Mão Negra - Capítulo 3

Mão Negra

Capítulo 3

Eu na verdade estava em frangalhos pensando em minha Marlene o tempo todo. Pensando nos dias felizes que tivemos juntos no início do nosso relacionamento. Era bom demais. Lembro-me que ela sempre me recebia com um sorriso largo, cabelos molhados e uma pele fresca após tomar uma ducha demorada. Era a moça mais cheirosa daquela vila. Ficávamos horas grudados assistindo a TV e é claro trocando deliciosos beijos. Até hoje somos assim, um apaixonado pelo outro, mas as circunstâncias da vida estam nos afastando a cada dia. Eu não posso perdê-la. Não consigo imaginar a minha vida sem a minha Marlene, minha cheirosa. Preciso prender logo o maldito do Mão Negra antes que ele destrua de vez o meu casamento.

Por ser ainda de madrugada a cidade que é considerada a mais movimentada do país se encontrava numa calmaria onde era possível ouvir ecos dos latidos dos cães do outro lado do bairro. Segundo o localizador do rapaz o Mão Negra havia estado numa das ruas mais perigosas daquela região. Antes de descer do veículo verifiquei minha arma. Estava tudo ok. Desci e percebi o quanto o estado havia abandonado aquele lado da cidade. A rua parecia ter sido bombardeada tamanho era o número de buracos ali. Alguns até com entulhos jogados pelos próprios moradores na tentativa em vão de amenizar a situação. Celso Amorim deu-me ordens para que o aguardasse, mas sabe como são às coisas né. Tenho a lei circulando nas veias. Caminhei com minha arma em punho e driblando os buracos. Passei por um monte de sacos e uma caçamba que transbordava de lixo. Uma voz pastosa me fez saltar.

- Passeando uma hora dessa, coroa?

- Merda! – girei nos calcanhares. – polícia fique parado.

De dentro da caçamba saiu um sujeito magro, mal vestido, mal cheiroso e com pouquíssimos dentes sadios.

- Opa, eu não fiz nada de errado não, autoridade. Eu só queria saber se o senhor tem fogo. – mostrou metade de um cigarro amassado.

- Não, eu não fumo. – abaixei a arma. – boa noite.

Dei as costas para o mendigo e retomei minha caminhada e ele mais uma vez fez meu coração disparar.

- Tá afim de um celular?

- Não! – respondi ainda andando.

- Um sujeito me acertou com um, mas o aparelho parece que foi atropelado por um caminhão.

Liguei o alerta. Virei-me e lá estava o morador de rua segurando o telefone com a tela toda trincada.

- Você viu o cara, viu para onde ele foi?

O sujeito coçou algumas vezes a cabeça e a barba antes de me responder. Eu já estava irritado.

- Ele não é estranho. Raras vezes ele sai da casa dele e quando o faz, faz sempre a noite.

As viaturas chegaram jogando seus fachos de luz dos faróis iluminando nossos corpos. Só agora pude ver o quanto o sujeito era desnutrido.

- Você sabe aonde é a casa dele?

- Aquela. – apontou para uma verde claro com muros médios e portão de madeira.

Amorim parou bem próximo de nós dois. Sua expressão não era nada boa.

- Resolveu parar e fazer uma caridade, cadê o Mão Negra?

Eu também estava de saco cheio do Amorim, as vezes penso em meter uma bala na cara dele.

- Aquele é o esconderijo dele. – tomei o celular das mãos do mendigo. – esse era o celular que estava com o localizador ativado. Provavelmente ele sacou isso e destruiu o aparelho.

- Sacanagem! – abriu o paletó e colocou às mãos na cintura. – Atenção pessoal, vasculhem aquela casa. Venha comigo J.A

Andamos até a outra ponta da rua, numa esquina de onde era possível ver os primeiros brilhos do sol despontando do outro lado da cidade. Lindo visual. Celso guardou sua arma no coldre por dentro do blazer.

- Por hoje chega.

- O que? – franzi a testa.

- João, estamos cansados, você está cansado. Vamos pra casa. Vou marcar uma reunião no próximo plantão.

- Mas chefe, Manuel Clemente pode estar por perto.

- Mão Negra não está mais aqui, aonde quer que ele esteja agora, ele sabe que estamos aqui. Vá para casa J.A. é uma ordem. – bateu em meu peito.

Eu tive que acatar suas ordens. É verdade, Amorim estava coberto de razão, eu me encontrava morto de cansado e com sono e não é pra menos. Já não sou aquele mesmo policial de vinte poucos anos que virava a noite atrás de vagabundo. Com a graça de nosso Senhor cheguei aos 53, mas confesso que meu corpo já não suporta tantas emoções.

Voltei com Celso para a frente da casa de Manuel onde o restante do nosso pessoal já o aguardava.

- Nada senhor. – informou um sargento.

- Positivo. Vamos embora.

Eu entrei em meu carro ainda tentando engolir as ordens do meu chefe. Me olhei no retrovisor e vi um homem acabado. Barba por fazer, bolsas se formando embaixo dos olhos e a cada dia que se passa minha calvície se torna mais acentuada. Complicado. Mas eu creio que envelhecer é pra quem pode e não pra quem quer, então vamos nessa.

Quando parei de me “admirar” no espelho só restará eu ali. Olhei para a casa do Mão Negra. Respirei fundo e desci, dane-se as ordens. Não sei porque cargas d'água Amorim não deixou ninguém de guarda e eu só agradeci por isso. Entrei na casa e simplesmente me surpreendi. Sem móveis, sem quadros, luz fraca e um cheiro horrível de comida estragada, além de ladrão é porco. Fui até o quarto e lá só havia um colchão de solteiro. Pois é, realmente o nosso querido Mão Negra manteve a regularidade. Sem pistas.

Revistei todos os cômodos da resistência, mas foi no banheiro que a minha sorte começou a mudar. Assim como a cozinha, o banheiro fedia bastante, meu estômago queria sair pela boca, mas eu tinha que investigar. No local tudo estava em ordem; sabonete, papel higiênico, barbeador barato e...

- Quem procura acha.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 21/05/2022
Código do texto: T7520679
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