiu. Logo os outros palhaços tiraram de suas mochilas algo igualzinho àquela coisa usada para bater no segurança e começaram a fazer o mesmo. Depois eu fui notar: eles estavam usando réplicas do celular Nokia 3310, o tijolão, para agredir o funcionário do metrô. Mas o tamanho era maior que o celular verdadeiro.

No chão e sob uma agressão incomum - não é todo dia que palhaços lhe agridem com réplicas de um celular defasado -,o segurança conseguiu acionar o aparelho de rádio de comunicação e pedir ajuda. Tudo isso aconteceu no percurso entre uma estação e outra. Quando o metrô parou para pegar os passageiros, outros seguranças entraram para o resgate do colega.

Logo começou uma batalha entre seguranças e palhaços. Alguns conflitos ocorreram do lado de fora do veículo, pois teve palhaço ou palhaça que conseguiu sair. Ou seja, haveria quebra pau naquela estação. E, claro, houve pânico e gritaria disseminada.

O vendedor, aquele mesmo que ia ter sua mercadoria roubada, se juntou aos palhaços e enfrentou os seguranças.

- A hora de se vingar é agora. - grita ele, enquanto chuta o segurança e depois pula gemendo com dor no pé. Em seguida, ele pega o tripé e bate no cara. - Viu o que eu disse, pessoal? O tripé tem mil utilidades! Incluindo meter a porra em rola-bosta fardado.

A luta entre palhaços e seguranças foi quase de igual para igual. O que eu quero dizer: os seguranças do metrô de Salvador não usam armas de fogo. Eles têm cassetetes. Mas os palhaços com suas réplicas enormes de Nokia 3310 - quais materiais será que usaram para criar tais réplicas? - conseguiram encarar.

Todavia, a derrota seria iminente, pois existe a superioridade numérica dos fardados. Os palhaços seriam rendidos, a não ser que fugissem. Então, aparentemente, colocaram em ação uma estratégia. Não eram palhaços comuns. Eu os vi em confronto corpo a corpo. Vi, por exemplo, como uma palhaça dominou um segurança, utilizando técnicas de um tipo de luta que não reconheço. Pareceu cena de filme do Steven Seagal. Não eram palhaços comuns, insisto! Arrisco-me a dizer que era militares ou ex-militares fazendo “bico” de palhaços. Eram disciplinados e estratégicos. Pareciam que tinham previsto a muvuca que iria ocorrer. Um deles pegou um aparelho de rádio de comunicação e disse a seguinte frase, que logo reconheci como uma frase famosa, proferida pelo comediante Groucho Marx: “eu nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio”.

Ficou conspícuo que não era uma piada gratuita ou sem contexto. Aliás, a função da frase não era fazer rir, mas enviar um código para outros palhaços. Logo, os palhaços que estavam em confronto naquele vagão, assumiram uma posição de “fuga”. A frase foi dita quando o metrô estava chegando numa determinada estação. Todo passageiro sabe: naquele horário, naquela estação, entra gente pra caralho. Os palhaços conseguiram sair antes da multidão entrar. Os seguranças que brigavam com eles não tiveram a mesma sorte. E mais: levaram os aparelhos de rádio, deixando-os sem poder se comunicar com os seguranças que estavam do lado de fora.

Mas havia câmeras nas estações. Só que os palhaços pareciam conhecer cada ponto cego da vigilância. Já disse, não eram palhaços comuns, porra! Não sei que diabos eram, mas conseguiram despistar os seguranças com sucesso. Quando a polícia chegou, só encontraram as fantasias jogadas em partes da estação onde a câmera não gravava. Os palhaços tinham conseguido sair como passageiros comuns. Algo inacreditável.

Os jornais não perderam a oportunidade:

”Palhaços sacaneiam seguranças em metrô na capital baiana”

“Seguranças apanham de palhaços no metrô e fica por isso mesmo”

“Palhaços com habilidade em kung fu tocam o terror no metrô”

Eu fiquei curioso em saber como aquele vendedor de tripé - o pivô da confusão toda - conseguiu escapar. E qual o destino dele? Há quem diga que hoje ele é um dos palhaços, que atacaram novamente. Outros dizem que hoje ele vende livros de Charles Darwin no ônibus - ele não chega perto do metrô. Uma coisa é certa: quando um bando de palhaços entrar no transporte coletivo, todo mundo vai passar a ficar em alerta.

FIM